CURITIBA, BELA CIDADE, PARA QUEM?



....Se deres comida aos pobres, serás punido!!!

Mário Antonio Sanches 
Professor titular da PUCPR 
Julia Mezarobba Caetano Ferreira -
Mestrado em Bioética com pesquisa com a PS



Em pesquisa realizada com a população em situação de rua (PSR), observamos que sua reivindicação mais forte é o reconhecimento de sua existência e dos direitos essenciais, inerentes a todos. Sabe-se, pela dinâmica dos conflitos humanos, que só se reivindica o que está sendo negado, e só se enfatiza o que está sendo esquecido. Entendemos que a vulnerabilidade intrínseca à vida nas ruas não é uma liberdade fundamental, mas sim uma negação e violação de direitos. Reconhecemos que as pessoas ficam em situação de rua não por uma escolha pessoal, mas em função de condições econômicas e sociais, que as levam a um contexto de vulnerabilidade. Logo, não se pode falar em um direito reivindicado. Compreendemos que se alguém opta por “ser pobre”, está implícita a possibilidade de optar por “não ser pobre”, o que gera apatia social, na medida em que trata-se de uma escolha. O clamor daqueles em situação de rua aponta para o direito a existir e ter sua dignidade reconhecida. E isso implica em ocupar o espaço público e ter seus direitos protegidos, o que percebemos, com frequência, não ocorrer. Os agentes públicos, frente à condição de vulnerabilidade daqueles que habitam as ruas, os forçam a uma condição de ‘sem cidade’. Isso revela o espaço urbano – e a nossa Bela Curitiba faz questão de ser exemplo – como digno de ser usufruído por apenas uma parcela da sociedade. Assim, a cidade se apresenta com uma capacidade incrível de engenharia e definição de territórios, com o propósito de manter longe os considerados indesejáveis. É curioso observar que muitas vezes se confunde ‘ser civilizado’ com ‘ser urbanizado’. Assim o habitante da cidade, se define em relação aos outros, revela sua arrogância, sua presunção, sua suposta superioridade. A urbs, entendida como espaço bem definido, cercado, protegido, se opõe à rus, ao campo, à lavoura. Os termos denunciam projetos de dominação e de segregação: o espaço urbano está atrelado à cidadania e é oposto ao rústico, ao grotesco, ao rural. Nada lustra melhor o ego de alguém do que ser reconhecido como cidadão bem posicionado na cidade, civilizado e habitante de parte central do espaço urbano. Embora hoje não se construam muralhas para blindar a cidade, encaminham-se projetos de lei, com o claro propósito segregador de definir quem pode ocupar o espaço urbano. É triste que a “cidade de todos” se revele, na verdade, como a “cidade daqueles próximos do poder”. Quem estiver em condição de vulnerabilidade corre o risco de ouvir dos agentes públicos: “Curitiba não tem pobre. Se você é pobre, você não tem o direito a ter Curitiba”. Entendemos que a postura dos gestores da cidade é clara e cruel. Às vésperas da Páscoa, articula-se um projeto de lei contrário aos ensinamentos bíblicos: “Não dê comida aos pobres”. Pode-se argumentar que não foi isto que se quis dizer, sem dúvida foi um pouco pior: “Se deres comida aos pobres, serás punido!”