Adoção de pets em tempos de Covid-19: uma reflexão sobre o princípio do bem-estar

Série Ensaios: Bioética Ambiental 


Marcelo Miotto de Souza 
graduação em teologia e mestrando em bioética na PUCPR 


Segundo o site do SEBRAE, o mercado pet não sofre prejuízos com a atual crise econômica mundial. Mesmo com a pandemia de Covid-19, em 2020, o Brasil ocupa o segundo maior mercado desse ramo, movimentando cerca 34,4 bilhões de reais na economia global. Não é por acaso, também, que o Brasil é o quarto país com mais pets no mundo. Trata-se de um fenômeno recente que ganhou maior adesão nos últimos anos. Isso indica que a adoção de pets vem se tornando cada vez mais comum e modificando as anteriores formas de relacionamento com os animais de estimação. 

De fato, ao caminhar pelas ruas e parques das grandes cidades ou ao visitar a casa de um amigo, encontramos com facilidade muitas pessoas com seus respectivos pets. Eles servem como companhia e cada vez mais adquirem o status de membro familiar. Parece que o afeto pelos animais ultrapassa as diferenças biológicas de espécie e programação genética. Cães, gatos, pássaros, peixes, tartarugas e roedores proporcionam companhia e bem-estar aos seus donos. Não é por acaso que o renomado psicanalista Ruben Alves afirmar que o tipo de pet e a sua aparência indicam as características da personalidade dos seus donos. Com base nas palavras, pode-se interpretar que o bem-estar de um pet corresponde à saúde emocional dos seus donos. Assim, o bem-estar dos pets corresponde à maneira como as pessoas se compreendem, no mais profundo de si mesmas. 
Diante dessa constatação, é oportuno refletir sobre o poder de conforto e de bem-estar que a adoção dos pets proporciona às pessoas de todas as idades, principalmente no momento do isolamento social requerido pela pandemia do Covid-19, em 2020. Claro que o direito dos animais não poderia ser esquecido. Do ponto de vista bioético, entende-se que a criação de animais requer cuidado e respeito. Sempre legítimo e oportuno proclamar que é antiética toda forma de violência àqueles que não podem manifestar a própria vontade e se defender. A posse de um pet contempla, portanto, a responsabilidade de tratá-lo tal como é, e, de atendê-lo em suas necessidades básicas, tal como oferecer um lugar reservado para descansar, comer e beber. O bem-estar dos pets se aplica quanto se reconhece o direito de o animal agir conforme a sua natureza sem força-lo a fazer o que a nossa subjetividade humana quer. 
Entre as principais correntes que discutem a relação ética dos seres humanos com os animais destaca-se a bioética utilitarista, representada pelo filósofo Peter Singer. Este autor, no terceiro capítulo do livro Ética Prática, atribui o princípio de igualdade para os animais pelo fato de terem interesse de viver conforme a sua própria natureza, sem dor e sofrimento, tal como o ser humano pensa em relação aos seres da sua espécie (1994, p. 65-66). 


Embora Singer não trate especificamente sobre o tema da adoção de pets como este ensaio se esforça em argumentar, as entrelinhas da obra citada indicam que não é errado adotar um pet para ter companhia. Isso, desde que o pet tenha liberdade para agir, tal como a sua natureza está programada. Nesse sentido, o utilitarismo de Singer abre espaço para tratar sobre o princípio do bem-estar aplicado aos animais de estimação. 

No dicionário Sensagent (online), apresenta-se a definição de bem-estar animal de Barry Hughes: "um estado de completa saúde física e mental, em que o animal está em harmonia com o ambiente que o rodeia". De fato, o bem-estar é um princípio muito valorizado pela bioética pelo fato de conferir aos animais os direitos básicos da sua existência. Conforme Ferreira (2012) que estudou os benefícios dos animais domésticos aos idosos, a companhia de um pet resulta num apoio psicológico para enfrentar as adversidades da vida. Com base estatísticas, esse pesquisador contatou que os idosos demonstram grande apreço e cuidado pelos animais pelos seus animais. De fato, cuida-se bem daquilo que proporciona um bem recíproco. 

Ora, se há um grande número de pessoas adotando animais, pode-se identificar nesse fenômeno algo relacionado à dimensão espiritual do ser humano que dificilmente consegue viver na solidão. Ter um animal para brincar, alimentar e acariciar preenche o sentido existencial das pessoas. Uma pessoa enferma, por exemplo, poderá amenizar o seu sofrimento ocupando-se com os seus pets. 

Eu como teólogo e mestrando em bioética acredito que a adoção dos pets contribui para o bem-estar humano no atual contexto de isolamento social por causa da pandemia de Covid-19. Isso é belo e merece sempre uma constante conscientização de respeito para com os animais de estimação. Se eles contribuem para o bem-estar dos seres humanos pela sua companhia, os seres humanos também precisam retribuir na mesma proporção de cuidado. Uma vez que foram adotados, tal empreendimento exige a responsabilidade integral por eles. Adotar um pet, a partir desse ensaio, significa assumir um compromisso moral de cuidado recíproco. 

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental, baseando-se nas seguintes referências: 

MIRANDA, Luciene. Brasil torna-se o segundo maior mercado de produtos pet. [Acesso em: 29/10/20]. Disponível em: 
SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 
7 novas tendências no mercado pet para 2020. [Acesso em: 16/11/20]. Disponível: 
Bolsonaro sanciona lei de proteção a animais e promete corrigir distorção punitiva. [Acesso em: 16/11/20]. Disponível: https://www.conjur.com.br/2020-set-29/bolsonaro-sanciona-lei-protecao-animais-cria-distorcao
Bem-estar animal. In: Sensagent. [Acesso em: 16/11/20]. Disponível: 
PERES, Mario F. P. et al. A importância da integração da espiritualidade e da religiosidade no manejo da dor e dos cuidados paliativos. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 suppl.1 São Paulo 2007. [Acesso em: 16/11/20]. Disponível: 
Animal de estimação. [Acesso em: 16/11/20]. Disponível: https://www.teclasap.com.br/pet/
FERREIRA, Aldo Pacheco. Lucro Terapêutico por Animais Companheiros Emprego na Assistência à Saúde do Idoso. Gerenc. Polit. Salud, Bogotá , v. 11, n. 22, p. 58-66, junho de 2012 . Disponível em: