Acabei de ler um livro fantástico da jornalista científica Mary Batten. Estava procurando um presente de aniversário para a Marcia e confesso que não botei fé quando encontrei esse livro na sessão de auto-ajuda de uma livraria popular e ainda escrito por uma jornalista. Surpreendi-me! a obra é um excelente start para quem quer trabalhar com comportamento reprodutivo de qualquer animal, pois a autora faz uma excelente revisão de livros e artigos e traz uma abordagem completa das estratégias reprodutivas traçando um paralelo entre os invertebrados, vertebrados, primatas e o ser humano. Para o homem traz também uma abordagem antropológica comparando pesquisas realizadas com tribos, comunidades de países subdesenvolvidos e estudos atuais com a população de grandes cidades. Gostei muito da forma com que tratou os pesquisadores ressaltando o importante papel do sociobiólogo. Abaixo apresento uma resenha, mas indico a leitura para biólogos, psicólogos, sociólogos e todos aqueles que se interessam de uma maneira ou outra pelo comportamento reprodutivo.
A autora já começa no prefácio apresentando um testemunho diante da floresta tropical do Panamá me emocionou bastante, pois é tecla da transcendência que eu não canso de bater para meus alunos: “(...) Naquele lugar, em meio a tão rica diversidade, percebi que as limitações do mundo humano e as barreiras intelectuais que erigimos entre nós mesmos e o resto da natureza são muito pequenas, quase insignificantes – uma experiência de humildade e, ao mesmo tempo, de grande alegria. Naquele momento, senti minha identidade pessoal expandir-se além dos limites de família, amigos, país, gênero e até mesmo espécie. Percebi que fazia parte do grandioso continuum da vida”. Em vários momentos do livro Mary frisa a importância da biologia evolutiva como uma libertação para que possamos de fato compreender o que significa ser humano. Assim, a descoberta das semelhanças e diferenças entre o homem e as outras espécies, possa levar a empregar a sabedoria e não a força na solução dos problemas e passar para a etapa seguinte da evolução como espécie.
A autora pontua a importância da biologia evolutiva na concepção de nossa espécie, como um mecanismo instintivo que determina escolha do parceiro como um dos principais papéis da fêmea e essencial para Evolução, uma vez que influenciou o comportamento masculino, a organização social e a evolução das espécies. Mas tarde, o homem avaliando que ia a favor e contra o sucesso reprodutivo, atribuiu julgamentos de valor aos fatos biológicos, tonando os comportamentos parte da cultura e influenciando nos tabus, costumes, moral e leis e no papel social de cada sexo.
Em todo livro Mary apresenta exemplos de estudos com animais e confronta diferentes opiniões dos mais atuantes e renomados cientistas do nosso tempo e também dos grandes nomes na ciência. Aborda questões relacionadas com a escolha da fêmea com base nos recursos genéticos e materiais, discute a competição espermática, infidelidade, investimento parental, monogamia, ovulação dissimulada, papel do pênis, do orgasmo e do estupro. Porém, defende a idéia de que em nossa espécie a escolha da fêmea é feita predominantemente levando em conta o status do macho. E o macho prefere as fêmeas que indiquem a sua fertilidade, traçando um paralelo entre várias sociedades e mostrando que quanto mais velha é a mulher, mais ela reduz os padrões de seleção do seu parceiro. Deve-se considerar que as estratégias de homens e mulheres evoluíram paralelamente. Logo, o que uma mulher deseja em um parceiro influencia no modo de agir dele e vice-versa. Nenhum dos sexos consegue o ideal sempre, assim a escolha se torna um meio-termo do que se deseja e o que se tem disponível. Resultando como vencedores os homens e mulheres mais atraentes. A escolha de homens por seus recursos e de mulheres por sua fertilidade permanece mais ou menos inconscientemente até nossos dias, fazendo com que a atração física como indicador de idade seja mais importante para o homem. A explicação evolutiva para a preferência pelo status masculino vem do cenário de que os nossos ancestrais viveram em épocas muito intensas de escassez de recursos. Porém, deve-se considerar que enquanto a fêmea faz de tudo o que pode para exercer o poder de escolha que a evolução lhe deu, o macho faz tudo que pode para controlar ou subverter essa escolha. Na imagem acima os mecópteros, um dos invertebrados mais estudados quanto ao aspecto de seleção e competição, pois a fêmea copula com o macho de acordo com o presente (presa) que ele lhe dá. Os machos que não conseguem capturar grandes presas, ou se arriscam roubando das teias das aranhas, podem se fingir de fêmeas para roubar de outros machos. Os machos também tomam o presente de sua amada para oferecer a outra fêmea.
A localização do ser humano no contexto animal e a compreensão de que se trata de uma espécie atual (100.000 anos) com um biológico confrontante com um cultural marca o posicionamento fascinante da autora. Mary pontua que vivemos em uma aldeia global de quase 6 bilhões de habitantes, conectados por redes eletrônicas, porém considera que os 4 milhões de anos (separação do ultimo ancestral com outro primatas) de historia evolutiva foi passado em grupos pequenos e isolados de caçadores coletores. Logo muito dos nossos sentimentos e reações podem ser resquícios psicológicos do nosso passado de caçadores-coletores, mal adaptados as grandes cidades superpovoadas e poluídas, onde nosso maior desafio é reinventar a nós mesmos .
Até o penúltimo capítulo os temas desenvolvidos por Mary são os clássicos do comportamento reprodutivo, porém a autora fecha seu livro com chave de ouro ao discorrer sobre o amor. A visão biológica que o amor é uma emoção que tem como finalidade a reprodução e que capacita os amantes a iludirem a si próprios em relação às prováveis conseqüências de sua paixão avassaladora – só é superado com o papel social do amor. O estimulo cultural para a grande meta da mulher seja encontrar o grande amor e tendo-o encontrado mantê-lo - pode ser visto como uma manipulação, uma vez que “uma mulher preocupada com romance não tem tempo para desafiar os bastidores masculinos do poder”. A autora também faz um resgate histórico da exaltação do amor nos relacionamentos a partir do surgimento dos trovadores medievais, homens que sem possibilidade de competirem com os irmãos primogênitos e sem a intenção de aderirem ao celibato, passaram a cantar o amor em suas canções despertando nas mulheres a busca pelo romantismo em suas relações com os homens. E por fim, a autora fecha sua reflexão falando da opção das mulheres em irem contra a evolução ao assumirem os filhos sozinhas e ao decidirem não se reproduzirem. Ressaltando que a tecnologia contraceptiva isola os humanos do restante dos animais e oferece meios de evolução para um nível mais racional de desenvolvimento social. A autora finaliza refletindo que embora a tecnologia tenha nos permitido chegar ao espaço, nosso conhecimento sobre nós mesmos parece preso à era da superstição e que a biologia evolutiva é tão necessária no currículo escolar quanto o estudo dos idiomas. Pois se não conhecemos a biologia evolutiva, não poderemos ter esperança de compreender o animal humano ou os problemas que enfrentamos.Recomendo a leitura....
Amiga, agora que terei um pouco mais de tempo vou ler meu presente e depois do teu texto aqui estou ainda mais curiosa.
ResponderExcluirOiiii, Marta Fisher, eu estou adorando suas postagens! Principalmente as partes onde vc fala sobre o livro "Estratégias Sexuais"...estou aqui me deliciando na literatura.
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