Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal
Por Esther Dias da Costa e Graziela Ribeiro da Cunha
Alunas da disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná e mestrandas do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná
No
início do ano de 2014 no site da revista Veja foi veiculada a matéria “Gato:
o animal ideal do século XXI”. Diante de alguns temas
abordados pelo biólogo britânico John
Bradshaw, pesquisador da área de comportamento animal, vamos brevemente
explorar aqui pontos que podem influenciar a atitude do guardião diante do
comportamento do seu gato.
Até ser um candidato a “animal ideal do século XXI” o gato
passou por momentos bons e ruins na história. A presença dos gatos foi bastante
comum e apreciada no Egito, em residências e entre os faraós, chegando até a
representar divindades,
mas também extremamente rejeitada
na idade média, quando foram reconhecidos como demônios e companhias
traiçoeiras de bruxas e videntes, e foram vítimas de rituais simbólicos cruéis.
Tempos mais tardes passaram a ter uma utilidade prática, quando contribuiu no controle
de roedores transmissores da peste bubônica. Atualmente, depois de passar
por inúmeras situações em que a sua presença foi questionada ou apreciada, o
gato ainda não está livre de crenças ligadas a religiões ou diferentes práticas
culturais, que influenciam em seu convívio com o homem.
"Gatos
intrigam a humanidade desde que passaram a viver entre nós. A chave para
compreendê-los está na ciência" John Bradshaw - A ciência muito evoluiu nos últimos anos. Existem evidências
de que os gatos, mas não só os gatos, minimamente todos os vertebrados, são
seres sencientes,
capazes de experimentar sensações de dor, medo, angustia, felicidade e outras
emoções. E o que queremos chamar a atenção é que, diante dessa capacidade dos
gatos, no contexto em que vivemos atualmente, poucas informações com relação ao
comportamento, hábitos e necessidades básicas da espécie são repassadas às
pessoas interessadas em ter um gato como animal de estimação. Então, para
atender as necessidades daquele que pode ser daqui a alguns anos no Brasil o
animal ideal, precisamos explorar essas informações.
“Cada
vez mais numerosos como bichos de estimação, os gatos permanecem essencialmente
selvagens.” John Bradshaw - A progressiva urbanização distancia cada
vez mais os gatos de seu ambiente natural. Eles têm sido criados de diversas
maneiras, variando desde completamente
confinados em um espaço restrito até animais com livre
acesso às ruas. Recentemente foi publicado um estudo
que evidencia alterações nos genes ligados a comportamentos essenciais para o
convívio com os humanos e que os diferencia dos gatos selvagens. Ainda que haja
diferenças, os gatos continuam com necessidades de expressar comportamentos
comuns a todos eles, como o de caça, por exemplo. É importante, mesmo que
convivendo em ambientes isolados e completamente domésticos, que exista o
desafio para que os gatos exerçam seu comportamento natural.
"Os
gatos são mais bem ajustados à vida moderna do que os cães. Eles não precisam
ser levados para passear, podem ser deixados sozinhos por longos períodos e
precisam de menos espaço" John Bradshaw - Nesse contexto, algumas questões devem ser
levadas em consideração pensando no bem-estar
do animal. Apesar de os gatos serem mais independentes e exigirem menos
cuidados, quando comparados com cães, é importante observar as suas
necessidades sem comparações. Existem problemas comportamentais relacionadas ao
confinamento dos animais nas residências. Gatos sem acesso à rua mostram
ter mais problemas comportamentais quando comparados aos gatos que tem
acesso a rua. Eles podem apresentar problemas como agressividade com seus tutores e também
outros gatos, micção e defecação em locais indesejados. O enriquecimento
ambiental pode ser uma alternativa para esse problema. Ainda é importante
salientar que comportamentos pertencentes ao repertório normal do gato, quando
mostrado em um ambiente doméstico, podem tornar-se um problema por desconhecimento
de seus tutores.
"Eles
despertam em nosso cérebro um instinto de cuidado. Os traços mais óbvios que
provocam esse fenômeno são o rosto redondo, a testa larga e os grandes olhos,
que nos recordam um bebê humano" John Bradshaw - Existem inúmeras implicações que passam
pelo comportamento dos gatos e chegam até a saúde animal, pública e também
ambiental. Mas a responsabilidade ética em lidar com essas questões é do Homem,
e é importante salientar que, ainda que nos desperte desejos de cuidados
humanos, estamos convivendo com um animal, com necessidades de um animal e
extremamente sensível ao que acontece ao seu redor.
Nesse sentido, acreditamos
que a veiculação de informações técnicas mais precisas a respeito do
comportamento da espécie felina e fatores relacionados pode auxiliar os tutores
a tomarem decisões que mais se adequem à sua realidade, a respeito da maneira
de criação e manutenção de seus animais. Dessa forma, estarão mais conscientes
dos riscos e consequências de cada uma delas, podendo tomar as medidas
necessárias para preveni-los.
O presente ensaio foi elaborado para
disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná baseado nos seguintes artigos:
MACHADO, J. C., PAIXÃO, R. L.. A
representação do gato doméstico em diferentes contextos socioculturais e as
conexões com a ética animal. Interthesis, Vol. 11, n1, p. 231-235, 2014.
TOUKHSATI, S. R.; BENNETT, P. C.; COLEMAN, G. J. Behaviors
and Attitudes towards Semi-Owned Cats. Anthrozoös, Vol. 20, issue 2, p. 131-142,
2007.
FINKLER, H., TERKE, J. The contribution of cat owners’
attitudes and behaviours to the free-roaming cat overpopulation in Tel Aviv,
Israel. Preventive Veterinary Medicine, Vol. 104, p. 125-135, 2012.
OLIVEIRA,
A. P F. Comportamento social de machos e fêmeas castrados do gato doméstico (Felis
catus L.) em confinamento. [Dissertação]. Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, 2002.
AMAT, M., DE
LA TORRE, J. L. R., FATJO, J., MARIOTTI, V. M., WIJK, S. V., MANTECA, X.
Potential risk factors associated with feline behaviour problems. Applied
Animal Behaviour Science, Vol.121, p. 134–139, 2009.
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