Zoológicos: um dilema bioético?



Por Roseli Silvério

 Temas de Bioética e Bem estar Animal -  Mestrado em Bioética, PUCPR

Manter animais em cativeiro é um hábito antigo. A primeira coleção particular de animais exóticos é datada no Egito, em torno de 3000 a.C.. Estas coleções eram mantidas pelo significado religioso de algumas espécies e pelo status que a posse de animais exóticos simbolizava (SANS, 2008). Este costume continuou entre os nobres até o Século XVIII, quando se formaram os primeiros zoológicos na Europa: Viena em 1752, Paris em 1793 e Londres em 1826 (COSTA, 2004). No Brasil, as primeiras coleções tomaram forma no Museu Emílio Goeldi, em Belém do Pará, em 1882, e depois no Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e outras cidades, mais intensamente a partir dos anos 1970 (FIORAVANTI, 2011). Entre o Século XIX e início do Século XX os zoológicos eram concebidos e construídos para expor os animais ao público humano com o objetivo de diverti-lo. Nessa concepção, os animais eram exibidos em verdadeiras celas sem a mínima preocupação com seu bem-estar. Ao longo do tempo, em vários países, esta postura foi abandonada e as antigas celas deram lugar a recintos que visam a reproduzir o habitat de cada espécie (ARAGÃO, 2006), contudo alguns zoos atuais ainda mantém uma estrutura de exposição bem próxima à inicial. Apesar de seu objetivo inicial, como local de exposição de animais exóticos e lazer humano, atualmente, os zoológicos têm outras finalidades como garantir a conservação de espécies em perigo de extinção, permitir o estudo científico de animais, além de proporcionar ao público a oportunidade de conhecer diversas espécies e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental (SOUZA et al., 2007).
Apesar das boas intenções, não podemos esquecer que os animais cativos estão sujeitos a privação de algo que é um direito fundamental de todos os seres vivos: liberdade. Então, será que a conservação das espécies e a prática da educação ambiental podem justificar a manutenção destes indivíduos no cárcere? Um exemplo da contribuição dos zoológicos na conservação de espécies ocorreu em 1982, quando a população de condores-californianos (Gymnogyps californianus) era de apenas 22 espécimes. Numa tentativa de salvá-los, todos os que restavam na natureza foram capturados e levados para os zoológicos de Los Angeles e San Diego. A recompensa para este esforço são os mais de 200 condores vivendo em liberdade (KOLBERT, 2013).
Espécies como o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), o diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii) e o panda (Ailuropoda melanoleuca) já estiveram em perigo iminente de extinção, foram levados para zoológicos, conseguiram se reproduzir e voltaram à vida livre. Rinocerontes-brancos (Ceratotherium simum) e chimpanzés (Pan troglodytes) já estariam extintos se não estivessem em cativeiro (FIORAVANTI, 2011).Contudo, a manutenção de animais em zoológicos pode prejudicá-los, pois, além de privá-los da liberdade de movimento e de associação, frustra muitos de seus comportamentos naturais, deixando-os, na melhor das hipóteses, entediados, e, na pior, seriamente neuróticos (TUYL, 2008). E apesar das tentativas de alguns zoológicos simularem o ambiente natural das espécies no cativeiro, não há como reproduzir ambientes genuinamente naturais, visto que há condições que não podem ser facilmente simuladas, como o clima, a migração ou a caça. Além disso, o cativeiro também introduz estressores não naturais para os animais, tais como a exposição aos seres humanos e proximidade com outras espécies possivelmente indutoras de estresse, como predadores e presas (WICKINS-DRAZILOVÁ, 2006).
Ademais, em seu habitat os animais reagem ao ambiente, evitando predadores, procurando alimento e interagindo com outras espécies, desempenhando atividades para as quais eles evoluíram, por isso, independente do tamanho e da estrutura, os recintos estão muito aquém de atender suas reais necessidades. A frustação e o tédio levam os animais cativos a expressar comportamentos compulsivos e repetitivos, os quais são reconhecidos também em seres humanos com problemas mentais. Alguns animais têm problemas comportamentais tão graves que precisam ingerir drogas antidepressivas, antipsicóticas e tranquilizantes (Tuyl, 2008). Diante disso, atualmente há grande preocupação em aumentar o bem-estar de animais que vivem em zoológicos. A manutenção do bem-estar, dentre outros fatores, está relacionada aos estados afetivos que motivam o comportamento. Por exemplo, a frustação surge quando os animais são incapazes de viver da maneira para qual estão adaptados, enquanto que o tédio está relacionado ao vazio ocupacional, onde o animal não pode fazer nada por si próprio e é incapaz de perceber a relação entre suas ações e alguns resultados importantes. A incapacidade de interagir normalmente com o ambiente pode causar sérios prejuízos tanto físicos quanto sociais, para o desenvolvimento básico de animais jovens, como, por exemplo, o contato social através de brincadeiras durante a infância (FRASER, 2012).
Por isso, muitos esforços para melhorar o bem-estar animal em zoológicos são baseados em permitir que os animais vivam de uma maneira correspondentemente melhor às suas adaptações (FRASER, 2012), uma estratégia que contribui para isso é a pratica do enriquecimento ambiental. Além da sua contribuição na conservação das espécies, outro papel desempenhado pelos zoológicos é promoção da educação ambiental, utilizando-se principalmente de sua coleção de animais como veículo sensibilizador em inúmeras atividades. Ao servir de palco para um aprendizado diferenciado, os zoológicos podem desencadear inúmeras emoções nos visitantes, demonstrando de maneira clara, a responsabilidade de cada indivíduo como ser integrante da natureza (FUNDAÇÃO ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO, 2013).
Visto que os zoológicos se constituem uma das poucas oportunidades para que moradores das cidades entrem em contato com a natureza, são locais propícios para a divulgação de informações sobre animais silvestres e a formação de hábitos e atitudes positivas em relação à conservação da natureza (Bizerril, 2000). Contudo, segundo a CAPS (Captive Animal´s Protection Society) visitas escolares a zoológicos levam as crianças a terem uma visão distorcida da vida selvagem. Estudos analisando os visitantes após observarem os animais em recintos altamente artificiais demonstrou que eles tiveram uma atitude negativa e dominadora para com os mesmos (Tuyl, 2008). É importante desenvolver estudos com enfoque nas reações dos visitantes durante observação dos animais. A percepção dos visitantes permite obter informações sobre quais estratégias devem ser implementadas para tornar a visitação mais estimulante para o público em conjunto com medidas educativas que visem a garantia do bem-estar dos animais.
Uma revisão feita por FERNANDEZ et al. (2009) sobre estudos realizados em zoológicos levanta a importância dos recintos simularem as condições ambientais mais próximas às do habitat natural dos animais e destes estarem ativos durante a visitação. Programas de enriquecimento ambiental em um cenário natural não apenas geram melhores condições para os animais, mas tornam a observação mais interessante para os visitantes, pois estes têm uma percepção positiva sobre os animais, vendo-os mais “felizes”, o que contribui para aumentar sua empatia sobre eles e seu apoio na conservação das espécies (FERNANDEZ et al., 2009). E em relação ao impacto dos visitantes sobre os animais? Há estudos que sugerem que os animais se habituam aos visitantes e que até podem ser enriquecidos por eles, porém a maioria sugere que os visitantes contribuem para estressar os animais. Entretanto o efeito estressante parece estar relacionado a fatores como o temperamento da espécie ou do indivíduo, o recinto do animal e o comportamento dos visitantes quando interagem com o animal (FERNANDEZ et al., 2009).
Apesar de uma instituição controversa, os zoológicos podem desempenhar um papel importante na conservação de espécies ameaçadas e na educação ambiental. Entretanto, há um ponto em comum e crucial, sem o qual estas atribuições não serão alcançadas: bem-estar animal. A compreensão da importância de se atender a esta condição e de sua essencialidade é muito simples. Basta refletir sobre algumas questões referentes às atuais finalidades de um zoológico. Como animais em más condições estão aptos a contribuir para a conservação de suas espécies na natureza, se eles próprios muitas vezes já ultrapassaram sua capacidade adaptativa e acabam manifestando não apenas problemas de saúde física, mas, também psicológica, que comprometem sua sobrevivência e reprodução?
Como praticar a educação ambiental, transmitir o conhecimento sobre as espécies selvagens e estimular a aproximação do homem à natureza exibindo espécimes em recintos pobres que estão infinitamente longe de representar o ambiente natural e de demonstrar a relação dos animais com seu habitat e com outras espécies? Como explicar o tigre que anda incessantemente de um lado para o outro? O elefante que balança a cabeça continuamente?  O papagaio que arranca suas penas? E o chimpanzé que arremessa fezes ou pedras (na falta das primeiras)? Isso é normal?
Sem dúvidas é necessária a avaliação e a fiscalização das condições de bem-estar dos animais que vivem em zoológicos. Para isso, podem ser realizados estudos de comportamento em conjunto com análises fisiológicas e outros exames clínicos que mostrem a condição de saúde do animal. E em relação à visitação? Como tornar o zoológico um instrumento eficaz para a educação ambiental sem que a visitação comprometa o bem-estar dos animais? O uso de placas informativas sobre a espécie e a presença de monitores contribuem para fornecer informações sobre os animais, como distribuição e hábitos, e permitem alertar os visitantes sobre comportamentos inadequados, como excesso de barulho ou atos que perturbem os animais.
Atualmente vários zoológicos possuem recintos mais amplos e projetados para simular o ambiente natural com vegetação e abrigos que permitem que os animais se refugiem caso julguem necessário sem que isso comprometa sua observação durante as visitas. Desta maneira ganham os visitantes porque podem observar os animais em um ambiente mais próximo do natural e desempenhando alguma atividade, como se alimentando ou explorando; e ganham os animais que, espera-se, têm um grau elevado de bem-estar, com recintos melhores e menos perturbações.Entretanto é válido relembrar que espécies diferentes têm percepção, ou tolerância, diferente a visitação, ou mesmo ao número de visitantes, então é importante o desenvolvimento de estudos de comportamento animal, humano e não-humano, para saber que tipo de intervenções devem ser implementadas, visando a conservação dos animais e a educação do público.
Provavelmente o zoológico nunca conseguirá reproduzir todas as condições, sejam elas ambientais ou sociais, que os animais selvagens encontrariam em seu habitat original. Contudo, conhecendo suas necessidades básicas – descobrindo quais são as adaptações anatômicas, fisiológicas, comportamentais, afetivas e/ou cognitivas que obrigatoriamente devem ser atendidas para lhes proporcionar bem-estar – talvez sejamos capazes de tornar a vida dos animais cativos mais digna e menos sofrida e possamos tranquilizar nossa consciência cientes de que fizemos o possível para que a prisão perpétua, a qual muitos destes indivíduos foi condenada, tenha valido a pena para salvar sua espécie.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética e Bem-estar Animal e baseado nas seguintes obras:

Aragão, M J. Civilização animal: A etologia numa perspectiva evolutiva e antropológica. USEB, 2006.
 Bizerril, M. Humanos no zoológico. Ciência hoje, vol. 28(163), pp. 64-67, 2000.
COSTA, G de O. Educação ambiental – Experiências dos Zoológicos Brasileiros. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, vol. 13, pp. 140-150, 2004.
FERNANDEZ, E J; Tamborski, M A; Pickens, S R; Timberlake, W. Animal–visitor interactions in the modern zoo: Conflicts and interventions. Applied Animal Behaviour Science, 120, pp. 1-8, 2009.
 FIORAVANTI, C. Menos bichos, mais pesquisa: Os zoológicos reveem seu papel na conservação da vida silvestre. Pesquisa FAPESP, vol.181, pp. 16-23, março/2011.
FRASER, D. Compreendendo o bem-estar animal: a ciência no seu contexto cultural. EDUEL, 2012.
Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Disponível em: <http://www.zoologico.sp.gov.br/peca9.htm> Acessado em outubro/2013.
KOLBERT, E. Zoológicos: a arca da vida. National Geographic Brasil, ed. 163, outubro/2013.
SANS, E C de O. Enriquecimento ambiental no Zoológico Municipal de Curitiba/PR. Monografia de conclusão de curso Zootecnia, UFPR, 2008.
SOUZA; CARVALHO, D S; SINZATO, D M S. Humanos no zoológico: a reação dos visitantes mediante os recintos animais do Zoológico Municipal de Volta Redonda/RJ. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23 a 28 de Setembro de 2007, Caxambu – MG.
 Tuyl, C V. Zoos and animal welfare. GALE, Cengage learning, 2008.
WICKINS-DRAZILOVÁ, D. Zoo animal welfare. Journal of Agricultural and Environment Ethics, 19, pp. 27-36, 2006.

Questionando a Ética no uso Animais silvestres como companhia



Por Flávia Roberta Amend Gabardo

Acadêmica do Curso de Mestrado em Bioética, PUCPR

            A prática de domesticar animais silvestres torna-se cada vez mais comum e apesar de parecer uma atividade contemporânea, ela é uma prática bastante antiga. Já os índios chamavam de xerimbabos (“coisa muito querida” na língua tupi), os animais silvestres que andavam livremente pela tribo, exercendo, com eles, uma relação não exploratória. Com a chegada dos portugueses, essa relação se tornou de depredação e os índios passaram a utilizar os animais como “produtos” de troca, sendo esta uma das primeiras manifestações do tráfico de animais silvestres. A partir deste momento, a relação entre humanos e animais passou de uma relação harmônica para de dominação e opressão, manifestando claramente, o antropocentrismo. Este sentimento do homem como ser dominante, perdura até os dias atuais, deixando uma “distância” entre humanos e animais. Mesmo após os esforços iniciados em 1964 no lançamento do livro Animal Machines de Ruth Harrison que denunciava o abuso com animais de produção, a prática de domesticar e até mesmo “humanizar” animais continua.          Em 1975, Peter Singer defendeu em seu livro Libertação Animal a mudança no comportamento dos humanos em relação aos animais de produção e pesquisa, mas somente com os estudos sobre bem estar animal, a prática a domesticação, principalmente de animais silvestres, começou a ser questionada.   O grande dilema é o porquê domesticar animais. Muitas vezes ouvem-se as pessoas comentarem sobre animais de companhia, mas estaria à convivência entre os seres humanos tão difícil que o ele estaria buscando companhia em outras espécies de seres? E se, fosse isso somente, o problema não seria tão grande, porém, a visão quase sempre antropocêntrica faz com que o tratamento dado à esses animais de companhia não esteja nem perto do adequado ao bem estar animal. 

            A ciência do bem-estar considera que o bem-estar de um animal é o seu estado em relação às suas tentativas de adaptação com seu ambiente, ou seja, considera que todos os animais possuem desafios ao longo da sua vida, porém em condições naturais, ele é capaz de resolvê-los resultando em um reequilíbrio das suas condições fisiológicas e promovendo a saúde. O estado de um animal varia em um contínuo de muito bom até muito ruim e é possível monitorar o bem-estar dos animais de forma precisa, utilizando para tanto, critérios científicos (FRASER; BROOM, 1990).       A existência dessa ciência não melhorou, necessariamente, a qualidade de vida dos animais, pois a ética para domesticação muda de humano para humano levando em consideração parâmetros culturais, morais e, por que não, parâmetros legais. Embora seja um mercado que teve grande ascensão entre 1998 e 2008, quando o licenciamento de criadouros comerciais para animais de extinção foi suspenso pelo IBAMA, é também uma das áreas dentro do tema de fauna que mais suscita polêmica e que tem menos atenção por parte dos estudiosos, já que há pouco material publicado (VILLE, 2013). Além disso, alguns seres humanos escolhem animais nada convencionais como companhia, muitos deles silvestres, exóticos ou até mesmo selvagens; sem ter a mínima noção do tamanho do problema que podem estar criando sanitária, legal e ambientalmente falando. Façamos então, uma viagem pelos “dilemas” éticos, legais e sanitários que envolvem a guarda responsável de um animal silvestre.
         
   Na constituição brasileira, o animal é designado como “coisa” e, portanto perde grande parte dos seus direitos para a “dominação humana”. Já houve, porém, uma mudança significativa no termo utilizado para os animais de companhia. A expressão “guarda responsável” foi modificada para “posse responsável”, pois esse novo termo abrange muito mais que uma simples questão de estética. Santana e Oliveira (2007) definem que o termo “posse” apresenta uma ideologia implícita em sua semântica: o animal ainda continuaria a ser considerado um “objeto”, uma “coisa”, que teria um “possuidor” ou “proprietário”, visão que consideram já superada, sob á ótica do direito dos animais, visto que o animal é um ser que sofre, tem necessidades e direitos. A própria discussão sobre o conceito de guarda responsável traz confusão. Do ponto de vista científico, foi formulada em 2003, durante a Primeira Reunião Latino-Americana de Especialistas em Posse Responsável de Animais de Companhia e Controle de Populações Caninas a seguinte definição: “É a condição na qual o guardião de um animal de companhia aceita e se  compromete a assumir uma série de deveres centrados no atendimento das necessidades físicas, psicológicas e ambientais de seu animal, assim como prevenir os riscos que seu animal possa causar a comunidade ou ao ambiente,como interpretado pela legislação vigente”.
          

  Já o conceito legal, como é inexistente, busca utilizar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais e conceitua guarda responsável como a conduta humana de dar ao integrante da fauna o devido respeito, não submetendo a maus tratos e a atos cruéis, nem explorando, muito menos promovendo o seu extermínio desnecessário ou cruel. A questão da posse responsável de animais domésticos é uma das mais urgentes construções jurídicas do Direito Ambiental, visto a crescente demanda que se tem verificado nas sociedades, pois a urbanização cada vez mais crescente vem suplantando hábitos coletivos que, isolados em seus lares, têm constituído fortes laços afetivos com algumas espécies, como é o caso dos cães e gatos, transformando-os em verdadeiros entes familiares (SANTANA; OLIVEIRA, 2007). Desde a vigência da Lei 5.197/67 (Lei de Crimes Ambientais), a coleta de animais silvestres para criação, comércio ou qualquer tipo de aproveitamento passou a ser crime, salvo nos casos expressamente autorizados ou quando o animal for proveniente de reprodução de cativeiro em criadouro comercial legalmente constituído (VILLE, 2013). O IBAMA tenta controlar o acesso e o comércio de animais silvestres, somente criadouros comerciais ou comerciantes devidamente autorizados podem vendê-los. Entretanto, a internet abriga muitas comunidades de criadores que trocam informações e, com uma boa rede de contatos, não é difícil comprar destes animais. Porém, apesar de termos legislação visando a proteção dos animais contra a crueldade humana, os maus-tratos e o abandono, na realidade do dia-a-dia dos animais, o que se vê é o enorme menosprezo tanto em relação ao texto legal, quanto ao sofrimento dos bichos. Os seres humanos não só não respeitam os direitos dos animais como também os obrigam a emitir comportamentos que não são da sua natureza. Por tal razão, que é preciso alçar antes mesmo de uma linguagem jurídica correta e fiscalizada a busca por valores morais e éticos na sociedade humana.
      
      O grande dilema ético é que para muitos, há ainda, diferenças entre animais humanos e animais não humanos, mesmo pertencendo todos ao mesmo reino dentro da filogenia evolutiva. A ética utilitarista de Singer buscou a igualdade entre as duas espécies defendendo o valor intrínseco dos animais não humanos.      Mas, quando se discute a questão da regulamentação da manutenção de animais em cativeiro, um dos pontos fundamentais é sem dúvida a implicação ética dessa conduta. As pessoas têm o direito de ter animais ou eles devem ser deixados sem interferencia humana no ambiente natural? (VILLE, 2013).    O desenvolvimento da relação entre o ser humano e o animal de companhia ocorre no amâgo de uma mudança comportamental importantíssima da própria sociedade, que passou a cultivar vários hábitos, tais como: menor número de filhos e mais recursos em geral; conferir ao animais de companhia o status de membro da família; que passa a viver mais dentro de casa do que fora; o animal de companhia ganha espaço; está previsto no orçamento familiar e passa a ser assistido na vida e na morte. Assim, gerar o compromisso de uma relação mais saudavel entre o homem e o animal, estaria entre os objetivos de uma educação que promova a consciência para a guarda responsável, de forma, inclusive, a prevenir outros males mais graves, como os decorrentes da irresponsabilidade dos guardiões e traduzidos pelo abandono e consequente superpopulação desses animais nas ruas e parques da cidade (OLIVEIRA; SANTANA, 2007).
         
   Para que a manutenção de animais de estimação possa ser considerada, ela deve estar em consonância com os princípios éticos e os interesses das partes envolvidas com mútuos benefícios e havendo respeito entre os limites e as necessidades de cada animal, bem como os limites, aspirações e recursos da pessoa que queira mantê-lo sobre sua posse (VILLE, 2013). Há ainda, que se pensar a domesticação sob ponto de vista do homem. É praticamente impossível emitir um laudo de sanidade para muitos animais, em função da falta e mesmo inexistência de meios diagnósticos suficientes. Alguns animais podem, por exemplo, ser portadores de raiva em fase de incubação, não detectável pelos meios diagnósticos disponíveis. A manutenção de serpentes peçonhentas em casa, em geral exóticas, oferece o risco de picadas para as quais não existe soro específico em nosso meio, o que acarretará morte inevitável do acidentado. Aranhas caranguejeiras podem ser responsáveis por processos alérgicos graves. Um único pêlo inalado pode levar ao choque anafilático. Outro risco é o da leptospirose, já tendo sido encontrado um bugio portador desta doença. Certamente muitas outras doenças ainda pouco conhecidas podem ser transmitidas por animais silvestres (FEDERSONI et al., 1998).
           
 Animais de companhia dependem do dono para obter alimento e abrigo, não podem ter restrições quanto à sua movimentação, devendo ser limitado o livre acesso às ruas para evitar aquisição e transmissão de zoonoses. Tendo em vista que a guarda de animais não convencionais pode acarretar em inúmeros problemas ambientais, de saúde pública e até mesmo incentivar o tráfico de animais silvestres, torna-se necessário a elaboração de um plano de Educação Ambiental fomentado também por estratégias jurídicas mais claras e bem definidas.  Um plano bem estruturado de educação ambiental é a melhor maneira de mostrar aos domesticadores de animais não-convencionais a grande importância que as espécies silvestres tem na natureza. Algumas estratégias já haviam começado a ser executadas em 2007 pelo Instituto Horus, porém eram estratégias para quem já havia comprado ou adquirido de alguma maneira o seu animal (INSTITUTO HÓRUS, 2008).  A campanha orientava as pessoas através de folderes, cartazes e camisetas a “não soltar seu animal na natureza”.  As estratégias aqui sugeridas tem a finalidade de que as pessoas não adquiram animais silvestres como animais de estimação. O processo de educação ambiental pensado para este caso reúne educação formal e não-formal. A educação ambiental, nos termos da lei, é considerada “um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal” (ANTUNES, 1999). A educação ambiental formal é aquela incorporada aos currículos escolares, estando assimilada nos diversos níveis de ensino (básico, superior, profissional, especial e de jovens e adultos), e sendo mantidas pelas instituições educacionais públicas e privadas (SANTANA & OLIVEIRA, 2007). Já a educação ambiental não formal compreende ações e práticas educativas voltadas a sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e a sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente (art. 13º da Lei no 9.795/99).
            Tendo exemplos que projetos realizados com os dois tipos de educação tem resultado mais positivo, o projeto de Educação Ambiental elaborado para essa temática,  procura reunir as duas metodologias. Dentro da educação ambiental formal, teremos as seguintes etapas:
·                    Capacitar monitores para ministrar cursos à professores e educadores das escolas públicas municipais e estaduais e escolas particulares;
·                    Oferecer curso à professores e educadores das escolas publicas municipais e estaduais e também as escolas particulares. O curso será divido em três módulos: Introdução (duração de 8 horas), Atividades Práticas (duração de 10 horas) e Resultados (duração de 6 horas), perfazendo um total de 20 horas;
·                    Confeccionar cartilha educativa com os temas transversais ao assunto como historia da domesticação de animais, relação ser humano versus animais, legislação ambiental, tráfico de animais silvestres, saúde publica e principais nomenclaturas definidas à fauna brasileira pelo IBAMA (domésticos, silvestres, exóticos, exóticos invasores);
·                    Auxiliar os professores com a ajuda de especialistas no assunto e de palestras;
·                    Mostrar técnicas de jogos lúdicos e brincadeiras, para tratar do assunto;
·                    Produzir uma revista em quadrinhos produzida unicamente para a campanha. Para a produção da revista se buscará parcerias governamentais e de outras instituições aliadas ao projeto.
            A revista em quadrinhos é uma alternativa pedagógica que atinge vários públicos e tem uma linguagem mais simples. Kaufman e Rodriguez (1995) definem “As histórias em quadrinhos combinam imagem e texto escrito, constituindo um código especifico, procurando a participação ativa do leitor por via emocional, anedótica, assistemática, concreta”.
·         Criar o personagem “Silvestri”, que é um símbolo do projeto e que contará as histórias dos quadrinhos;
·         Treinar os professores a buscar resultados. As alternativas que serão sugeridas pelos monitores darão ao educador a opção de escolher pela que melhor se enquadrar ao seu estilo de trabalho e suas possibilidades em sala de aula. Na primeira opção o professor aplicará um questionário simples ao final de cada semestre e encaminhará esse questionário aos coordenadores do projeto. Estes por sua vez, farão uma análise da efetividade do programa;
·         Implantar um projeto com os alunos para que eles realizem levantamentos locais (da região onde moram), sobre a posse de animais de estimação. Desta forma, se terá melhores dados a nível local, sem contar que os alunos desenvolverão sentido critico e noção cientifica ao fazer a interpretação dos dados.
·         Confeccionar um “blog” com um intuito de informar, noticiar e contar fatos ocorridos para que o maior número de pessoas possa ter acesso às informações.
            O blog surgiu inicialmente com a ideia de reproduzir um diário virtual, no qual qualquer usuário, usando serviços gratuitos, poderia expressar suas opiniões, relatar suas experiências, fazer apontamentos, transcrições, comentários a respeito de diferentes temas. O texto se caracteriza por pequenos parágrafos, denominados posts, dispostos em uma página atualizada frequentemente e, apresentada em ordem cronológica podendo ser acompanhada imagens e sons. A dinamicidade, praticidade e facilidade de produção e atualização possibilitaram a rápida e fácil aceitação da ferramenta, passando a ser utilizada por uma gama de usuários com necessidade de expor sua opinião sobre os mais diversos temas, os quais passaram a despertar o interesse de outros usuários, que passaram a interagir com esses conteúdos, contribuindo para ampliar a rede de comunicação. Embora a utilização dessa ferramenta seja uma realidade consolidada em países do primeiro mundo, no Brasil, começa a apontar um movimento de educadores que ousam em utilizá-la como coadjuvante do processo de ensino. O blog pode ser exercer um auxílio pedagógico devido ao seu grande poder de comunicação possibilitando a construção de redes sociais e de saberes, cuja criatividade determina a sua otimização.
A etapa da educação não formal consiste em:
·                    Realizar mutirões de campanhas educativas em parques públicos, jardins botânicos e pontos estratégicos das cidades a serem definidos pela proximidade a matas e fragmentos florestais;
·                    Buscar parceiros como clínicas veterinárias, pet shops e criadouros e também outras instituições ambientais ou governamentais sensibilizadas e aliadas a causa;
·                    Cadastrar todos os parceiros do projeto;
·                    Produzir folder esclarecendo sobre a campanha;
·                    Produzir cartilha sobre a escolha correta do meu animal de estimação;
·                    Entrevistar o maior número de pessoas possíveis sobre posse de animais, quantidade de animais, legislação e espécies invasoras, para que ao final de dois anos essa pesquisa seja feita novamente com as mesmas pessoas, mostrando assim os resultados atingidos com a campanha de conscientização.
          
  Ciente das lacunas educacionais no que diz respeito à posse de animais é importante enfatizar que um bom ponto de partida para amenizar os problemas existentes é começar a mudar os pensamentos e atitudes em relação ao ambiente, repensar a ideia de superioridade do homem em relação à natureza. A situação atual nos desafia a preservar para garantir um ambiente ecologicamente equilibrado e sadio. A Constituição Federal, ao consagrar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, atribuiu à responsabilidade de preservá-lo e defendê-lo não apenas ao Estado, mas também à coletividade e como instrumento para preservação ambiental, nos pautamos em leis, mas estas não adiantam de nada se não se fizer conhecer tais leis, se não forem devidamente fiscalizadas e cumpridas. Portanto, é preciso que haja uma transformação da educação geral, em todos os seus níveis e modalidades, uma educação mais comprometida com o fortalecimento de uma consciência e ética ecológica reforçando os sentidos dos valores, contribuindo e preocupando com o bem-estar geral, tanto nas presentes, quanto futuras gerações. Apenas nós humanos interferimos no equilíbrio e ordem natural dos ecossistemas, então, cabe a nós minimizar os efeitos de nossas ações.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética e Bem-estar Animal e baseado nas seguintes obras:

BOEIRA, A. F. Blogs na Educação: Blogando algumas possibilidades pedagógicas. Tecnologias na educação, v. 1, n. 1. P. 1-10. 2009.
FRASER, A.F.,& BROOM, D.M. Farm Animal Behaviour & Welfare. Baillire Tindall, London.1990.
FEDERSONI, P.A.; FIGUEIREDO, L.F.A. et al. A ameaça dos animais silvestres em extinção.1998. Resumo de manifestações apresentadas a Mesa Redonda “Implicações ecológicas e sanitárias da utilização de animais silvestres como animais de estimação”.
KAUFMAN, A.M.; RODRIGUEZ, M.E. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1995.
INSTITUTO HORUS. www.institutohorus.org.br – acesso em 17 de Set. 2013.
MANTOVANI, A. M. Blogs na educação: construindo novos espaços de autoria na prática pedagógica. Prisma, n. 3, p. 327­349, 2006. Disponível em: http://educivica.com.sapo.pt/blogsnaeduca.pdf. Acesso em 4 maio 2013.
RABÊLLO, M. E. D. L. O que é o protagonismo juvenil? 2007. Disponível em:http://www.cedeca.org.br/conteudo/noticia/arquivo/39DA691A-FD4E-D119-3DAE60914B0999AE.pdf. Acessado em: 09 Maio 2013.
SANTANA, L.R. & OLIVEIRA, T.P. Guarda Responsável e Dignidade dos animais. Monografia de conclusão de curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, Bahia.
SILVA, A. da. Blog educacional: uma nova perspectiva de ensino. In: II Seminário de Estudos em Linguagem, Educação e Tecnologia, 2007, Rio de Janeiro. II Seminário LingNet, 2007.
TAKARA, S. & TERUYA, T. K. Mídia na educação: o uso de blogs na produção de conhecimento. 4º Seminário Brasileiro, 1º Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação, 2011. Disponível  http://www.nt5.net.br/publicacoes/Artigo4SBECE_Teruya_Takara.pdf. Acesso em 5 maio 2013.
VILLE, B. M.G. A criação de animais silvestres em cativeiro e seu comércio no Brasil. Disponível em: http://www.criadouropassaredo.com.br/v1/index.php?option=com_content&task=view&id=20&Itemid=7. Acesso em: 10 de Set 2013.