Se arriscar para ajudar o outro, profissionais que estão na linha de frente - Altruísmo



Série Ensaios: Sociobiologia


Por Mariana Inês, Brenda Caroline, Eduarda Melo, Bruna Fiala, Ana Laura, Eduarda Fernandes, Mariana Silveira.Graduandas de Biologia e Psicologia

Em virtude da pandemia causada pelo vírus Covid-19 (Sars Cov-2), hospitais superlotaram rapidamente com pacientes necessitados de atenção intensa. Dessa forma, mundialmente, médicos e enfermeiros foram surpreendidos com a sobrecarga de trabalho e como implicações sobre saúde mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas em épocas pandemicas (ORNELL et al., 2020) os trabalhadores podem ser alvos de doenças psicológicas.
A notícia: “Covid-19: trabalhadores da saúde podem desenvolver esgotamento profissional” publicada dia 16/04/2020 por Diego Amorim no site do jornal Extra, traz como tema principal a tendência dos profissionais de saúde a desenvolverem a síndrome de burnout, conhecida como a síndrome do esgotamento profissional. “Locais de serviços de saúde, públicos ou privados, são naturalmente estressores. E isso tende a aumentar frente à expansão dos casos de coronavírus.”, cita o médico Gilberto Ururahy para o jornal.
Frequentemente o homem se depara com situações que lhe exigem escolhas, como é o caso dessa, salvar vidas. De acordo com o filósofo Tom Regan (2004), o altruísmo está associado ao dano causado pela morte, que pode ser mensurado qualitativamente pela perda que cada indivíduo possa significar. Tal evento é causador de um grande conflito ético, o profissional deve optar por atuar na linha de frente -correndo riscos de contaminação e o estresse psicológico envolvido devido ao cenário em que está inserido e a chance de transmissão para pessoas próximas, como pais, cônjuges e/ou filhos- ou ajudar pacientes portadores da doença. Sendo evidente, que muitos optam pelo distanciamento familiar à abandonar uma vida, que precisa de seus cuidados.
Segundo Regan (2004), o agente moral é aquele capaz de agir com o princípio moral da imparcialidade, decidindo o que deve ser feito após a ponderação de diversos fatores. Por outro lado, o paciente moral carece desses pré-requisitos encontrados no agente moral, não estando habilitado a fazer escolhas baseando-se em princípios éticos. Quando os pacientes morais podem sofrer os impactos das ações dos agentes morais em suas vidas, tornam-se vulneráveis. Com isso, pode-se apontar como agentes morais os profissionais da saúde que, através de considerações éticas, colocam-se na linha de frente da pandemia, arriscando-se em virtude dos pacientes, que são os pac
ientes morais e vulneráveis do caso, cuja vida pode ser impactada de acordo com as atitudes do agente.
O altruísmo, do ponto de vista biológico, é caracterizado pelo comportamento de um animal que favorece o outro em detrimento dos seus próprios benefícios, ou seja, abdicar as suas probabilidades de sobrevivência e reprodução para que outro animal se privilegie (OKASHA, 2003 apud FONSECA, 2007).
A partir do exposto, o altruísmo contradiz a afirmação darwiniana (1858) de que a competição por recursos é sempre egoísta, como encontrado na espécie humana, onde é visto sentimentos de empatia e proximidade. Este fato aliado ao conceito de “vantagem inclusiva” (HAMILTON, 1963) pode explicar o porquê de estarmos nos arriscando em prol do outro. Como espécie, partilhamos uma carga genética semelhante, aumentando as chances de reprodução e, inconscientemente reverbera para o indivíduo altruísta de modo que nossa espécie será levada adiante (HAMILTON, 1963). Assim, o altruísmo biológico, como afirma Lencastre (2013), consiste no egoísmo genético. A partir da teoria de Hamilton (1963), pode-se afirmar que a solidariedade acontecerá com mais frequência em indivíduos com um grau de parentesco genético, e muitas vezes ignorar e desprezar outros grupos no reino animal. Na biologia endócrina, o altruísmo tem estreita relação com a ocitocina, o qual é responsável pela contração uterina em mulheres grávidas e a ejeção de leite. De acordo com Marsh (2019), esse hormônio é capaz de promover a motivação pró-social a partir de interações com o sistema dopamina estriatal, relacionado a comportamentos direcionados a objetivos. A liberação de ocitocina faz com que ocorra a elevação da produção de dopamina pelos neurônios na área tegmental ventral, promovendo a motivação do cuidar, além de reforçar a experiência como recompensadora. Já no quesito genético, o cromossomo X produz efeitos nas regiões sociais do cérebro, como o giro cingulado frontal inferior, conduzindo uma maior cooperatividade nas mulheres, junto a uma maior habilidade e intensidade na demonstração de suas emoções e experiências (CRUZ, 2014), enquanto nos homens Ugarte (2016), verificou que o estresse psicossocial agudo está intimamente relacionado ao altruísmo neste sexo, devido a ser uma estratégia de diminuição de estresse.
Historicamente, a etologia aponta que os comportamentos altruístas tenham evoluído com mais probabilidade entre animais que apresentavam graus de parentesco. Sendo assim, duas definições foram estabelecidas para explicar o altruísmo, sendo elas o altruísmo biológico, qual consiste um modelo matemático complexo que prevê como o grau de altruísmo depende do grau de parentesco genético, como exemplo as abelhas, onde o comportamento altruísta foi observado a partir do grau de parentesco das obreiras entre si, e com a rainha, e o altruísmo recíproco, no qual há uma cooperação entre parceiros recíprocos, como exemplo os morcegos-vampiro que partilham o alimento recolhido durante a noite com aqueles que não tiveram oportunidade obter sua parte (LENCASTRE, 2010), sendo esse, o observado na notícia.
Por sermos animais sociáveis é de admirar, portanto, a atitude desses profissionais, visto que o distanciamento social é uma medida a ser tomada principalmente por eles. O contato social, de acordo com Hill (1987), é consequência da motivação a alcançar determinadas recompensas, essas motivações se baseiam em relacionamentos harmoniosos, busca de aprovação e comparação social. Logo, ao privar nossas motivações, desequilíbrios hormonais ocorrem, prejudicando o funcionamento biológico do corpo. Por outro lado, muitas pessoas desrespeitam as medidas de isolamento orientadas pela OMS, e se comportam de uma forma não altruísta ao colocar em risco a vida de outras pessoas. Isso faz com que muitos hospitais fiquem lotados sobrecarregando esses profissionais da linha frente, e assim podendo ser um fator que contribui para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, tendo como base as obras:

AMORIM, D. Covid-19: trabalhadores da saúde podem desenvolver esgotamento profissional. Extra, 16 de março de 2020. Disponível em:

CRUZ, L. B. Altruismo y empatía: correlatos neurales y diferencias de género. Ludus Vitalis. V. 22, n. 41, p. 333-343. 2014.

DARWIN, C. R. & WALLACE, A. R. On the tendency of species to form varieties; and On the perpetuation of varieties and species by natural means of selection. Journal of the Linnean Society of London. V. 3, p. 45-62. 1858.

FONSECA, F. S. T. Comportamento altruísta e racionalidade econômica: uma revisão teórica. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá. 2007.

HAMILTON, W. D. The evolution of altruistic behavior. The American Naturalist. V. 97, n. 896, p. 354-56. 1964.

HILL, C. A. Affiliation motivation: people who need people… but in different ways. Journal of Personality and Social Psychology. V. 52, n. 5, p. 1008-1018. 1987.

LENCASTRE, M. P. A. Goodness, altruism and cooperation. Evolutionary considerations for education and environmental ethics. Revista Lusófona de Educação. N. 15, p. 113-124. 2010 . 

LENCASTRE, M. P. A. Evolução do altruísmo e da cooperação nos grupos humanos. Construir a paz: visões interdisciplinares e internacionais sobre conhecimentos e práticas. V. 3, p. 59-62. 2013.

MARSH, A. A. The Caring Continuum: Evolved Hormonal and Proximal Mechanisms Explain Prosocial and Antisocial Extremes. Annual Review of Psychology. V. 70, p. 347-371. 2019.

ORNELL, F.; SCHUCH, J. B.; SORDI, A. O.; KESSLER, F. H. P. Pandemic fear” and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry. 2020. Disponível em: <https://www.rbppsychiatry.org.br/details/943/en-US/-pandemic-fear--and-covid-19--mental-health-burden-and-strategies> acesso 27/04/2020 00h41.

REGAN, T. The case for animal rights. Los Angeles: University of California Press, 2004.

SOUSA, A. A. S. Para além da senciência na consideração moral: sobre Peter Singer, Tom Regan e Gary L. Francione. Âmbito jurídico. 2017. Disponível em: Acesso em: 27 abr. 2020.

UGARTE, L. M. Altruísmo, percepção de justiça, estresse agudo e cortisol em estudantes universitários. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2016.




Refugiados e a Pandemia



Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Lucas Guimarães Pieri
Especialista em Direito Civil e Mestrando em Bioética

Não é de hoje que o alto fluxo de imigrantes refugiados preocupa a comunidade internacional. Somente no Brasil, mais 11 (onze) mil pessoas são reconhecidas como refugiados. Alguns desses vivem em campos e abrigos temporários para refugiados nas regiões de fronteira. Tantos outros, que já se interiorizaram acabam encontrando situações desfavoráveis, barreira linguística, e preconceito, que termina por relegá-los a viver em comunidades pobres com não muito mais estrutura do que encontravam nos campos e abrigos temporários. Sucede que, a situação já preocupante, torna-se ainda mais grave, podendo atingir patamares catastróficos diante da atual crise sanitária causado pela pandemia de coronavírus. É certo que a pandemia está mudando nossas vidas, e a forma como a sociedade se enxerga de uma maneira sem precedentes, porém, infelizmente, mesmo tendo se tornado o foco das atenções mundiais, as guerras, catástrofes climáticas e perseguições políticas, não cessaram em virtude da Covid-19. Assim, independentemente da pandemia, os fluxos e deslocamentos de refugiados continuam a ocorrer, e em alguns casos se intensificaram. A imensa maioria dos imigrantes refugiados terminam em campos e abrigos temporários, onde há escassez de água potável, estrutura sanitária básica, sem serviços de higiene, expostos ao calor, frio, umidade, estresse e fadigas extremos. Para piorar ainda mais a situação, em razão das medidas de controle e prevenção ao contágio, diversos países vem adotando medidas de fechamento de fronteiras e restrição de circulação. Nesses casos, os refugiados que deixaram sua terra de origem, buscando melhores condições acabam por não ter aonde chegar, sendo obrigados a ficarem pelo caminho, ou retornar para sua origem em condições ainda piores. A título de exemplo, a Itália, que já há décadas enfrenta desafios em relação ao acolhimento de refugiados, e que se intensificaram a partir da grave crise humanitária de 2015, em razão da COVID-19 entendeu que seus portos não estão seguros, e poderiam ser porta de entrada para o alastramento do vírus. Assim, decretaram-se medidas extremamente restritivas, e em especial proibiu-se o atracamento de barcos de Resgate de Refugiados e ajuda humanitária. De fato, a situação é grave. Talvez, os refugiados sejam, no momento, a população de maior vulnerabilidade diante de toda essa crise. Nesse sentido, é necessário que os governos tenham em mente que, medidas de controle e prevenção ao contágio restritivas devem ser tomadas, mas que essas não revogam ou suspendem os direitos de imigrantes e refugiados. Sobre isso, aliás, tanto a legislação pátria, quanto tratados internacionais e regulamentações de organismos supranacionais garante a plena igualdade aos imigrantes refugiados e aos nacionais, vedam a deportação em massa, e estabelecem proteções específicas aos refugiados, justamente por reconhecer sua extrema vulnerabilidade. A Bioética como ciência multidisciplinar, afeita a discutir os mais variados aspectos da vida humana, também pode apresentar soluções e fundamentar a existência de garantias na busca por preservar a dignidade dos indivíduos mais vulneráveis, os refugiados, em tempos de tão profunda crise. A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (DUBDH – Unesco – 2005) da Unesco, tida como paradigma para todos os temas relacionados a bioética, e tem como um de seus objetivos estabelecer bases e princípios para procedimentos que orientem os Estados na formulação de políticas públicas, legislação, e demais instrumentos em matéria de bioética, estabelece que “ Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre si e também com e entre os indivíduos, as famílias, os grupos e comunidades, em especial com aqueles a quem a doença ou a deficiência, ou outros factores pessoais, sociais ou ambientais tornam vulneráveis, e aos de recursos mais limitados.” (UNESCO, 2005). Ou seja, espera-se que os Estados estabeleçam relação de suporte mútuo, especialmente no amparo às populações mais vulneráveis e que detenham recursos mais limitados.
Portanto, é imperioso que a DUBDH seja tomada por base pelos Estados para a elaboração de medidas de combate e prevenção ao contágio ao coronavírus, para que empreguem especial atenção aos refugiados. Ademais, a DUBDH estabelece como princípios a dignidade da pessoa humana e as liberdades fundamentais. Logo medidas sanitárias que estabeleçam mitigações severas a direitos dos mais vulneráveis, colocando-os em risco ainda maior, não devem prosperar. Como já dito, medidas de restrição e prevenção devem ser tomadas, porém não devem servir para suspender direitos dos mais necessitados. Afinal, a própria DUBDH dedica dois dispositivos especificamente para estabelecer com lapidários de seus fundamentos a igualdade, justiça, equidade, a não discriminação e a não estigmatização. Em similar sentido, e adimplindo com os argumentos da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, a Rede de Bioética da América Latina e do Caribe - UNESCO, divulgou, em março deste ano, uma declaração através da qual afirmou-se Os Estados devem ser obrigados a cumprir o direito à saúde: "não tomar medidas apropriadas para dar pleno efeito ao direito universal de usufruir do mais alto nível possível de saúde" e a falta de uma política nacional de segurança, implicam em uma violação de direitos fundamentais. Pandemias como o COVID-19 demonstram, assim, o grau de permanência em cada país e em cada comunidade.” Como se ainda não fosse o suficiente, frisou ainda que é dever dos Estados em tempos de pandemia “ter orçamentos em saúde e educação que não sejam limitados ou condicionados por situações políticas ou econômicas, pois em casos de risco, a saúde pública deve garantir que toda a população possa contar com o necessário para garantir o acesso aos cuidados de saúde que certifiquem o bem-estar individual e coletivo.”
Assim, verifica-se que, é responsabilidade dos Estados nacionais, através da mútua cooperação, garantir à coletividade acesso aos
cuidados de saúde sem qualquer discriminação, bem como a Rede de Bioética da América Latina e do Caribe – UNESCO classifica com grave violação de direitos fundamentais a omissão quanto ao estabelecimento de políticas públicas que abranjam os mais vulneráveis.
Por fim, em recente entrevista ao canal Euro News (in italiano) o Comissário do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), Fillippo Grandi, disse que a Organização das Nações Unidas pede aos governos dos Estados que incluam os refugiados nas medidas de respostas e combate à pandemia. Explica ainda que muito embora Organizações Não-Governamentais parceiras da ACNUR estejam levando água potável e produtos básicos de higiene para os campos de refugiados, deve haver maior empenho dos Estados nesse sentido. Grandi afirma ainda que, muito embora haja a falsa impressão de que a maioria dos refugiados vivem em campos e abrigos temporários, os dados mostram que mais de 60% (sessenta por cento) dos refugiados vivem em comunidades pobres espalhadas pelo mundo e em situação de vulnerabilidade. Por tal razão, essas populações devem ser levadas em consideração na elaboração de políticas públicas de saúde e economia. O Comissário, assim como a interpretação que se faz da DUBDH, estabelecem que o fortalecimento da estrutura sanitária dos países mais pobres e a crise da COVID-19 em relação aos refugiados não pode ser encarada como um problema isolado e de responsabilidade exclusiva desses países, uma vez que partindo de um conceito de coabitação global, os locais mais vulneráveis podem servir como ponto de retomada da pandemia.
Ante todo o exposto, acredito que a utilização dos conceitos e princípios da Bioética como elementos de lastro na elaboração de políticas públicas e mecanismos que busquem evitar a expansão da pandemia seja medida que se impõe. A aplicação dos princípios que fundamentam a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos em paralelo aos Direitos Civis, positivados pelas legislações nacionais e garantidos por Tratados Internacionais de Direitos Humanos servem para afirmar e dar eficácia às medidas que acolham em seu bojo os mais vulneráveis, mantendo preservados os direitos fundamentais dos imigrantes refugiados.




O presente Ensaio foi elaborado para disciplina de Teoria e Prática da Integração com a comunidade se baseando nas obras:





Preconceito por pessoas com maior potencial de contágio de COVID-19


Série Ensaios: Sociobiologia



Por: Bruna Karoline, Giovanna Krepel, Jennifer Zdepski e Milene Taufer

Graduandos de Biologia e Psicologia





O ano é 2020, mais de 100 mil mortes foram registradas mundialmente em um curto período de tempo. Uma crise ambiental!? Guerras!? Não. A razão por trás deste número de óbitos tão expressivo é o que a OMS declarou como pandemia. O assunto mais comentado nos últimos meses em todos os países é o vírus Sars-Cov-2, também conhecido como novo coronavírus. Certamente esse ano ficará marcado na história como um período turbulento vários países com diferentes esferas sociais, pois o cenário atual é catastrófico e, segundo pesquisas, está longe de acabar.

Devido ao alto grau de contágio do vírus, se fez necessário o distanciamento social e a paralisação de comércios e estabelecimentos de consumo, fato que divide opiniões em todo o território nacional. Enquanto parte da população ressalta a importância da quarentena para o achatamento da curva entre a quantidade de leitos hospitalares e pacientes com casos graves da doença, outra parte defende que o distanciamento não é necessário e que existem outras formas de se conter a propagação do vírus, de modo a não afetar a economia mundial. Considerando estes métodos, um apresentador de uma emissora Brasileira sugeriu, ao vivo em rede nacional, a construção de campos de concentração para o tratamento de infectados pelo coronavírus. Segundo ele, as pessoas receberiam um tratamento adequado nestes locais e poderiam ser realocadas na sociedade após a recuperação, de modo que o comércio poderia voltar a funcionar normalmente. É importante ressaltar que os campos de concentração, termo empregado pelo jornalista, eram utilizados para o extermínio de pessoas judaicas durante a Alemanha nazista.

Conquanto, viver em sociedade não é algo exclusivo do ser humano, outras espécies de animais também adotam esse comportamento. A seleção natural, em conjunto com as necessidades de sobrevivência, indicam congruências entre o comportamento dos indivíduos e a transferência genética para gerações futuras (Alcock, 2010), considerando o que for mais benéfico. Deve-se entender que isso não ocorre de um dia para outro, pois a evolução não é algo instantâneo e muito menos pensado. Os indivíduos alteram seu comportamento apenas para fins homeostáticos, buscando sempre o que for mais agradável para si, mesmo que isso remeta conviver com o outro. Apesar das vantagens de se viver em sociedade, associadas principalmente ao aumento de proteção e facilidade na busca por alimento e reprodução, o contato entre os indivíduos também facilita a propagação de vírus e outros microorganismos, situação essa bastante visível no cenário atual.

O distanciamento social é evidente em muitas espécies, mas algumas apresentam atitudes mais agressivas, relacionadas até mesmo a expulsão do indivíduo infectado. Segundo uma matéria publicada pela National Geographic (2020), estudos demonstram que quando membros de colônias de abelhas são infectadas por doenças bacterianas, que acometem principalmente larvas, os indivíduos liberam substâncias químicas (ácido oleico e β-ocimeno) possíveis de serem percebidas pelos demais membro da colônia, que os removem fisicamente da colmeia a fim de evitar mais contaminação. Outro exemplo dessa situação é o que acontece com a rã-touro-americana, pois devido a liberação de feromônios, os girinos desta espécie conseguem identificar doenças fúngicas e evitar contato com os infectados.

O mesmo ocorre quando trata-se de acasalamento, pois os indivíduos fazem seleções, buscando por parceiros saudáveis. Essa ação pode ser induzido sem o conhecimento do organismo ou guiada pela aparência. Segundo Alcock (2010), estudos com aves demonstraram que certos ornamentos e exibições durante o cortejo atuam na seleção das fêmeas ao escolher seu parceiro reprodutivo. Um exemplo disso é a coloração das penas, visto que, uma ave com alto índice de parasitas tem seu sistema imunológico afetado, e portanto, não possui cores tão chamativas comparado aos machos da mesma espécie que estão saudáveis, desse modo as fêmeas têm preferência sexual aos machos com coloração mais viva. Outro exemplo de  seleção, desta vez inconscientemente, é o que acontece em grilos da espécie Teleogryllus oceanicus, cujas fêmeas têm mais propensão de serem atraídas por cantos de machos com sistema imunológico forte, em comparação com a de cantos com sistema imunológico fraco. 

Analisando a perspectiva etológica, o preconceito com pessoas de maior potencial de contágio está presente dentro das interações dos indivíduos, mais especificamente no comportamento social em que há  formações de grupos movidas pelos mesmos ‘’ideais’’, neste caso o elemento segregador, ou seja, o que separa o grupo dos demais é a enfermidade. Do ponto de vista biológico, uma série de fatores são responsáveis por esse distanciamento e preconceito, dentre eles, fatores hormonais como a liberação da adrenalina e noradrenalina, que tendem a ser liberados em momentos de medo e fuga. Outro fator está relacionado com o sistema imunológico dos indivíduos dentro de uma população, em um momento de desequilíbrio em resposta de uma doença, terá soluções diferentes para a situação, e nesse sentido, se isolar da comunidade voluntariamente é um ato de respeito e altruísmo pelo próximo. Do ponto de vista genético o chimpanzé é o principal elo dos seres humanos com os outros animais, mesmo os chimpanzés que possuem características muitas vezes hostis, dentro do seu grupo social zelam pela comunidade, tendo maiores cuidados com os filhotes e parentes doentes (AMORIM, 2000).

 Nós como quase biólogos, identificamos que dentro da espécie humana não é aceitável, sob hipótese alguma, excluir os membros integrantes da sociedade, e muito menos deixá-los reclusos em locais como os campos de concentração - que remetem todo o sofrimento de uma população. A vulnerabilidade causada pela doença só ressalta a necessidade de atenção e cuidado que os infectados devem receber, pois em tempos como esses, precisamos ser mais mutualísticos e menos segregadores.



O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de etologia, se baseando nas obras:



ALCOCK, John. Comportamento animal: uma abordagem evolutiva. Artmed editora, 2010.

COMBS, S. Animais selvagens também praticam o distanciamento social para evitar adoecer, 2020. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2020

Amorim, A. R. F. Aspectos do comportamento dos chimpanzés (Pan troglodytes), 2000.

Doenças Contagiosas: COVID 19 - impacto de espécies sociais e delimitadora do tamanho populacional




Série Ensaios: Sociobiologia

Beatriz Akemi Spitzenbergen¹, Henrique Trigo¹, Irineu Oliveira¹, Lucas Lacerda¹ e Janaína Pscheidt²

¹Acadêmicos do curso de Bacharelado em Ciências Biológicas, Pontifícia Universidade Católica do Paraná;

²Acadêmica do curso de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná



            
Publicada no site de Jornalismo “JOTA” no dia 23 de março de 2020, a notícia “Coronavírus e impactos sociais: que medidas regulatórias vêm sendo tomadas pelo mundo?”, traz exemplos europeus de ações tomadas pelo Estado para frear o contágio da população pelo coronavírus, levando em consideração aspectos sociais e econômicos, criando uma relação entre o agente moral - responsável por tomar uma decisão - e o vulnerável - o que segue esta decisão. Diante disso, na Espanha, local com um grande surto do vírus, o serviço privado de saúde foi integrado ao âmbito público, visando alcançar um maior número de indivíduos. Já na Alemanha, de modo a garantir o bem-estar social da população, instituiu-se o programa governamental “Kurzarbeit”, que impede a demissão em massa. Em comum aos dois países, têm-se os órgãos governamentais envolvidos na tomada da decisão, constituindo o agente moral, e a população doente, no caso da espanhola, ou trabalhadora, no caso da alemã, como a parcela vulnerável. Portanto, é possível dizer que estes países encontraram meios eticamente adequados de lidar com os impactos da pandemia, ao tentar minimizar qualquer tipo de prejuízo.
 Uma pandemia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a disseminação em escala mundial de uma nova doença, a qual transmite-se de pessoa para pessoa entre os continentes de forma sustentada. Esta é a situação atual vivenciada por grande parte da população global em função da disseminação do Sars-Cov-2, popularmente chamado de “Coronavírus”. Segundo a OMS, a designação correta da doença é COVID-19, nomenclatura científica que designa uma doença causada por um vírus da família Corona que se iniciou no ano de 2019. Por ser uma enfermidade recente, os mecanismos envolvidos no processo de contágio e prevenção estão em estudo, contudo, existe um consenso por parte das autoridades de saúde no que diz respeito ao isolamento social, como medida para se evitar a contaminação. Diante disso, pergunta-se se o quão ético é impor ou seguir este isolamento, e se existem outros animais que praticam essa medida de prevenção em situações epidemiológicas. 

        Estratégias assim, também são observadas em diferentes espécies sociáveis. O distanciamento social por exemplo é bastante comum, quando um membro do grupo é detectado com alguma infecção, os demais acabam o expulsado da comunidade. Apesar da identificação de indivíduos infectados não ser sempre fácil, alguns animais dispõem de sentidos especializados, como o olfato, que os permitem detectar algumas infecções/doenças e mudar seu comportamento para evitar adoecer. Essas estratégias de sobrevivência são muito importantes e permitem a adaptação da espécie conforme a evolução.

Da mesma forma que sociedades humanas, insetos sociais possuem várias “camadas” de proteção contra infecções como, num primeiro momento, evitar a entrada do patógeno na colônia, num segundo momento, caso o primeiro tenha falhado, impedir que esse patógeno se estabeleça na colônia, e, num terceiro momento, evitar o contágio entre os membros do ninho.

Uma  estratégia utilizada para evitar com que o contágio ocorra é a exclusão do indivíduo infectado da colônia, como observado em abelhas onde existem guardas nas entradas da colmeia que verificam e impedem a entrada desses indivíduos (um paralelo pode ser feito com a utilização de termômetros na entrada de aeroportos, por exemplo, na atual pandemia da COVID-19). Já para evitar com que o patógeno se estabeleça a desinfecção do ninho através da utilização de substâncias microbicidas, tanto coletadas do ambiente como produzidas através de glândulas específicas e a retirada de corpos infectados e lixo, os quais são transportados a sítios específicos, são utilizadas pelos insetos como estratégias importantes na sobrevivência ante um patógeno. Para evitar o espalhamento do patógeno entre os indivíduos depois que o mesmo já se estabeleceu na colônia, os insetos podem realizar o ato de catação, no qual os indivíduos digerem o parasita de outro membro da colônia, inibindo-o, e, em último caso, abandonar a colônia deixando os indivíduos infectados para trás e se mover para uma nova região. Em populações humanas algumas medidas como a de isolar um indivíduo contaminado, provavelmente seria visto como uma atitude antiética. No entanto, os organismos sociais apresentam maneiras distintas de lidar com situações como estas, e talvez conflitos éticos não sejam questões tão relevantes para insetos sociais.

           O pássaro chapim-azul da Eurásia, passa por uma situação epidêmica semelhante a causada pelo coronavírus aos humanos. É crescente o número de registros de óbitos em consequência de síndrome respiratória nessa população de aves, porém a causa exata ainda é desconhecida. A comunidade científica acredita que se trate de um vírus, uma vez que os espécimes acometidos estão sendo encontrados próximos a locais de alimentação construídos pelo homem, onde  realizam ali um contato social. Diante disso, a ONG de conservação NABU (Naturschutzbund Deutschland) recomendou o isolamento social das aves, através da intervenção humana em retirar estes sítios de alimentação das cidades.

A autorregulação do contágio entre as espécies, está vinculada à questões culturais e de aprendizado por experiências semelhantes já vivenciadas da mesma, permitindo que as sociedades estabeleçam estratégias e uso de regras morais e éticas para promover a segurança e o bem comum de todos, já que estando sob essas medidas, os interesses individuais ficam de lado e os coletivos se sobrepõem.

Nós enquanto quase biólogos e psicóloga, acreditamos que o comparativo entre a pandemia do COVID-19 e o percentual de mortes da espécie chapim-azul reforça a pertinência do cuidado

e da tomada de medidas de prevenção diante de situações como essa para evitar a disseminação do vírus ou de qualquer doença contagiosa, e consequentes mortes entre as espécies. Atitudes de distanciamento social estão vinculadas e são norteadas por questões de conduta ética que permitem o bem comum entre todos e devem ser levados em conta de maneira primordial.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia, se baseando nas obras:



CREMER, S., ARMITAGE, S. A. O., & SCHMID-HEMPEL, P. (2007). Social Immunity. Current Biology, 17(16), R693–R702

FAUCI, A. S., LANE, H. C. & REDFIELD, R. R. Covid-19 — Navigating the Uncharted. The New England Journal of Medicine, [s. l.], 2020. DOI 10.1056 / NEJMe2002387. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejme2002387. Acesso em: 19 abr. 2020.

MADEIRO, Chances, sobrevida e capacidade: como se escolhem pacientes na fila da UTI. UOL Notícias. 05 abr. 2020. Disponível em

MARTYR, K. Mystery disease killing Germany‘s blue tits. [S. l.], 21 abr. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/en/mystery-disease-killing-germanys-blue-tits/a-53198113. Acesso em: 21 abr. 2020.

SOUTO, A. Um Modelo Teórico Alternativo Para Explicar Os "Mecanismos" Da Distância Social Em Grupos de Animais Superiores. Ciência & Trópico, Recife, v. 19, ed. 2, p. 303-310, 1991. Disponível em: https://fundaj.emnuvens.com.br/CIC/article/view/479. Acesso em: 20 abr. 2020.

VENTURA, D. Pandemias e Estado de Exceção. In: VII Congresso Internacional de Direito da Universidade São Judas Tadeu: O Brasil no Mundo. [S. l.: s. n.], 2010. p. 41-55.

A solidão de animais e tutores em situação de isolamento social em decorrência da Pandemia da Covid-19



Série Ensaios: Sociobiologia


por Aline Eduardo Bernardino, Danielle Cristina Pires, Helena de Cassia Porto

graduandas de Biologia e Psicologia

Dentre as diversas mudanças na rotina e no ritmo de vida de pessoas do mundo inteiro submetidas ao isolamento social como medida preventiva à contaminação pelo Covid-19, destacamos o aumento do interesse em adotar animais de estimação, como descrito na matéria publicada pelo site G1 Procura por adoção de cães e gatos cresce na pandemia; cuidadores fazem alertav.

O ser humano, desde sua formação, é um animal extremamente social, em todas as suas necessidades. Porém com os avanços tecnológicos e alteração no estilo de vida das pessoas, como mudanças na comunicação, sendo necessário cada vez menos contato entre as pessoas, vem tornando o ser humano cada vez mais individual. O individualismo nas relações sociais, contrapõe a extrema capacidade humana de socialização, e gera tentativas de fuga da solidão de diversas formas possíveis, como por exemplo o comportamento sexual com a mudança frequente de parceiros.

A solidão é o mecanismo neurológico que ocorre em reposta ao isolamento social, ou seja, uma forma do sistema nervoso comunicar ao indivíduo a necessidade de contato com outros seres vivos. Como fenomeno psicologico, pode ser conceituada de várias formas, mas que tem em comum a falha ou deficiência nas relações sociais do indivíduo. Desse modo, ela é vista como um
a insatisfação com a quantidade ou qualidade desses vínculos.

Assim, a solidão pode ser aquela em que se está sozinho de fato, ou aquela em que se está cercado de pessoas, e mesmo assim sente-se só- sendo está última um dos agentes relacionados a depressão-, podendo ocorrer de forma voluntária, quando o indivíduo opta por estar só, ou de forma involuntária, quando a solidão é imposta por algum fator de relevância maior, como ocorre atualmente no mundo todo, dado ao estado atual da pandemia de Covid-19, cujo vírus tem dispersão extremamente eficiente e alta em meio a aglomerações, ou seja, o convívio social, característica marcante humana, se torna um perigoso agente de dispersão patológica, pondo em risco a vida de inúmeros indivíduos.

As bases neurológicas do sentimento de solidão são semelhantes nas espécies de comportamento social mais complexas, como os mamíferos e as aves, e fundamentam-se na ação dos neurotransmissores serotonina, dopamina e ocitocina. A serotonina é o neurotransmissor responsável pela sensação de bem estar, e a falta de interação social provoca sua depleção, como observado no estudo conduzido por Sargin, Oliver e Lambe (2016). Já a dopamina está primordialmente associada ao circuito da recompensa, sendo observado que em situações de isolamento social apresenta mudanças em alguns de seus circuitos sinápticos (Matthews et al., 2016). A circulação reduzida de dopamina pode resultar em tentativas de compensação por outras vias de estímulo, semelhante a uma pessoa que adquire compulsão alimentar após parar de fumar, a falta de dopamina resultante do isolamento social pode desencadear comportamentos aditivos – os memes sobre engordar durante a pandemia podem ser descorteses, mas certamente possuem fundamento científico (Robinson & Berridge, 1993). A ocitocina é sintetizada quando ocorre o contato agradável entre os indivíduos, inclusive interespecíficos, sendo demonstrado por Nagasawa et al. (2015) que esse neurotransmissor que também possui função hormonal realizou a mediação do vínculo afetivo entre o homem e o cão no processo evolutivo de ambas as espécies.

O comportamento social em espécies dotadas de sistemas neurológicos complexos, a exemplo da raça humana e das espécies que mais frequentemente são escolhidas pelos humanos como animais de estimação, como o cão e o gato, é uma estratégia evolutiva que foi finamente lapidada para fornecer suporte não apenas às necessidades físicas, mas também – às vezes principalmente – às necessidades emocionais. Sabe-se que o cão doméstico (Canis familiaris) é uma espécie selecionada pelos humanos a partir de indivíduos mais sociáveis de Canis lupus, o lobo. Inicialmente, era uma troca de alimento por companhia e proteção de predadores; posteriormente, o cão foi selecionado de formas tão diversas, as chamadas “raças”, que se torna difícil conceber que pertençam todos à mesma espécie, e mais ainda relacioná-los ao lobo que lhes deu origem. Já o gato doméstico (Felis catus) deriva de indivíduos selvagens mais proativos, que se aproximavam das residências, celeiros e depósitos em busca de alimento, fornecendo em troca os serviços de extermínio de roedores, e sendo também submetido a processos de seleção artificial por parte dos humanos. De qualquer forma, os cães e gatos domésticos dos dias de hoje são animais moldados, inclusive em termos de mecanismos neurológicos, à convivência com a espécie humana, sendo pouco capazes de sobreviver em ambiente selvagem. Quanto ao ser humano, são conhecidos os benefícios da companhia de um animal de estimação para pessoas doentes e saudáveis, em condições tão diversas como depressão, stress pós-traumático, autismo, tratamento quimioterápico, entre outras. Também cabe ressaltar que grande parte dos estudos comportamentais são realizados em modelos animais, conflitos éticos à parte, devido a essa enorme semelhança de padrões de resposta.

Por essas razões, é necessário ter alguma cautela na decisão de adotar um animal de estimação sob a motivação de um cenário atípico, caso do isolamento social que estamos vivendo atualmente. Uma situação frequente mesmo em lares em que há uma dedicação da parte dos tutores ao animal, mas que este permanece só na casa durante algumas horas do dia, é a Síndrome da Ansiedade de Separação, na qual o animal demonstra comportamentos anormais ou mesmo patológicos apenas durante a ausência do tutor. O que ocorrerá aos cães e gatos adotados por impulso quando as rotinas de trabalho e aulas de seus tutores voltarem à normalidade? Outro perigo é o stress gerado ao animal quando, após adotado, é devolvido novamente ao abrigo.

Esses questionamentos perpassem a noção de agente moral que o adotante assume ao escolher essa ação. Isso porque o animal não possui liberdade, razão ou linguagem/comunicação para intervir e sendo assim sofrem com as ações desses seres humanos. Desse modo, ainda que isso não traga diretamente dor, eles podem ser prejudicados. Esse prejuízo, torna-os pacientes morais do conflito que conjuntamente adquirem uma noção de vulnerabilidade e que é esta que baseará a considerabilidade moral, onde quando a pandemia termine e esse adotante decida que seu interesse já foi satisfeito e não necessita mais a contribuição oferecida que esse animal de estimação o proporcionou, possa tomar outra decisão, sendo essa a de devolver ou ainda abandonar esse animal o que o deixa a margem de danos e a até mesmo a morte.

As administradoras dos abrigos para animais ouvidas na reportagem afirmam terem sido procuradas por candidatos a tutores que desejavam um animal apenas pelo período do isolamento social, e advertem sobre os efeitos negativos sobre a saúde mental dos animais em caso de abandono ou troca repentina de tutores. Afinal, o sentimento de solidão e abandono não é exclusivo do ser humano, seria então ético adotar um animal para suprir a própria carência, e posteriormente submeter ao animal ao mesmo sofrimento? Nesse caso não é uma extrapolação indevida substituir o animal adotado pela figura hipotética de uma criança: seria ético adotar uma criança e depois devolvê-la porque não se tem mais motivação ou tempo livre para dedicar a ela?

É nesse momento que vemos então a necessidade de uma quebra a esse falso pensamento de que o ser humano tem o controle de tudo aquilo que supostamente não se valha de si mesma por não apresentar a racionalidade, onde esse as vê como simples objetos que estão ao seu dispor. Assim há mais do que uma urgência em regrar as ações humanas para que suas consequências estejam dimensionadas quando relacionadas a outros seres.




O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, baseando-se nas obras:



BASTOS, M. T.; COSTA, M. E. A influência da vinculação nos sentimentos de solidão nos jovens universitários: Implicações para a intervenção psicológica. Psicologia, v. 18, n. 2, p. 33-56, 2004.

FELIPE, S. T. Agência e paciência moral: razão e vulnerabilidade na constituição da comunidade moral. ethic@-An international Journal for Moral Philosophy, v. 6, n. 3, p. 69-82, 2007.

FELIPE, S. T. Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Páginas de Filosofia, v. 1, n. 1, p. 2-30, 2009.

FELIPE, S. T. Da considerabilidade moral dos seres vivos: a bioética ambiental de Kenneth E. Goodpaster. ethic@-An international Journal for Moral Philosophy, v. 5, n. 3, p. 105-118, 2006.

FERNANDES, H.; NETO, F. Adaptação portuguesa da escala de solidão social e emocional (SELSA-S). Psicologia, Educação e Cultura, XIII, p. 7-31, 2009.

Nagasawa, M. et al. (2015). Oxytocin-gaze positive loop and the coevolution of human-dog bonds. Science, 6232 (348), pp. 333-336.

NEGRÃO, S. L. O critério da vida para uma ética ambiental: concepção, filiação, conceitos, argumentos e propostas de Kenneth Goodpaster. ethic@-An international Journal for Moral Philosophy, v. 5, n. 3, p. 119-124, 2006.

Matthews, G. A. et al. (2016). Dorsal Raphe Dopamine Neurons Represent the Experience of Social Isolation. Cell, v. 164, pp. 617-631.

Moreira, V., & Callou, V. (2006). Fenomenologia da solidão na depressão. Mental, 4(7), 67-83.

Robinson, T. E., & Berridge, K. C. (1993). The neural basis of drug craving: An incentive-sensitization theory of addiction. Brain Research Reviews, 18 (3), 247-291

Sargin, D., Oliver, D. K. & Lambe, E. K. (2016). Chronic social isolation reduces 5-HT neuronal activity via upregulated SK3 calcium-activated potassium channels. eLife, v. 5, pp. 1-14. 

Luto: Perdas e Medo da Morte pela Covid-19




Série Ensaios: Socibiologia



Por. Fernanda Raach da Silva, Giovana Maia da Luz, Jéssica Cristine Colla Raymundo, Laís Mello Floriano, Marcilene Luiza Sitta Domingos, Milene Larissa de Almeida dos Santos, Thaís Norrah de França Oliveira.

Graduandos de Biologia e Psicologia


Uma criança com microcefalia, em virtude da epidemia do Zika vírus iniciada em abril de 2015, veio a óbito com a suspeita de Covid-19 devido à problemas respiratórios e a desnutrição no dia 31 de março de 2020. Arthur, de três anos, adoeceu ficando 8 dias internado, sendo parte deles na UTI, e veio a falecer sem obter o resultado do teste para coronavírus. Neste período, a demanda de testes para o Covid-19 apresentou-se muito alta no país, e mesmo com a insistência da mãe, Maria, para priorizar o resultado, este só saiu um dia após a morte do menino, confirmando a morte devido a pneumonia e não ao Covid-19.Os 6 dias em que Arthur ficou na UTI, Maria o assistia através da vidraça apenas uma hora por dia. Ela foi privada de qualquer contato físico e, com isso, vivenciou um duplo luto do seu filho idealizado, pois nem na morte teve direito de acalentar o corpo do próprio filho, que, sem roupas, foi colocado em um caixão lavrado, além de não poder tocá-lo, a família não obteve nem o passe de se despedir no velório, pois o corpo foi enterrado sem a presença dos familiares.



Essa situação abre um debate ético sobre o direito da mãe de velar o filho e qual seria a atitude mais correta em relação ao funeral. A visualização e vestimenta do cadáver são culturalmente significantes como forma de respeito ao falecido, portanto a atitude da funerária teve um impacto emocional negativo e significativo para a mãe. Porém a pandemia coloca trabalhadores de funerária em possível risco. O dilema ético é então como manter a saúde dos trabalhadores e ainda assim mostrar esse respeito e permitir etapas importantes no processo de luto, não só nesse caso particular como em futuros funerais. Podemos identificar como agentes morais, os governantes que definiram os protocolos de restrições para o funeral de pessoas com suspeita ou confirmadas com o covid-19, assim como as restrições ditadas pelos médicos do hospital. Soma-se a isso também a atitude da própria funerária, que recusou vestir Arthur, com medo de uma possível contaminação. É explícito, nesse caso, que a mãe da criança é considerada como paciente moral, pois teve que acatar todas as decisões que médicos e agentes funerários adotaram quando Arthur estava internado, bem como quando veio a óbito.
O ser humano, como espécie social, lida com o luto através de comportamentos sociais, interações do comportamento com os demais indivíduos da mesma espécie (intraespecíficas) ou de outras espécies (interespecífico). Esse comportamento é tido pela convivência em grupo e determina as relações que ele vai ter. Uma característica importante desse comportamento é a participação de mais de um indivíduo, como por exemplo a proteção feita por uma manada de um filhote ameaçado.
A formação de grupos é muito importante como uma estratégia de sobrevivência da espécie, ampliada quando se vive em conjunto em comparação com a vida solitária. Para isso é preciso renunciar à liberdade, considerada o bem maior de um indivíduo, para pensar no bem coletivo. As vantagens são atraentes: mais proteção, mais tempo, mais comida. Em contrapartida para viver em grupos é necessário ter regras ou normas, e isso interfere no tão importante livre arbítrio dos indivíduos. Além disso, os animais formam grupos com quem mais se identificam, nas quais as regras fazem sentido e permanecem com essa organização caso traga vantagem para a sua sobrevivência.
Embora a morte faça parte do processo de desenvolvimento de todo ser vivo e seja muito presente em nosso cotidiano, no contexto sócio histórico há uma negação da morte. Para o homem ocidental moderno, a morte é sinônimo de fracasso, impotência e vergonha. Algo muito diferente do que acontecia na idade média na qual a morte era entendida como algo natural, obedecia a um ritual que envolvia tanto a pessoa que ia morrer quanto seus parentes e amigos, num contexto em que o moribundo tinha a oportunidade de se despedir e com isso podia seguir em frente. Com o desenvolvimento do capitalismo e o processo da industrialização, o corpo foi transformado em instrumento de produção e de trabalho, adoecer neste contexto significa deixar de produzir, vergonha pela inatividade e que deve a todo custo ser ocultado do mundo social.
A morte que antes estava presente na sala de visitas, uma vez que os corpos eram velados nas casas, hoje, desloca-se para os hospitais, e pacientes que se encontram em situações limite entre a vida e a morte, muitas vezes mantidos em UTIs a custo de procedimentos e equipamentos altamente sofisticados em ambiente isolados, sendo privados do convívio de seus familiares. Algo muito próximo do que está acontecendo no momento atual com os pacientes vítimas do covid-19, que são obrigados ao isolamento físico, privados de liberdade, são impedidos de sentir e de expressar suas emoções, destinados a um sofrimento solitário e discreto. Além disso, nos atuais dias em que estamos enfrentando tal pandemia, a morte e a dor da perda não estão voltadas apenas as pessoas infectadas pelo novo vírus ou parentes próximos. O estresse e o sentimento de superioridade de muitas pessoas, por não pensarem no outro, estão levando o encurtamento na vida de pessoas inocentes, as quais estavam seguindo suas vidas cuidadosamente e de forma responsável. Não apenas isso, a violência mostrada em outras formas, como a doméstica, mostrou um aumento de 30% em São Paulo durante a quarentena, além de outros países como a Argentina, a qual relatou 18 mortes de mulheres assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros apenas nos primeiros 20 dias de quarentena no país.
Na primeira fase do luto, onde há o estresse agudo, a medula da glândula supra renal secreta hormônios na corrente sanguínea, a adrenalina e noradrenalina. Após esse período, ocorre o estresse crônico, em que o principal hormônio secretado são os glicocorticóides (CHARGAS, 2010). Entre os sintomas biológicos que acometem o indivíduo durante o processo de luto, podem se manifestar a diminuição do apetite, distúrbios do sono, perda de energia e exaustão, queixas somáticas ou físicas como também a suscetibilidade a doenças e enfermidades. A dor também está associada com o aumento da mortalidade (WALDROP, 2007).
O processo de luto é um conjunto de reações diante da perda. Falar de perda significa falar dos vínculos que se rompem uma vez que o objeto é perdido, o sujeito reage de forma a reorganizar-se psiquicamente. Esse processo não se restringe apenas aos seres humanos, pode-se observar este comportamento em diversas outras espécies espalhadas por nosso planeta. Os chimpanzés, por exemplo, ao perderem um ente querido em seu grupo, comportam-se de forma semelhante a nós humanos; perdem o apetite, buscam reanimar o corpo do animal falecido e até mesmo – em casos específicos, perdem a vontade de viver, entrando em uma depressão profunda que pode levá-los a morte. Além destes primatas, o luto pode ser observado em outros mamíferos como os elefantes e até mesmo em aves. Existem diversos animais que por não aceitar a perda do filhote acabam por carregá-lo nas costas por dias, isso acontece em chimpanzés e até mesmo em Orcas.
O processo de luto acontece, com base no primatologista e etólogo holandês Fraans de Waal, em todos os animais que possuem a capacidade de se ligar individualmente a outro, ou seja, nós humanos temos ligações com nossas amizades, amores, família e conhecidos, assim como há uma ligação dentro das comunidades de diversos outros animais.
Com base no caso real introduzido neste estudo, onde percebemos os diferentes efeitos proporcionados pelos fatores biológicos (a perda de energia e exaustão por parte da mãe), psicológicos (a tristeza pela morte do filho) e os etológicos (o próprio comportamento de luto), nós como quase formandos de biologia e psicologia compreendemos as diferentes questões culturais existentes pelo mundo, na qual o aprendizado e as experiências fazem com que cada sociedade busque o seu próprio meio de se autorregular em frente a uma pandemia como a que estamos enfrentando. Em relação a isso, são estabelecidas normas legais, morais e éticas as quais controlam as decisões dos indivíduos, pois afinal, toda decisão ocasiona um impacto na vida alheia. Logo, quando nos encontramos no papel de agente moral, nossas decisões devem levar em consideração todo o coletivo, pensando principalmente nos mais vulneráveis que não apresentam o poder de decisão.
Acreditamos que na situação em que uma mãe não pode zelar seu filho, é inquestionável não salientarmos o importante papel de algumas culturas, diante de uma situação em que foi totalmente feito descaso não só da mãe que acabou de perder seu filho, como também do próprio falecido. Consideramos inaceitável, visto que já se tem um protocolo para orientar as equipes de saúde e funerárias, com medidas a serem tomadas diante de vítimas confirmadas da doença, assim como em casos suspeitos. As medidas preventivas são desde o manuseio do cadáver, até os velórios/funerais dos entes queridos, quanto para os familiares e amigos.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia, se baseando nas obras:
BOWLBY, John. Formação e Rompimento dos Laços Afetivos. 3º edição. São Paulo, 1997
COMBINATO, Denise Stefanoni  e  QUEIROZ, Marcos de Souza. Morte: uma visão psicossocial. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2006, vol.11, n.2, pp.209-216. ISSN 1678-4669.  Disponível no endereço eletrônico: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2006000200010&script=sci_abstract&tlng=pt pesquisa realizada em 27 abril 2020
CHAGAS, Maria Inês Orsoni. O estresse na reabilitação. Acta fisiátrica, v. 17, n. 4, p. 193-199, 2010. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/actafisiatrica/article/view/103393/101862> Acesso em: 28 abril 2020.
CREMASCO. Maria Verginia Filomena; SCHINEMANN, Dhyone e PIMENTA, Susana Oliveira. Mães que Perderam Filhos: Uma Leitura Psicanalítica do Filme Rabbit Hole. Disponível no endereço eletrônico: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932015000100054&script=sci_abstract&tlng=pt pesquisa realizada em 27 abril 2020
NASCIMENTO. Diogo Cesar; NASSER. Gabriel Meirelles; AMORIM. Cloves Antonio de Amissis e PORTO. Tatiany Honório. Luto: Uma Perspectiva da Terapia Analítico Comportamental. doi: 10.7213/psicol.argum.33.083.AO01. Disponível no endereço eletrônico: https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/viewFile/19593/18937 pesquisa realizada em 27 abril 2020
WALDROP, Deborah P. Caregiver grief in terminal illness and bereavement: A mixed-methods study. Health & Social Work, v. 32, n. 3, p. 197-206, 2007. Disponível em: < https://academic.oup.com/hsw/article-abstract/32/3/197/726252> Acesso em: 28 abril 2020

WELLE, Da Deutsche. Existe luto no reino animal? G1. 22 de set. de 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/09/existe-luto-no-reino-animal.html>. Acesso em: 27 de abr de 2020.