Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Renata Cristina Alves da Rocha – psicóloga, mestranda em Bioética pela PUCPR e especializanda em Neuropsicologia pela FAE - Odirlei Arcangelo Lovo - graduado em contabilidade, mestre em Administração, doutor em Teologia e Roberto de Paula – graduado em Teologia e em Direito, mestre em Direito Negocial, doutor em Direito.
O artigo “O impacto das tecnologias no meio ambiente”, da Turning Data into Insights (b14al), traz o quanto a evolução tecnológica tem impactado significativamente o meio ambiente. O uso em larga escala da energia elétrica, a produção de lixo eletrônico e a prática extrativa desrespeitosa são algumas das consequências ligadas ao excesso de tecnologias. A tecnologia evolui muito e com ela a necessidade de usar diferentes recursos naturais para suportar tal evolução. A produção de energia elétrica mais que duplicou nos últimos vinte anos. Esse grande aumento exigiu o consumo de combustíveis fósseis, gerando efeitos secundários como o aquecimento global ou o buraco de ozônio e muita poluição. O aumento dos dispositivos eletrônicos, por exemplo, está diretamente relacionado ao aumento do consumo de energia elétrica, a qual é necessária para permitir que esses dispositivos funcionem. Além todos os equipamentos de rede (networking) necessários para manter a “internet” ativa, tais como servidores e routers.
Em contrapartida, a energia eólica, considerada paradigma da geração limpa de eletricidade, está provocando avanço do desmatamento na Amazônia equatoriana. É de lá que vem a balsa, uma madeira muito leve e resistente usada na estrutura das hélices. Como as empresas que fazem a extração legal não dão conta da demanda crescente, cresce o número de balseros clandestinos, que derrubam árvores sem controle. O espólio tem consequências também para o ecossistema das ilhas e para o próprio rio. Os balseros trazem álcool, drogas e prostituição, poluem os lugares de extração com plásticos, latas, maquinário, resíduos de gasolina e óleo, abandonam as lâminas já gastas dos motosserras, comem as tartarugas dos rios e afugentam os papagaios, tucanos e outros pássaros que se alimentam das flores do balso. A quebra dos ecossistemas pelo desmatamento ilegal tem impactos profundos nos equilíbrios da flora e da fauna.
Para a produção dos dispositivos eletrônicos é implicada a extração de diversos recursos no nosso planeta, como por exemplo areia e alguns dos mais raros, como ouro e o coltan. Muitas vezes, são usados no processo químicos, extremamente perigosos e prejudiciais como chumbo e mercúrio. Estes materiais precisam ser extraídos do solo do nosso planeta, nem sempre seguindo as práticas mais ecológicas ou respeitosas do ambiente, especialmente nos países mais pobres que não têm acesso a equipamento de mineração e processamento a preços acessíveis e, mais importante, o conhecimento e consciência para temas relacionados com a proteção ambiental. Nestes ambientes, químicos extremamente perigosos são usados, como o chumbo e o mercúrio, para a extração dos materiais. Estes acabam por serem reclinados no solo sem qualquer tratamento ou preocupação para com o ambiente ou pelas regiões onde as pessoas vivem.
Para a produção dos tão cobiçados smartphones, é utilizado o Coltan, um minério peculiar, não somente por sua raridade, mas também pelo momento em que fora descoberto: no ano 2000. Ano em que as grandes empresas de tecnologia estavam começando a prosperar. Conhecido, também, como “ouro azul”, o coltan faz parte da base da cadeia de comodities da área de alta tecnologia global, o que o torna incrivelmente cobiçado por grandes empresas que visam lucrar a nível mundial. 80% das reservas mundiais desse mineral são encontradas no leste do Congo e sua exploração está ligada à violação dos direitos humanos, à destruição do meio ambiente e ao financiamento dos conflitos existentes na região. Trabalhando por remuneração miserável, os congoleses alimentam o mundo tecnológico e ultramoderno criado pela globalização e pelos aparelhos que carecem desta matéria prima para existirem.
Uma outra consequência do aumento exponencial dos dispositivos eletrônicos, é a produção de lixo eletrônico e seu descarte. Um dos maiores “cemitérios de eletrônicos” do mundo é em Agbogbloshie - um subúrbio de Acra, a capital do Gana - um dos locais mais poluídos do planeta. A cada ano centenas de milhares de toneladas de lixo eletrônico vindos da Europa e da América do Norte encontram neste espaço seu destino. Especialistas alertam, porém, que as toxinas do lixão estão lentamente envenenando os trabalhadores locais, ao mesmo tempo em que poluem o solo e atmosfera. Amostras recolhidas nas redondezas do local de despejo, onde vivem mais de 40 mil pessoas, indicaram níveis de chumbo superiores a 18 partes por milhão – 45 vezes mais que o limite de contaminação estabelecido pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Famílias inteiras, incluindo meninos e meninas, trabalham 12 horas por dia neste aterro, uma ocupação em que ganham, aproximadamente, dois euros por dia, o que dobra o salário-mínimo no país. As Nações Unidas incluíram Agbogbloshie na lista dos lugares mais perigosos do mundo para se viver.
Hans Jonas constrói o princípio da responsabilidade, partindo da denúncia de que a intervenção técnica cumulativa do ser humano provocou “uma vulnerabilidade da natureza jamais pressentida antes que ela se desse a conhecer pelos danos já produzidos” e esse fato certamente amplia a sua responsabilidade, ou seja, o ser humano deve responder pelas intervenções no planeta, pois é sobre a natureza que o ser humano se arroga o poder de intervir. De acordo com Oliveira (2014), Hans Jonas encontra no avanço da técnica moderna novos perigos e ameaças para as quais é necessário um “poder sobre o poder”, ou seja, uma ética capaz de vigiar o poder da técnica e proteger o ser humano e as demais formas de vida de seus riscos.
Somente uma ética pautada na responsabilidade é capaz de frear os abusos verificados em função da bandeira “sem limites” da sociedade atual. A responsabilidade é a essência da Bioética, seara na qual o ideal “sem limites” e a característica de individualismo exacerbado da sociedade contemporânea tentam atingir seu ápice.
O avanço das novas tecnologias trouxe muitos benefícios para o ser humano, no entanto, é necessário nos interrogarmos sobre a nossa responsabilidade com relação ao futuro do planeta. A ética tradicional, ao se fundamentar no “aqui e no agora” do agir humano com ponderações apenas sobre os reflexos imediatos da ação no presente, não consegue dar conta dos riscos e perigos das novas tecnologias e, por isso, precisa de novos contornos que também contemplem o dever com o “outro que ainda não é (futuras gerações) tanto da humanidade como da natureza extrahumana, por extensão”.
Vê-se, então, a necessidade de um novo contrato social que desmistifique a relação entre o homem e a natureza e que supere a mentalidade dominante individualista, evitando, assim, a sua própria destruição (WASEM e GONÇALVES, 2011).
Nós como futuros bioeticistas acreditamos que é urgente o desenvolvimento de uma consciência ambiental, pautada no princípio da responsabilidade, em que o ser humano respeite o meio ambiente e o considere como detentor de direitos que devem ser respeitados para garantir a continuidade da vida.
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental, tendo como base as obras:
HUPFFER, Haide Maria e ENGELMANN, Wilson. O princípio responsabilidade de H. Jonas como contraponto ao avanço (ir)responsável das nanotecnologias. Revista Direito e Práxis [online]. 2017, v. 8, n. 4 [Acessado 21 Fevereiro 2022] , pp. 2658-2687. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26193>. Epub Oct-Dec 2017. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26193.
OLIVEIRA, Jelson. Compreender Hans Jonas. Petrópolis: Vozes, 2014.
WASEM, Franciele; GONÇALVES, Natália Ostjen. Bioética Ambiental: pensando uma nova ética para as relações entre o homem e a natureza. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 54, 2011.
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