Animais como Zooterápicos

 Série Ensaios: Bioética Ambiental




Por Clodoaldo Oliveira Freitas (Matemático e Contador, Mestre e Doutor em Administração) e  Maria Irenilda de Sousa Dias (Cooperóloga; Mestre em História, Direitos Humanos, Território e Cultura no Brasil e América Latina; Doutora em Administração: Gestão de cooperativas agropecuárias).




Com o título “Cinoterapia: conheça os benefícios da terapia assistida por cães”, o portal Hospitais Brasil.htm, edição publicada em 22 de junho de 2.021, lança matéria que noticia a tramitação na Câmara dos Deputados de um projeto de Lei que visa “regulamentar a prática da cinoterapia, modalidade de terapia assistida por cães”. A matéria refere-se ao Projeto de Lei Nº 682/21 que propõe a regulamentação de uma prática já há muito utilizada no Brasil, não apenas com cães, mas ainda com outros animais do tipo “pet” no tratamento auxiliar dos transtornos de ansiedade.

Também conhecido como Terapia Assistida por Animais (TAA) o método “utiliza cães e até mesmo outros animais com o objetivo de ofertar um complemento aos tratamentos tradicionais”.

Para a pesquisadora Thais Preisser, pesquisadora da Faculdade Pitágoras, “o contato com o animal estimula as funções motoras, desenvolve a fala, melhora a socialização, aumenta a confiança, autoestima e atenção dos pacientes, principalmente quando se trata de crianças. É uma terapia que veio para somar aspectos positivos para profissionais de diversas áreas como psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais e até mesmo fisioterapeutas”.

À luz da bioética a matéria expõe uma prática que envolve o comportamento humano de experimentação mediante decisão monocrática, que não permite contemplar a opinião de todas as partes afetadas, exceto o interesse dos pesquisadores e a busca de cura por parte dos beneficiários do tratamento terapêutico, ambas as categorias que se constituem como agentes morais na questão, sendo os animais não humanos do caso em destaque os ditos pacientes morais, sobre cuja opinião não incide consulta prévia.

Para Fischer (2018) “a inserção dos atores representantes da natureza como pacientes morais presume que eles não têm poder de decisão sobre ser ou não utilizados como recurso medicinal”.

Na questão em destaque é possível perceber que apenas a partir dos agentes morais, os humanos do caso, vai se estabelecer um “contrato” no qual serão definidas as regras para o tratamento, ainda que a parte ‘usada’ diretamente seja o animal não humano, sobre cuja concordância e condições de utilização (permissão) não se procura saber.

Fischer et al. (2018) destacam que “a promoção da zooterapia justifica-se pela possibilidade de melhorar a qualidade de vida ou até mesmo de possibilitar a superação de um problema que coloca o indivíduo em risco. Contudo, ressalva-se a necessidade de a zooterapia ser fundamentada por princípios éticos comuns às sociedades e à natureza [...]”.

Ressalta-se na questão em destaque, quando do acordo para utilização da terapia e respectivo método, a incidência do princípio ético ‘contratualista’, o qual compreende o estabelecimento de regras previamente definidas, neste caso sendo exercido entre os agentes morais da situação.

Trata-se de uma tomada de decisão onde apenas os agentes morais da questão, no caso o cientista/terapeuta, juntamente com o paciente da terapia, decidem à revelia do animal não humano pelo uso deste último no tratamento. Nessa relação contratual é possível identificar de forma bem tênue a participação ativa do paciente moral, quando do tratamento dispensado e aceito pelo animal não humano por meio dos “mimos” como alimentos especiais e carinhos alocados que condicionam e facilitam a aceitação para realização da prática, ainda que isso ocorra por meio do adestramento prévio.


Ora, o princípio ético contratualista se reporta à incidência de acordos que contemplem a concordância necessária das partes afetas à questão; fato que não se concretiza na zooterapia, uma vez que o animal não humano, cuja capacidade de comunicação não está plenamente estabelecida com os demais sujeitos, tem ficado à margem do processo decisório na questão e, consequentemente, em posição de vulnerabilidade.


Qualquer proposta de intervenção sobre a prática da zooterapia passa pela consideração da bioética como ferramenta de gestão. Assim observamos o que destaca Fischer et al. (2018) quando afirma que “é fundamental o estabelecimento do diálogo entre os atores, a fim de negociar os interesses culturais, econômicos e ambientais e alcançar valores éticos compartilhados e soluções consensuais e justas para todos”.

Enquanto pesquisadores da bioética, empenhados na defesa desta ciência como vital e imprescindível regra de justiça em qualquer campo de atuação, seja nas relações humanas como naquelas que envolvem outras espécies, entendemos ser injusta qualquer relação que envolva tomadas de decisão sem que as partes afetadas possam conjuntamente decidir.

Assim, a nossa opinião a cerca do tema em questão é de que, ainda que o uso de animais em terapias humanas seja considerado imprescindível na recuperação ou melhoria da qualidade de vida dos pacientes em tratamento, é imprescindível que em hipótese nenhuma os procedimentos possam trazer prejuízo de qualquer natureza para os animais assim utilizados.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina Bioética Ambiental, tendo como referência as obras:




1. https://portalhospitaisbrasil.com.br/cinoterapia-conheca-os-beneficios-da-terapia-assistida-por-caes/

2. Fischer, Marta Luciane ET. AL. Uso de animais como zooterápicos: uma questão bioética;


4. https://doi.org/10.1590/S0104-59702018000100013









Brumadinho: uma tragédia anunciada

 

Série Ensaios: Bioética Ambiental



Por Eleonice de Fátima Dal Magro (Contadora), Dayane Hipólito Conceição (Psicóloga), Horácio Pagano (Advogado)



Questões ligadas a alterações climáticas, poluição, desmatamento e degradação ambiental decorrentes da ação humana no ambiente natural ou construído são temas recorrentes nos noticiários e mesmo em publicações nas redes sociais. No Brasil, um em especial teve grande repercussão nacional e internacional, não somente por sua dimensão enquanto desastre ambiental e perda de vidas humanas, que foram muitas, mas também pelas informações veiculadas de que a Vale S.A. tinha conhecimento prévio dos problemas que levariam ao fatídico rompimento e não adotou providências adequadas para evitá-lo.

Foi o ocorrido em Brumadinho, município da região metropolitana de Belo Horizonte (MG), onde, em 25 de janeiro de 2019, a barragem B1 do Complexo do Córrego do Feijão se rompeu, causando não somente uma tragédia ambiental de grandes proporções, mas também resultando na morte de 270 pessoas, além de 9 desaparecidas, de acordo com os dados atualizados do site oficial da Vale, a empresa que, enquanto detentora do direito de extração da mina e, como tal, responsável pela manutenção da mesma em condições de operação segundo critérios técnicos adequados de modo a não oferecer risco à comunidade do entorno, aparentemente negligenciou neste quesito, conforme se constata no RESUMO DO RELATÓRIO CPI Bruma da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2019), onde se encontra um histórico da barragem B1 com pormenores quanto a problemas de estabilidade e necessidade de adoção de providências há longa data, sendo estes de conhecimento de executivos do alto escalão da Vale, segundo o referido relatório (pg. 9). O caso teve repercussão imediata, destacando-se aqui a cobertura dada pelo G1 em notícias como “Barragem da Vale se rompe em Brumadinho – MG” e “Tragedia em Brumadinho é destaque no noticiário internacional” (G1, 2019).



Neste contexto, afere-se que a inadimplência da empresa causou danos a todas as vidas que lá habitavam ao prejudicar todo um ecossistema e suas comunidades vizinhas. Os prejuízos provocados pelo crime ocorrido na cidade de Brumadinho acentuaram ainda mais as vulnerabilidades presentes na sociedade, a pobreza social e a degradação ambiental.

A investigação realizada pela CPI concluiu que a Vale, empresa que controla a mina de que fazia parte a barragem, detectou problemas antes do acidente e ocultou as informações. A Vale não avisou a tempo as autoridades dos riscos iminentes. O parecer diz que, se esse alerta tivesse sido dado, a mina teria passado a ser prioritária na lista de instalações a serem vistoriadas e o acidente teria, muito provavelmente, sido evitado, além do desuso de alarmes que deveriam ter sido acionados para avisar as pessoas do entorno sobre o rompimento, fundamental na evacuação não só das áreas imediatas da mina e suas instalações, mas também para alertar os moradores dos arredores, tendo sido agravante maior contribuinte do elevado número de mortes.

O colapso da barragem, no Estado de Minas Gerais, causou um aluimento que resultou em mais de 270 mortos, havendo ainda pessoas dadas como desaparecidas mais de 2 anos após a tragédia. Depois de uma primeira investigação, a polícia brasileira recomendou que a Vale e a empresa alemã TÜV SÜD sejam acusadas de falsificação de documentos. Depois da tragédia, quatro anos depois de evento similar em Mariana, o Brasil proibiu a construção deste tipo de barragens, barateadas em detrimento da segurança.

O

corrências como a referida acima nos levam a analisar o caso com base nos preceitos do consequencialismo, que faz parte da bioética utilitarista, uma corrente filosófica que busca compreender a consequência das tomadas de decisões na vida das pessoas e no ambiente. Segundo esta corrente, a depender da ação, as respostas interferem na vida dos seres envolvidos a curto e longo prazo. Trazer a discussão do consequencialismo para a ação dos seres humanos frente a degradação ambiental permite uma análise sobre quais resultados, proveitosos ou catastróficos, as ações do “agora” podem produzir no “amanhã” (Rego e cols., 2009). Nesse contexto e com base no caso concreto, indaga-se: quais medidas poderiam ter sido feitas para prevenir a tragédia causada em Brumadinho?

Talvez o que falta em nós, seres humanos, é incorporar como princípio cotidiano a importância de se estar atento a esta relação, tão primária e necessária, do ser com o ambiente e sua natureza, a valorar de maneira minimamente adequada a dinâmica de pertença e conexão que nos nutre quando em comunhão, manifestando-se como parte integrante de uma casa comum. Estar atento a nível consciente não basta, porém; é necessário apropriar-se desta relação, assumir o papel de agente ativo a participar dela e aproveitar deste senso de propósito que advém do pertencer, em busca de concretizar a saída de uma visão de mundo vigente que suplica por sua própria superação, e ao cuidar desta promissora muda, verdadeiro arauto de mudanças, refletir consigo mesmo: como eu me vejo contribuindo com seu desenvolver? Venho contribuindo para sua disseminação de maneira concreta? Como nutri-la e partilhar da promessa de seus frutos vindouros, arrebatando mais contribuintes?


Vê-se muitos discursos que buscam a valorização, incentivo e demanda por maiores cuidados com o meio ambiente, sobretudo devido à crescente dificuldade de ignorar que as degradações utilitaristas dos seres humanos causaram impactos significativos na biosfera e suas consequências se multiplicam, diretamente causadas por pessoas ou não, e que algo precisa ser mudado para que haja perspectiva de que a civilização possa perpetuar-se. Estas discussões são incentivadas e mantidas através de organizações mundiais, como no caso da Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, iniciada em 1992. Em reuniões promovidas pelo órgão são discutidas ações que possam atenuar os impactos sobre as alterações climáticas, como a diminuição de gases de efeito estufa pelo comprometimento das nações em contribuírem através da ratificação de acordos.

O que falta para o gênero humano enquanto civilização possa compreender que sua ação ambiental há de trazer graves consequências à sua permanência no globo, e que de nada adianta uma economia em ilusório crescimento estratificado em vista do sofrimento iminente que atingirá, de maneira desigual e avassalador, os povos terrestres?

No caso de Brumadinho, a obrigação de fazer não foi observada, acarretando a responsabilização da empresa, a qual assumiu as consequências a posteori, mediante ações mitigadoras do dano ambiental e pagamento de indenizações. No entanto, os danos não se resumiram à questão econômica e ambiental posto que muitas vidas foram ceifadas, estas sim sem a possibilidade de volta.


Ensaio para a disciplina de Bioética Ambiental, realizado utilizando-se como referências:



EL PAIS. O Desastre de Brumadinho em imagens. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/25/album/1548444443_434346.html#foto_gal_2

G1. Tragédia em Brumadinho é destaque no noticiário internacional. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/01/26/tragedia-em-brumadinho-e-destaque-no-noticiario-internacional.ghtml

PROCLIMA – Programa Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo – 2021. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/conferencia-das-partes-cop/

REGO, S., PALÁCIOS, M., and SIQUEIRA-BATISTA, R. A bioética e suas teorias. In: Bioética para profissionais da saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009. Temas em Saúde collection, pp. 39-62. ISBN: 978-85-7541-390-6. https://doi.org/10.7476/9788575413906.0003


As heranças da COVID19 para as futuras gerações


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Ensaio sobre os impactos da pandemia COVID19 sobre a poluição e sua relação com o Princípio da Solidariedade.

por Christian Farias Trajano e Alan Figueira
médicos e mestrandos em Bioética



Planeta Terra News, ano 2220.

HERANÇA MALDITA
Dois séculos após a pandemia da COVID19 que assolou o mundo na segunda década do século 21, a sociedade ainda é atormentada pela herança maldita deixada por seus antepassados, despejada nos oceanos e em terra firme.

Será essa a manchete dos jornais no futuro? O título que provocou este ensaio foi publicado no caderno Technology News, do portal FirstPost em 11 de novembro de 2021, e nos lançou a reflexão sobre a relação entre a pandemia e o completo abandono da solidariedade, notadamente quando observamos a irresponsabilidade sobre a destinação dos resíduos sólidos, e os impactos ambientais que serão percebidos pelas próximas gerações.

A pandemia da COVID19 causou aumento agudo no uso de equipamentos de proteção individual como luvas e máscaras descartáveis, aumentando a carga sobre o já problemático sistema de gerenciamento dos resíduos sólidos em todo o mundo. Estima-se que 8,4 milhões de toneladas de lixo plástico adicionais foram geradas em 193 países durante os dois primeiros anos da pandemia, destes, 25.900 toneladas chegaram aos oceanos. Os cientistas responsáveis pelo estudo(1) apontam que em alguns anos, todo este lixo irá parar nas praias e no fundo dos oceanos. O impacto sobre a vida animal é reportado em todo o mundo (Fig.1).
Apesar da antipatia causada pelas imagens, pouco impacto se observou sobre as políticas de gerenciamento do lixo.
O tempo para a decomposição do plástico empregado na fabricação de luvas e máscaras pode chegar a 450 anos. Além do aumento da demanda durante a pandemia, países como os EUA, Canadá, Reino-Unido e Portugal revogaram temporariamente leis que baniam o uso de plásticos descartáveis de uso único. Está formada a tempestade perfeita: consumo indiscriminado patrocinado pelas medidas de contenção a pandemia, produção desentravada e destinação imprudente do lixo.


A sociedade assumiu uma postura de auto-preservação da espécie ou de irresponsabilidade egocêntrica(2) no enfrentamento da pandemia?
Garrafa e Soares(3) consideram a solidariedade a capacidade de apoiar o outro de modo desinteressado, incondicional, sem aguardar a reciprocidade da ação. A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos(4) invoca a solidariedade a toda sociedade, com atenção especial para os vulnerados pelas doenças e as condições ambientais, não se limitando a estas situações de vulnerabilidade. Será tácito afirmar que são vulneráveis aqueles que, por ainda não existir, são incapazes de atuar em sua própria defesa ou em defesa do ambiente que garantirá sua existência.

A solidariedade intergeracional deve traduzir os vínculos solidários entre as gerações presentes e com as futuras(5) garantindo equidade de oportunidades entre as gerações passadas, futuras e a geração presente. Devemos garantir que as gerações que nos sucederão possuam a mesma diversidade de opções quanto aos recursos naturais. Que esses recursos possuam qualidade superior ou minimamente semelhante aos que dispomos atualmente, e que sejam acessíveis no futuro como nos são franqueados nos dias atuais(6).

Em outro contexto, Hans Jonas alertou sobre a crise ambiental que assolaria o planeta, fruto de uma exploração inconsequente dos recursos naturais, e nos convocou a agir de forma a não expor ao perigo as condições de sobrevivência do homem, consolidado no Princípio da Responsabilidade(7). Há de se observar uma ética responsável no trato dos problemas da atualidade, sobreviver hoje ao COVID não pode ser somente o adiamento da extinção da vida.

No futuro, em 2220, seremos os responsáveis pela poluição de praias e oceanos, e de forma dolosa, pois já reunimos conhecimento suficiente que nos permita compreender completamente o problema causado pela poluição.

A “manchete” de 2220 em suas considerações finais irá parafrasear Peter Singer: “Nossos antepassados agiram de forma a permitir a morte de diversas espécies e recursos naturais. Se permitir que alguém morra não é intrinsecamente diferente de matar alguém, fica a impressão de que somos frutos de uma geração de assassinos.”


Como futuros bioeticistas acreditamos que a tomada de decisão no enfrentamento desta ou de outras catástrofes que assolem a humanidade deverá partir de uma abordagem biocêntrica. O respeito ao ecossistema que o homem compartilha com as demais espécies, é primordial para que a preservação da espécie humana na atualidade não declare a extinção de outras espécies no presente, bem como não comprometam a vida no futuro.
A decisão colegiada e transdisciplinar é a forma mais transparente para a abordagem do problema. Não existirá uma resposta acertiva, pois muitos conhecimentos acerca desta pandemia ainda nos carecem. Mas sabemos o suficiente para agir de forma solidária aos nossos contemporâneos e às gerações vindouras.



O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental, do Mestrado em Bioética, do PPGB da PUCPR, em fevereiro de 2022, tendo como base as obras:

1. Peng Y, Wu P, Schartup AT, Zhang Y. Plastic waste release caused by COVID-19 and its fate in the global ocean. Proceedings of the National Academy of Sciences [Internet]. 2021 Nov 23;118–47. Available from: https://doi.org/10.1073/pnas.2111530118

2. Tomasini F. Solidarity in the Time of COVID-19? Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics. 2021 Apr 1;30(2):234–47.

3. Garrafa V, Soares SP. O princípio da solidariedade e cooperação na perspectiva bioética. Vol. 7, Revista-Centro Universitário São Camilo. 2013.

4. UNESCO. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [Internet]. Paris: ONU; Oct 19, 2005 p. 1–13. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_univ_bioetica_dir_hum.pdf

5. ONU. Declaração de Estocolmo [Internet]. Estocolmo: United Nations; Jun 6, 1972. Available from: https://cetesb.sp.gov.br/posgraduacao/wp-content/uploads/sites/33/2016/09/Declara%C3%A7%C3%A3o-de-Estocolmo-5-16-de-junho-de-1972-Declara%C3%A7%C3%A3o-da-Confer%C3%AAncia-da-ONU-no-Ambiente-Humano.pdf

6. Weiss EB. Climate Change, Intergenerational Equity, and International Law. Vermont Journal of Environmental Law [Internet]. 2008;9:615-Olá 627. Available from: http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1625http://ssrn.com/abstract=2734420http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub

7. Battestin C, Ghiggi G. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS: UM PRINCÍPIO ÉTICO PARA OS NOVOS TEMPOS. Thaumazein [Internet]. 2010 Oct;6:69–85. Available from: http://sites.unifra.br/thaumazein

Excesso de tecnologias e Princípio da Responsabilidade

 

Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Renata Cristina Alves da Rocha – psicóloga, mestranda em Bioética pela PUCPR e especializanda em Neuropsicologia pela FAE -  Odirlei Arcangelo Lovo - graduado em contabilidade, mestre em Administração, doutor em Teologia e  Roberto de Paula – graduado em Teologia e em Direito, mestre em Direito Negocial, doutor em Direito.





O artigo “O impacto das tecnologias no meio ambiente”, da Turning Data into Insights (b14al), traz o quanto a evolução tecnológica tem impactado significativamente o meio ambiente. O uso em larga escala da energia elétrica, a produção de lixo eletrônico e a prática extrativa desrespeitosa são algumas das consequências ligadas ao excesso de tecnologias. A tecnologia evolui muito e com ela a necessidade de usar diferentes recursos naturais para suportar tal evolução. A produção de energia elétrica mais que duplicou nos últimos vinte anos. Esse grande aumento exigiu o consumo de combustíveis fósseis, gerando efeitos secundários como o aquecimento global ou o buraco de ozônio e muita poluição. O aumento dos dispositivos eletrônicos, por exemplo, está diretamente relacionado ao aumento do consumo de energia elétrica, a qual é necessária para permitir que esses dispositivos funcionem. Além todos os equipamentos de rede (networking) necessários para manter a “internet” ativa, tais como servidores e routers.

Em contrapartida, a energia eólica, considerada paradigma da geração limpa de eletricidade, está provocando avanço do desmatamento na Amazônia equatoriana. É de lá que vem a balsa, uma madeira muito leve e resistente usada na estrutura das hélices. Como as empresas que fazem a extração legal não dão conta da demanda crescente, cresce o número de balseros clandestinos, que derrubam árvores sem controle. O espólio tem consequências também para o ecossistema das ilhas e para o próprio rio. Os balseros trazem álcool, drogas e prostituição, poluem os lugares de extração com plásticos, latas, maquinário, resíduos de gasolina e óleo, abandonam as lâminas já gastas dos motosserras, comem as tartarugas dos rios e afugentam os papagaios, tucanos e outros pássaros que se alimentam das flores do balso. A quebra dos ecossistemas pelo desmatamento ilegal tem impactos profundos nos equilíbrios da flora e da fauna.

Para a produção dos dispositivos eletrônicos é implicada a extração de diversos recursos no nosso planeta, como por exemplo areia e alguns dos mais raros, como ouro e o coltan. Muitas vezes, são usados no processo químicos, extremamente perigosos e prejudiciais como chumbo e mercúrio. Estes materiais precisam ser extraídos do solo do nosso planeta, nem sempre seguindo as práticas mais ecológicas ou respeitosas do ambiente, especialmente nos países mais pobres que não têm acesso a equipamento de mineração e processamento a preços acessíveis e, mais importante, o conhecimento e consciência para temas relacionados com a proteção ambiental. Nestes ambientes, químicos extremamente perigosos são usados, como o chumbo e o mercúrio, para a extração dos materiais. Estes acabam por serem reclinados no solo sem qualquer tratamento ou preocupação para com o ambiente ou pelas regiões onde as pessoas vivem.

Para a produção dos tão cobiçados smartphones, é utilizado o Coltan, um minério peculiar, não somente por sua raridade, mas também pelo momento em que fora descoberto: no ano 2000. Ano em que as grandes empresas de tecnologia estavam começando a prosperar. Conhecido, também, como “ouro azul”, o coltan faz parte da base da cadeia de comodities da área de alta tecnologia global, o que o torna incrivelmente cobiçado por grandes empresas que visam lucrar a nível mundial. 80% das reservas mundiais desse mineral são encontradas no leste do Congo e sua exploração está ligada à violação dos direitos humanos, à destruição do meio ambiente e ao financiamento dos conflitos existentes na região. Trabalhando por remuneração miserável, os congoleses alimentam o mundo tecnológico e ultramoderno criado pela globalização e pelos aparelhos que carecem desta matéria prima para existirem.


Uma outra consequência do aumento exponencial dos dispositivos eletrônicos, é a produção de lixo eletrônico e seu descarte. Um dos maiores “cemitérios de eletrônicos” do mundo é em Agbogbloshie - um subúrbio de Acra, a capital do Gana - um dos locais mais poluídos do planeta. A cada ano centenas de milhares de toneladas de lixo eletrônico vindos da Europa e da América do Norte encontram neste espaço seu destino. Especialistas alertam, porém, que as toxinas do lixão estão lentamente envenenando os trabalhadores locais, ao mesmo tempo em que poluem o solo e atmosfera. Amostras recolhidas nas redondezas do local de despejo, onde vivem mais de 40 mil pessoas, indicaram níveis de chumbo superiores a 18 partes por milhão – 45 vezes mais que o limite de contaminação estabelecido pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Famílias inteiras, incluindo meninos e meninas, trabalham 12 horas por dia neste aterro, uma ocupação em que ganham, aproximadamente, dois euros por dia, o que dobra o salário-mínimo no país. As Nações Unidas incluíram Agbogbloshie na lista dos lugares mais perigosos do mundo para se viver.


Hans Jonas constrói o princípio da responsabilidade, partindo da denúncia de que a intervenção técnica cumulativa do ser humano provocou “uma vulnerabilidade da natureza jamais pressentida antes que ela se desse a conhecer pelos danos já produzidos” e esse fato certamente amplia a sua responsabilidade, ou seja, o ser humano deve responder pelas intervenções no planeta, pois é sobre a natureza que o ser humano se arroga o poder de intervir. De acordo com Oliveira (2014), Hans Jonas encontra no avanço da técnica moderna novos perigos e ameaças para as quais é necessário um “poder sobre o poder”, ou seja, uma ética capaz de vigiar o poder da técnica e proteger o ser humano e as demais formas de vida de seus riscos.

Somente uma ética pautada na responsabilidade é capaz de frear os abusos verificados em função da bandeira “sem limites” da sociedade atual. A responsabilidade é a essência da Bioética, seara na qual o ideal “sem limites” e a característica de individualismo exacerbado da sociedade contemporânea tentam atingir seu ápice.


O avanço das novas tecnologias trouxe muitos benefícios para o ser humano, no entanto, é necessário nos interrogarmos sobre a nossa responsabilidade com relação ao futuro do planeta. A ética tradicional, ao se fundamentar no “aqui e no agora” do agir humano com ponderações apenas sobre os reflexos imediatos da ação no presente, não consegue dar conta dos riscos e perigos das novas tecnologias e, por isso, precisa de novos contornos que também contemplem o dever com o “outro que ainda não é (futuras gerações) tanto da humanidade como da natureza extrahumana, por extensão”.

Vê-se, então, a necessidade de um novo contrato social que desmistifique a relação entre o homem e a natureza e que supere a mentalidade dominante individualista, evitando, assim, a sua própria destruição (WASEM e GONÇALVES, 2011).

Nós como futuros bioeticistas acreditamos que é urgente o desenvolvimento de uma consciência ambiental, pautada no princípio da responsabilidade, em que o ser humano respeite o meio ambiente e o considere como detentor de direitos que devem ser respeitados para garantir a continuidade da vida.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental, tendo como base as obras:

HUPFFER, Haide Maria e ENGELMANN, Wilson. O princípio responsabilidade de H. Jonas como contraponto ao avanço (ir)responsável das nanotecnologias. Revista Direito e Práxis [online]. 2017, v. 8, n. 4 [Acessado 21 Fevereiro 2022] , pp. 2658-2687. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26193>. Epub Oct-Dec 2017. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26193.

OLIVEIRA, Jelson. Compreender Hans Jonas. Petrópolis: Vozes, 2014.

WASEM, Franciele; GONÇALVES, Natália Ostjen. Bioética Ambiental: pensando uma nova ética para as relações entre o homem e a natureza. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 54, 2011.