quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Gatos e os tempos modernos



Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por Esther Dias da Costa e Graziela Ribeiro da Cunha

Alunas da disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná

 

No início do ano de 2014 no site da revista Veja foi veiculada a matéria Gato: o animal ideal do século XXI”. Diante de alguns temas abordados pelo biólogo britânico John Bradshaw, pesquisador da área de comportamento animal, vamos brevemente explorar aqui pontos que podem influenciar a atitude do guardião diante do comportamento do seu gato.
Até ser um candidato a “animal ideal do século XXI” o gato passou por momentos bons e ruins na história. A presença dos gatos foi bastante comum e apreciada no Egito, em residências e entre os faraós, chegando até a representar divindades, mas também extremamente rejeitada na idade média, quando foram reconhecidos como demônios e companhias traiçoeiras de bruxas e videntes, e foram vítimas de rituais simbólicos cruéis. Tempos mais tardes passaram a ter uma utilidade prática, quando contribuiu no controle de roedores transmissores da peste bubônica. Atualmente, depois de passar por inúmeras situações em que a sua presença foi questionada ou apreciada, o gato ainda não está livre de crenças ligadas a religiões ou diferentes práticas culturais, que influenciam em seu convívio com o homem.

"Gatos intrigam a humanidade desde que passaram a viver entre nós. A chave para compreendê-los está na ciência" John Bradshaw - A ciência muito evoluiu nos últimos anos. Existem evidências de que os gatos, mas não só os gatos, minimamente todos os vertebrados, são seres sencientes, capazes de experimentar sensações de dor, medo, angustia, felicidade e outras emoções. E o que queremos chamar a atenção é que, diante dessa capacidade dos gatos, no contexto em que vivemos atualmente, poucas informações com relação ao comportamento, hábitos e necessidades básicas da espécie são repassadas às pessoas interessadas em ter um gato como animal de estimação. Então, para atender as necessidades daquele que pode ser daqui a alguns anos no Brasil o animal ideal, precisamos explorar essas informações.

“Cada vez mais numerosos como bichos de estimação, os gatos permanecem essencialmente selvagens.” John Bradshaw - A progressiva urbanização distancia cada vez mais os gatos de seu ambiente natural. Eles têm sido criados de diversas maneiras, variando desde completamente confinados em um espaço restrito até animais com livre acesso às ruas. Recentemente foi publicado um estudo que evidencia alterações nos genes ligados a comportamentos essenciais para o convívio com os humanos e que os diferencia dos gatos selvagens. Ainda que haja diferenças, os gatos continuam com necessidades de expressar comportamentos comuns a todos eles, como o de caça, por exemplo. É importante, mesmo que convivendo em ambientes isolados e completamente domésticos, que exista o desafio para que os gatos exerçam seu comportamento natural.  

"Os gatos são mais bem ajustados à vida moderna do que os cães. Eles não precisam ser levados para passear, podem ser deixados sozinhos por longos períodos e precisam de menos espaço" John Bradshaw - Nesse contexto, algumas questões devem ser levadas em consideração pensando no bem-estar do animal. Apesar de os gatos serem mais independentes e exigirem menos cuidados, quando comparados com cães, é importante observar as suas necessidades sem comparações. Existem problemas comportamentais relacionadas ao confinamento dos animais nas residências. Gatos sem acesso à rua mostram ter mais problemas comportamentais quando comparados aos gatos que tem acesso a rua. Eles podem apresentar problemas como agressividade com seus tutores e também outros gatos, micção e defecação em locais indesejados. O enriquecimento ambiental pode ser uma alternativa para esse problema. Ainda é importante salientar que comportamentos pertencentes ao repertório normal do gato, quando mostrado em um ambiente doméstico, podem tornar-se um problema por desconhecimento de seus tutores.

"Eles despertam em nosso cérebro um instinto de cuidado. Os traços mais óbvios que provocam esse fenômeno são o rosto redondo, a testa larga e os grandes olhos, que nos recordam um bebê humano" John Bradshaw - Existem inúmeras implicações que passam pelo comportamento dos gatos e chegam até a saúde animal, pública e também ambiental. Mas a responsabilidade ética em lidar com essas questões é do Homem, e é importante salientar que, ainda que nos desperte desejos de cuidados humanos, estamos convivendo com um animal, com necessidades de um animal e extremamente sensível ao que acontece ao seu redor.

Nesse sentido, acreditamos que a veiculação de informações técnicas mais precisas a respeito do comportamento da espécie felina e fatores relacionados pode auxiliar os tutores a tomarem decisões que mais se adequem à sua realidade, a respeito da maneira de criação e manutenção de seus animais. Dessa forma, estarão mais conscientes dos riscos e consequências de cada uma delas, podendo tomar as medidas necessárias para preveni-los.






O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética e Bem-estar Animal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná baseado nos seguintes artigos:

MACHADO, J. C., PAIXÃO, R. L..  A representação do gato doméstico em diferentes contextos socioculturais e as conexões com a ética animal. Interthesis, Vol. 11, n1, p. 231-235, 2014.
TOUKHSATI, S. R.; BENNETT, P. C.; COLEMAN, G. J. Behaviors and Attitudes towards Semi-Owned Cats. Anthrozoös, Vol. 20, issue 2, p. 131-142, 2007.
FINKLER, H., TERKE, J. The contribution of cat owners’ attitudes and behaviours to the free-roaming cat overpopulation in Tel Aviv, Israel. Preventive Veterinary Medicine, Vol. 104, p. 125-135, 2012.
OLIVEIRA, A. P F. Comportamento social de machos e fêmeas castrados do gato doméstico (Felis catus L.) em confinamento. [Dissertação]. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, 2002.
AMAT, M., DE LA TORRE, J. L. R., FATJO, J., MARIOTTI, V. M., WIJK, S. V., MANTECA, X. Potential risk factors associated with feline behaviour problems. Applied Animal Behaviour Science, Vol.121, p. 134–139, 2009.

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