Eu sempre tive um posicionamento muito radical com relação a esse tema, levando em consideração obviamente, minha percepção humana, meus valores e meu lado passional de Bióloga, que estuda e ama a vida. Mas será que o tema não pede uma reflexão mais etológica? Será que métodos anticonceptivos e abortivos são estratégias de sobrevivência eficazes e que ocorrem em todos os animais? Os filhos para os animais são investimentos sérios, logo eles devem estar seguros que seus genes serão passados de geração em geração. O sucesso reprodutivo, não está relacionado apenas com o fato de ter o filho, mas da garantia de que terá condições de gerar descendentes que tenham também filhos bem sucedidos. Algumas espécies são chamadas de r-estrategistas, têm muitos filhotes, com baixa alocação de energia no cuidado dos mesmos, esperando que pelo menos alguns poucos entre centenas, consigam se reproduzir. Outras espécies, conhecidas com k-estraegistas, investem muito em poucos filhotes, que demandam mais cuidados e atenção. Mesmo em organismos mais basais encontramos diferentes exemplos de dedicação aos filhos, aranhas e escorpiões que carregam os filhos em seus corpos; mães pseudoescorpiões que se oferecem como alimento para os filhotes; e milhares de outros exemplos fantásticos de como camuflar os ovos e oferecer o alimento na fase inicial dos filhotes. As tartarugas e alguns peixes viajam quilômetros para voltar ao local onde nasceram na esperança de oferecerem aos seus filhotes as mesmas condições que tiveram para sobreviver. Em algumas situações estressantes de vida ou morte alguns animais também podem eliminar os seus estoques de ovos fertilizados, como uma alternativa de se manterem vivos nos seus genes. Há alguns relatos de que espécies bem resistentes como as baratas, os ovos podem se desenvolver rapidamente depois de algumas horas que a mãe foi morta.
Mesmo diante de tão fascinantes estratégias que deram certo para essas espécies, uma vez, que estão vivas em nosso planeta, é normal declinar de uma possibilidade de reprodução, caso a mãe perceba que não terá condições de arcar com o custo de criar um filho bem sucedido. Essa “decisão” pode se dar em três momentos: antes, durante e depois do desenvolvimento do embrião.
Evitar um filho é comum em vários animais, uma vez que a maioria das espécies tem momentos certos para se reproduzirem. Esse momento foi determinado ao longo da história evolutiva da espécie e está relacionado com a época em que há maiores disponibilidades de alimentos e melhores condições ambientais para o filhote sobreviver. Fora dessas épocas o corpo do animal não está preparado para concepção e a cópula não ocorre. A nossa espécie compartilha com alguns primatas um mecanismo denominado de “ovulação oculta”, diferente dos chimpanzés, que na época reprodutiva, a fêmea anuncia para toda sociedade que está apta para se reproduzir, através de sinais visuais e odoríferos. Apesar de existir alguns indícios que a fêmea humana fica mais bonita e muda até a freqüência da voz durante a ovulação, nem mesmo ela tem certeza de quando é esse momento. Existem várias hipóteses para explicar o porquê escondemos nossa ovulação, uma seria para que o parceiro ficasse sempre por perto, pois caso soubesse, cuidaria dela apenas nesses dias, uma vez que não havia risco dela engravidar de outro macho. Há também uma teoria que acredita que as fêmeas ancestrais que sabiam quando estavam ovulando, evitavam copular, para não engravidarem. Pois gravidez era um fator de risco e vulnerabilidade para as fêmeas humanas ancestrais, que além de correrem o risco de morrerem no parto, ficavam mais lentas e suecptives a doenças, devido a depressão do sistema imunológico para não eliminar o embrião. As fêmeas que não sabiam quando ovulavam, copularam, tiveram filhos e mantiveram esse gene na população. Taylor (1997) (veja referência ao lado) acredita que o controle reprodutivo foi parte fundamental da nossa evolução, possibilitando uma seleção sexual rápida facilitando maior investimento cultural nos filhos. Nas comunidades pré-históricas a consciência da relação entre certas formas de sexo heterossexual e gravidez fez parte da evolução em si, resultando na utilização do sexo para outras estratégias como reatação de elos (veja Por que sexo é divertido) e desvinculando da reprodução em si. Durante muito tempo na história do homem a amamentação foi utilizada como contraceptivo, uma vez que o ato de sugar do filhote aumenta a atividade dos opiatos no hipotálamo, que cessa a produção dos hormônios compreendidos na ovulação (Taylor, 1997), mecanismo importante que possibilitava a fêmea ter outro filhote, apenas depois que o primeiro já estava mais maduro. Provavelmente a mulher pré-histórica amamentava até seis anos de idade. Registros da Grécia antiga e relatos de populações indígenas tradicionais, indicam que plantas e bloqueadores vaginais já eram usado a muito tempo, Taylor (1997) cita misturas de carbonato hidratado de sódio e excremento de crocodilo e limão, como alternativas. As flores de lúpulo reduziriam o impulso sexual masculino e cessaria a menstruação, e algumas plantas que causariam a esterilidade masculina por até seis meses. Atualmente nossa consciência da nossa capacidade material, social e emocional em ter e criar bem um filhote nos possibilita a decidir se queremos ou não engravidar. Inúmeros métodos anticonceptivos, inclusive a abstinência devem ser utilizados racionalmente.
O segundo momento de se evitar um filho é durante o desenvolvimento do embrião. A taxa de fertilização de óvulos é bem maior do que número de óvulos que de fato nidificam. O próprio corpo da mulher faz cálculos complexos de viabilidade desse embrião continuar ou não o seu desenvolvimento, e os abortos espontâneos são muito freqüentes, e na maioria das vezes nem percebidos pelas mulheres. Muitas vezes a mulher inconscientemente rejeita o embrião até por questões emocionais de não se acreditar capaz de ter o filhote. É muito comum em clinicas de fertilização o embrião não fixar, mesmo sendo introduzido pronto no útero da mulher. É muito comum também mulheres que adotam engravidarem logo em seguida e ser mais fácil engravidar depois da primeira concepção. É possível que o embrião se fixe, mas que a fêmea não queira dar continuidade à gravidez, Taylor (1997) relata a possibilidade de alguns animais procurarem deliberadamente por plantas para essa finalidade. Foi observado que orangotangos comem folhas, casca e frutos de determinadas árvores (Melanochyla, Melanorrhoea e Diptyros) que resultam em efeitos tóxicos, escurecendo os lábios e promovendo descamação e possivelmente também da membrana do útero. Considerando que o estupro ocorre entre esses primatas, o primatólogo Paul Vasey acredita ser possível que as fêmeas usem essas plantas para produzir abordo nessas situações. Relatos de gregos e comunidades tradicionais, também indicam que as mulheres usavam certas plantas via oral ou local, há muito tempo, com a finalidade de interromper uma gestação indesejada. Atualmente nossa sociedade admite a interrupção em casos específicos como estupro e risco de morte da mãe, e a pílula do dia seguinte é indicada em casos de risco de gravidez, em uma relação sexual sem outro método anticonceptivo e deve ser usada até três dias depois. Ressalva-se que, embora essa pílula represente um avanço na impossibilidade de implantação do embrião no útero, uma vez que a elevadíssima carga hormonal faz com que haja uma desestabilização do sistema, o uso deve ser eventual e correto, pois os efeitos colaterais podem ser sérios e a utilização da mesma fora do período indicado pode ocasionar até mesmo uma gravidez tubária.
O terceiro momento para declinar na reprodução é após o nascimento. Em muitas espécies, as mães comem seus filhotes, ou simplesmente os abandonam. A questão é que sinais os filhotes passam para a mãe de que não serão bem sucedidos. Provavelmente movimentos corporais sutis, sons ou odores específicos podem sinalizar algumas anomalias congênitas cruciais para um desenvolvimento de sucesso. Apesar do custo da gestação, o infanticídio pode ser a melhor estratégia para não resultar em maiores perdas de investimento. A depressão pós-parto pode ser decorrente de uma avaliação interna da mãe, das suas condições de criar um filhote bem sucedido, decorrente de sinais bioquímicos ou emocionais o que desencadearia uma reação hormonal, como a diminuição da oxitocina. Como estratégia a mãe abandona ou mata o seu filhote. Esse mecanismo já está sendo estudado e compreendido nos animais, como decorrente das condições nutricionais da mãe, a quantidade de recursos (alimentos e abrigos) do ambiente e a superpopulação. Atualmente a depressão pós-parto também vem sendo estudada em humanos do ponto de vista etológico (veja o artigo: The Functions of Postpartum Depression - http://www.anth.ucsb.edu/projects/human/ppd.pdf). Um filhote abandonado por uma fêmea pode ser adotado por outra, e esse mecanismo tão “humano” não é privilégio nosso, que além de investirmos em filhotes de outros humanos, podemos também adotar filhotinhos de outras espécies, como os cães, gatos, peixes, aranhas... A graduanda de Biologia Marcelle Pons está desenvolvendo o seu TCC justamente estudando esse mecanismo em outros animais (http://etologiadocao.blogspot.com/) e já conseguiu reunir diferentes relatos da adoção entre as mais diferentes espécies, mostrando que a natureza dotou as “mães” com um instinto de cuidar de “filhotes indefesos”, reforçando que na natureza somos todos um.
Até pouco tempo atrás se acreditava que um filhote, até mesmo dos humanos, nascia como uma folha em branco, e apenas a partir do nascimento, todos os estímulos a que fosse submetido iria ser fundamental para formação de uma pessoa única na população. Lipton (2007) traça um panorama bem interessante quando fala da paternidade consciente. Segundo o autor, fetos e crianças até seis anos de idade, têm uma atividade elétrica do cérebro em uma freqüência diferente, mais baixa e mais susceptível de programação. Essa freqüência permite o armazenamento dos estímulos do ambiente onde foi gerado e onde nasceu, para que possa se adaptar ao mesmo. Embora esse aprendizado não seja recordado mais tarde, é a base para o funcionamento da mente inconsciente, aquela que funciona mais instantaneamente e que tem haver com a sobrevivência imediata do indivíduo. A questão é o que uma criança rejeitada pelos pais poderia estar captando desses sinais ao longo do seu desenvolvimento. Que tipo de jovem e de adulto estaria sendo “programado”. Teria esse indivíduo uma qualidade de vida (emocional e social) que justificasse a continuidade do seu desenvolvimento. Qual o custo emocional e social para pais que por algum motivo (biológico ou social) não queriam seu filho e tiveram que conviver com ele por conta de códigos morais e legais? Mesmo diante da ilegalidade mais de 70 milhões de mulheres optam por interromper as gravidezes pelos mais diferentes motivos como falta de condições emocionais, sociais e econômicas; para não perder o emprego, por ter muitos filhos. Quase 10% dessas mulheres morrem vitimas de más condições dos procedimentos ilegais. O que leva a mulher humana atual a tomar atitudes tão “instintivas” na hora de rejeitar um filho? A sociedade condena a mãe que rejeita, pois a compaixão humana se coloca no lugar da “vida” que se inicia. Se nos considerados tão racionais e nos distanciamos da natureza devido nossa capacidade de gerir nossos impulsos e genes, o que nos leva muitas vezes a ter um filho que não queremos ou ter um filho que não podemos proporcionar uma condição digna que vida com qualidade emocional, social e biológica. Nossos códigos morais parecem ser mais severos que os éticos. E se a milhares de mulheres estão se posicionando diante do direito de decidirem se querem ou não ser fonte de vida para alguém, onde está o lado “racional” e o livre arbítrio nos momentos em que antecedem a concepção? Tem alguma coisa fora de lógica nesse processo todo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário