Implicações Éticas No Uso De Animais Como Zooterápicos



Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal


Por Juliana Zacarkin dos Santos e Maria Fernanda Turbay Palodeto
Mestranda e Aluna especial do Curso de Pós-Graduação em Bioética

 “Terapia com picadas de abelha trata casos deartrite e artrose”. Pacientes garantem que a apiterapia, aplicação do ferrão da abelha em determinados pontos do corpo, diminui consideravelmente as dores provocadas pelas doenças mencionadas.

A manutenção biodiversidade garante o equilíbrio e sobrevivência dos seres que habitam o planeta Terra. A sua amplitude abrange toda gama de espécies vivas, as quais estão intimamente vinculadas e interdependentes (NAVES; SÁ, 2013). Obviamente, os seres humanos fazem parte desta biodiversidade e possuem uma conexão inata com os demais seres da Terra cuja relações são estabelecidas por simbolismos. Esses são gerados através das emoções desencadeadas as quais podem variar da atração à aversão, ou da admiração à indiferença, evidenciam ainda mais a correlação entre estas espécies (SANTOS-FITA; COSTA-NETO, 2007). Desde tempos remotos, os homens utilizam os animais para tratamento de sintomas e doenças (MOURA; MARQUES, 2008). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 75 a 80% da população mundial utiliza a medicina popular ou tradicional, atestando sua relevância aos seres vivos e comprovando que esta modalidade da medicina vem sendo amplamente utilizada ao longo dos anos pelas mais variadas culturas e passou a ser foco de pesquisas sob o ponto de vista de diversas abordagens, como etnográficas, médicas, farmacológicas e ecológicas. As pesquisas fundamentadas no conhecimento popular buscam integrar tais conhecimentos ao meio científico, gerando hipóteses testáveis e resultados muitas vezes positivos na obtenção de novas terapias e medicamentos (ALVES; DIAS, 2010; MOURA; MARQUES, 2008).  Embora a obtenção de fármacos através da extração de princípios ativos de vegetais seja mais popular, o uso de animais para fins medicinais, chamada zooterapia, é bastante significativo. Fato evidenciado pela OMS que selecionou 252 fármacos essenciais e constatou que destes, 11,1% têm origem vegetal e 8,7% animal (MOURA; MARQUES, 2008). Vale ressaltar que a zooterapia está diretamente ligada a etnofarmacologia, pois é essencial que haja uma maior compreensão do universo dos recursos naturais e sua relação com os grupos humanos (ALVES; DIAS, 2010). Desta forma, abrem-se possibilidades de descobertas de novas drogas, muitas vezes mais condizentes com a situação socioeconômica, cultural e biológica do paciente e até mesmo mais eficazes, possibilitando a substituição de medicamentos disponibilizados pela indústria farmacêutica (ALVES; DIAS, 2010).
Nas últimas décadas, o setor farmacêutico vem apresentando um considerável crescimento. No Brasil, em 2013, houve uma alta de 16% correspondente ao faturamento e de 12% em relação às unidades vendidas, estimando-se que o país atinja no próximo ano a sexta posição no mercado mundial. Por possuir um resultado econômico-financeiro extremamente rentável ao nível global, a concorrência entre os laboratórios responsáveis por pesquisa e produção de medicamentos vem intensificando-se desde a década de 1990. Nesta mesma época, pela repercussão de efeitos teratogênicos ocasionados pelo medicamento talidomida em 1960, legislações que garantissem o cumprimento das boas práticas de fabricação e a elaboração de testes de eficiência e segurança começaram a ser desenvolvidas e exigidas pela OMS (CAPANEMA; FILHO, 2014).
A intensa procura pelo crescimento financeiro e tecnológico das indústrias, aliados à busca incessante do ser humano pela longevidade, despertou no mercado farmacêutico a ânsia pela descoberta e maior exploração dos recursos naturais. Nesta, inclui-se a utilização de remédios elaborados a partir de partes do corpo animal, de produtos de seu metabolismo ou de materiais construídos por eles – como ninhos e casulos – para tratamento e prevenção de doenças (COSTA-NETO, 2011). Por apresentar resultados positivos visíveis e comprovados, aqueles envolvidos nas pesquisas e produção de zooterápicos, muitas vezes não se atentam às necessidades do animal utilizado. Mesmo preocupando-se em seguir estritamente o que a legislação vigente propõe, a indústria e os pesquisadores deixam de pensar no bem-estar do animal.
Os consumidores são o motivo de todo desenvolvimento de um zooterápico, e, na grande maioria das vezes, não estão preocupados com os meios utilizados para obtenção daquele produto que lhe é tão desejado. Pensando apenas no resultado final e benefícios que irão obter com o uso de determinado fármaco. Os seres humanos, contemporaneamente inseridos em uma sociedade cada dia mais egoísta e materialista, que preza e valoriza resultados rápidos e produtos descartáveis, preferem ignorar as questões que não lhes são interessantes, ou, sob seu ponto de vista, não lhes beneficiam diretamente. Constatou-se que muitos animais utilizados como recursos zooterapêuticos no estado da Bahia encontravam-se listados pelo IBAMA como animais ameaçados e com risco de extinção.
A biodiversidade e os ecossistemas são vulneráveis quando acontece a exploração sem controle de animais para uso terapêutico. Além da ameaça de desequilíbrio ambiental e extinção, há o risco destes animais sofrerem maus-tratos, tanto na coleta, quando no manuseio ou abate.
Em contrapartida, devem-se considerar os diversos benefícios extraídos de animais, que podem salvar ou melhorar consideravelmente a qualidade de vida de um indivíduo. Percebe-se que o uso de animais para obtenção de medicamentos é uma questão bastante vantajosa para aqueles que utilizam esta modalidade de terapia. Seus benefícios terapêuticos e as contribuições positivas ao meio ambiente, a partir da redução de focos de contaminação e poluição gerados por produtos químicos, são alguns dos préstimos dos zooterapêuticos. Por essa razão, o uso da zooterapia não deve ser descartado. Muitas vezes constitui uma forma de tratamento menos tóxico, mais natural e eficaz, além de possuir um custo mais acessível aos consumidores.
Há uma relevante base de dados acerca da fauna brasileira, contudo, poucas pesquisas são direcionadas para validar a eficácia dos remédios extraídos de animais, assim como a relação risco/benefício de seu uso. Desta forma, um ponto de equilíbrio deve ser encontrado entre os interesses culturais, socioeconômicos, tecnológicos e ambientais.
Na década de 70, Van Renssaler Potter através do livro e conceito Bioética Ponte, alerta sobre a necessidade de uma nova disciplina que sirva de ponte entre ciência e humanidades, uma ponte para o futuro que vincule as Ciências Biológicas e a Ética, surge então o termo BIOÉTICA, com o intuito de ser uma nova ética para dar respostas à deterioração das relações homem versus natureza. No primeiro momento a Bioética foi mais focada na Bioética Clínica, utilizada mais nas reflexões autonomia do paciente. Para chamar a atenção para sua ideia original, Potter voltou a publicar, enfatizando a Bioética Global que surgiu a partir da ideia da “Ponte” e sugere uma aproximação da ética médica e da ética ambiental. (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2007) Para a Bioética Ambiental todos os seres vivos são interdependentes; a natureza é finita; e se faz necessária uma convivência pacífica do Homem com o natural, salientando o respeito à natureza como uma missão política, ética e jurídica (ALICIARDI, 2009)
Portanto, nós como futuras Bioeticistas, acreditamos que deve-se considerar todos argumentos citados, independentemente dos atores envolvidos, com o intuito de avaliar as implicações éticas existentes no uso de animais como zooterápicos. Desta forma, entendendo e relacionando tais implicações com as razões de determinados grupos sociais a fazerem ou não o uso de recursos zooterapêuticos, além de analisar os benefícios e/ou danos, tanto à saúde humana quanto ambiental que tais medicamentos podem acarretar, acreditamos que este tema necessita de um embasamento Bioético, uma reflexão para que se encontre um equilíbrio, minimizando ou eliminando qualquer risco de prejuízos ao ecossistema com a utilização de animais como zooterápicos.






O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética e bem-estar animal, se baseando nas obras:
ALICIARDI, María Belén. ¿ Existe una eco-bioética o bioética ambiental?; DOES AN ECO-BIOETHICS OR ENVIRONMENTAL BIOETHICS EXIST?; EXISTE UMA ECO-BIOÉTICA OU BIOÉTICA AMBIENTAL?. Rev. latinoam. bioét, v. 9, n. 1, p. 8-27, 2009.
ALVES, R. R. N.; DIAS, T. L. P. Usos de invertebrados na medicina popular no Brasil e suas implicações para conservação. Mongabay.com Open Access Journal – Tropical Conservation Science, v. 3, n. 2, p. 159-174, 2010.
CAPANEMA, L. X. de L.; FILHO, P. L. P. Indústria Farmacêutica Brasileira: Reflexões sobre sua Estrutura e Potencial de Investimentos. Disponível em < http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/liv_perspectivas/06.pdf >. Acesso em: 20 de novembro de 2014.
COSTA-NETO, E. M. A zooterapia popular no Estado da Bahia: registro de novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 1, 2011.
MOURA, F. B. P; MARQUES, J. G. W. Zooterapia popular na Chapada Diamantina: uma medicina incidental? Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 2, p. 2179-2188, 2008.
NAVES, B. T. de O.; SÁ, M. de F. F. de. Por uma bioética da biodiversidade. Revista de Bioética y Derecho, n. 27, p. 58-68, 2013.
PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C. P.. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2007b
SANTOS-FITA, D.; COSTA-NETO, E. M. As interações entre os seres humanos e os animais: a contribuição da etnozoologia. Revista Biotemas, 20 (4), p. 99-110, 2007.


 [MF1]Fazer um resumo da matéria

Gatos e os tempos modernos



Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por Esther Dias da Costa e Graziela Ribeiro da Cunha

Alunas da disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná

 

No início do ano de 2014 no site da revista Veja foi veiculada a matéria Gato: o animal ideal do século XXI”. Diante de alguns temas abordados pelo biólogo britânico John Bradshaw, pesquisador da área de comportamento animal, vamos brevemente explorar aqui pontos que podem influenciar a atitude do guardião diante do comportamento do seu gato.
Até ser um candidato a “animal ideal do século XXI” o gato passou por momentos bons e ruins na história. A presença dos gatos foi bastante comum e apreciada no Egito, em residências e entre os faraós, chegando até a representar divindades, mas também extremamente rejeitada na idade média, quando foram reconhecidos como demônios e companhias traiçoeiras de bruxas e videntes, e foram vítimas de rituais simbólicos cruéis. Tempos mais tardes passaram a ter uma utilidade prática, quando contribuiu no controle de roedores transmissores da peste bubônica. Atualmente, depois de passar por inúmeras situações em que a sua presença foi questionada ou apreciada, o gato ainda não está livre de crenças ligadas a religiões ou diferentes práticas culturais, que influenciam em seu convívio com o homem.

"Gatos intrigam a humanidade desde que passaram a viver entre nós. A chave para compreendê-los está na ciência" John Bradshaw - A ciência muito evoluiu nos últimos anos. Existem evidências de que os gatos, mas não só os gatos, minimamente todos os vertebrados, são seres sencientes, capazes de experimentar sensações de dor, medo, angustia, felicidade e outras emoções. E o que queremos chamar a atenção é que, diante dessa capacidade dos gatos, no contexto em que vivemos atualmente, poucas informações com relação ao comportamento, hábitos e necessidades básicas da espécie são repassadas às pessoas interessadas em ter um gato como animal de estimação. Então, para atender as necessidades daquele que pode ser daqui a alguns anos no Brasil o animal ideal, precisamos explorar essas informações.

“Cada vez mais numerosos como bichos de estimação, os gatos permanecem essencialmente selvagens.” John Bradshaw - A progressiva urbanização distancia cada vez mais os gatos de seu ambiente natural. Eles têm sido criados de diversas maneiras, variando desde completamente confinados em um espaço restrito até animais com livre acesso às ruas. Recentemente foi publicado um estudo que evidencia alterações nos genes ligados a comportamentos essenciais para o convívio com os humanos e que os diferencia dos gatos selvagens. Ainda que haja diferenças, os gatos continuam com necessidades de expressar comportamentos comuns a todos eles, como o de caça, por exemplo. É importante, mesmo que convivendo em ambientes isolados e completamente domésticos, que exista o desafio para que os gatos exerçam seu comportamento natural.  

"Os gatos são mais bem ajustados à vida moderna do que os cães. Eles não precisam ser levados para passear, podem ser deixados sozinhos por longos períodos e precisam de menos espaço" John Bradshaw - Nesse contexto, algumas questões devem ser levadas em consideração pensando no bem-estar do animal. Apesar de os gatos serem mais independentes e exigirem menos cuidados, quando comparados com cães, é importante observar as suas necessidades sem comparações. Existem problemas comportamentais relacionadas ao confinamento dos animais nas residências. Gatos sem acesso à rua mostram ter mais problemas comportamentais quando comparados aos gatos que tem acesso a rua. Eles podem apresentar problemas como agressividade com seus tutores e também outros gatos, micção e defecação em locais indesejados. O enriquecimento ambiental pode ser uma alternativa para esse problema. Ainda é importante salientar que comportamentos pertencentes ao repertório normal do gato, quando mostrado em um ambiente doméstico, podem tornar-se um problema por desconhecimento de seus tutores.

"Eles despertam em nosso cérebro um instinto de cuidado. Os traços mais óbvios que provocam esse fenômeno são o rosto redondo, a testa larga e os grandes olhos, que nos recordam um bebê humano" John Bradshaw - Existem inúmeras implicações que passam pelo comportamento dos gatos e chegam até a saúde animal, pública e também ambiental. Mas a responsabilidade ética em lidar com essas questões é do Homem, e é importante salientar que, ainda que nos desperte desejos de cuidados humanos, estamos convivendo com um animal, com necessidades de um animal e extremamente sensível ao que acontece ao seu redor.

Nesse sentido, acreditamos que a veiculação de informações técnicas mais precisas a respeito do comportamento da espécie felina e fatores relacionados pode auxiliar os tutores a tomarem decisões que mais se adequem à sua realidade, a respeito da maneira de criação e manutenção de seus animais. Dessa forma, estarão mais conscientes dos riscos e consequências de cada uma delas, podendo tomar as medidas necessárias para preveni-los.






O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná baseado nos seguintes artigos:

MACHADO, J. C., PAIXÃO, R. L..  A representação do gato doméstico em diferentes contextos socioculturais e as conexões com a ética animal. Interthesis, Vol. 11, n1, p. 231-235, 2014.
TOUKHSATI, S. R.; BENNETT, P. C.; COLEMAN, G. J. Behaviors and Attitudes towards Semi-Owned Cats. Anthrozoös, Vol. 20, issue 2, p. 131-142, 2007.
FINKLER, H., TERKE, J. The contribution of cat owners’ attitudes and behaviours to the free-roaming cat overpopulation in Tel Aviv, Israel. Preventive Veterinary Medicine, Vol. 104, p. 125-135, 2012.
OLIVEIRA, A. P F. Comportamento social de machos e fêmeas castrados do gato doméstico (Felis catus L.) em confinamento. [Dissertação]. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, 2002.
AMAT, M., DE LA TORRE, J. L. R., FATJO, J., MARIOTTI, V. M., WIJK, S. V., MANTECA, X. Potential risk factors associated with feline behaviour problems. Applied Animal Behaviour Science, Vol.121, p. 134–139, 2009.