Microcefalia e compaixão: salvar ou abreviar sofrimento?


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Thierry Betazzi Lummertz
Biólogo e aluno ouvinte PPGB




Após 1990, a Bioética tomou força principalmente pela necessidade de uma discussão sobre as políticas públicas voltadas para suprir a deficiência social e econômica da população menos favorecida.
A falta de interesse do poder público em investir recursos para a saúde, saneamento e educação às populações carentes, somado ao desinteresse da indústria farmacêutica em desenvolver pesquisas para o controle de epidemias, que atingem países periféricos, acarretaram as doenças denominadas de negligenciadas. Dessa maneira, algumas doenças, que já deviriam estar controladas, aumentaram a taxa de mortalidade ocasionando grande impacto social e econômico. Atualmente, houve um aumento dos casos de Zika doença que já estava sob controle, mas que no Brasil registrou cerca de 91.387 casos prováveis da doença em 2016 (Governo do Brasil,).
   
         A Zika é uma infecção viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, com surtos registrados na África, nas Américas, na Ásia e no Pacífico. Há também um pequeno número de casos conhecidos por transmissão sexual e transfusão de sangue, bem como um aumento de transmissão de mãe para feto por meio da placenta. Os sintomas geralmente são leves, no entanto, houve registros de complicações neurológicas e autoimunes da doença. Recentemente, as autoridades nacionais de saúde observaram um aumento de 20 vezes/ano de bebês nascidos com microcefalia no Nordeste do Brasil e de um aumento nas infecções por Zika no público em geral. Não há tratamento ou vacina disponível, sendo a forma mais conhecida de prevenção o controle ao mosquito que além do Zika é causador da Dengue e da Chikungunya.
            Com esse aumento de incidência de casos de Zika, surgiu no Nordeste brasileiro um cenário nunca visto anteriormente preocupando pesquisadores, governantes e a população. A taxa de microcefalia em recém-nascidos passou a ser vinculada ao Zika vírus afetando o bem-estar das mães e de seus bebês. A microcefalia prejudica a autonomia da criança, o que afeta sua convivência em sociedade, além de abalar a estrutura familiar, fazendo com que surgisse questionamentos éticos a respeito da inserção dos atores atingidos na sociedade. Dentro desses questionamentos, o princípio que norteia o caso é o da compaixão, que tem algo de singular: a compaixão não exige nenhuma reflexão prévia, nem argumento que a fundamente.
Para o filósofo Leonardo Boff, a compaixão implica assumir a paixão do outro, é se colocar no lugar do próximo em momentos de vulnerabilidade, jamais permitindo que sofra sozinho. Talvez esse princípio seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como também nos permite se solidarizar incondicionalmente com a dor do próximo. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e a cultural das pessoas, afinal a compaixão anula essas diferenças e faz estender as mãos às vitimas. Diante da desgraça do outro não há como ser indiferente ou egoísta para a profunda compreensão e consequente comunhão com o sofrimento do outro, assim como os samaritanos compassivos da parábola bíblica. Na compaixão se dá o encontro de todas as religiões, do Oriente e do Ocidente, de todas as éticas, de todas as filosofias e de todas as culturas. No centro está a dignidade e a autoridade dos que sofrem, provocando em nós a compaixão ativa.
O Filósofo Schopenhauer, que introduziu na filosofia ocidental os elementos do budismo, considera a compaixão e a bondade como virtudes fundamentais nas relações humanas, enquanto a tradição ocidental não considera a compaixão uma virtude. Para o autor, o mundo é vontade e representação, que se estende a toda a natureza, e nos demonstra todos os dias que essa vontade irracional e cega move todos os seres vivos. Essa força também é egoísta e centrada na subsistência, afinal o egoísmo separa os homens e a compaixão, por sua vez, aproxima-os.
Nem sempre o princípio da compaixão é utilizado em sua forma central, afinal o egoísmo tende a prevalecer quando se envolve poder, dinheiro e interesse individual, mesmo que por lei todo cidadão devesse ter o direito à saúde e ao tratamento para viver em condições dignas. Infelizmente, no Brasil as políticas públicas não integram as necessidades da população de forma igualitária, sendo notório um abismo social entre as classes. Com a grande incidência de casos de microcefalia e malformações, que ocasionam inúmeras internações em UTIs e intervenções cirúrgicas, tem se discutido o esforço terapêutico em manter em tratamento pacientes que possuem pouquíssimas chances de recuperação, por gerarem altos custos de medicação e equipamentos, que, por sua vez, poderiam ser usados por pacientes com mais probabilidade de sobrevivência.
Por essa razão, o protocolo de Groningen regulariza a redução dos investimentos em recém-nascidos com baixa qualidade de vida, sendo proposto dois procedimentos: a eutanásia, que é a morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre ou quando outro decide pela morte do paciente; e a ortotanásia, que é a morte pelo processo natural. Nesse caso, o doente já está em processo natural de morte e recebe uma contribuição médica para que esse estado siga seu curso normal. No Brasil  foi decidido o aborto para as gestantes com risco de morte devido a má-formação do feto.
Por outro lado, a solução solicitada pelas mães afetadas pelo Zika e pela microcefalia seria o tratamento urgente para minimizar os sintomas, devendo ser de responsabilidade do Estado e do governo, e garantir assim melhoria na qualidade de vida dessas famílias. Além disso, diversas pesquisas estão sendo desenvolvidas por meio dos relatos diários das mães afetas que contribuem para o avanço do diagnóstico da microcefalia.
Como uma forma de se solidarizarem e de buscar informações e apoio, essas mães criaram uma ONG, na qual compartilham a missão de aprender com esses serem que vieram de alguma forma para ensiná-las o amor e a compaixão por meio da maternidade. Afinal, o que é compaixão? Lutar por algo que não tem cura ou abreviar o sofrimento do indivíduo?
Eu como Biólogo e aspirante a Bioeticista acredito que a melhor solução para o caso das crianças com microcefalia seria o apoio governamental auxiliando as mães que tiveram suas crianças afetadas pela doença, disponibilizando tratamento adequado, para que assim elas tenham uma melhor qualidade de vida assim como as mães que necessitam de apoio para o cuidado com seus filhos, afinal é obrigação do governo auxiliar, informar e apoiar a população afetada, principalmente, por epidemias ou guerras. 

O presente ensaio foi desenvolvido para a disciplina de Bioética Ambiental do PPGB baseando-se nas seguintes obras:

ANDRADE, B.L.A.; ROCHA, D.G. Doenças negligenciadas e bioética: diálogo de um velho problema com uma nova área do conhecimento. Revista Bioética, 23 (1): 105-113, 2015.
 BOFF, L. O princípio compaixão e cuidado. Ed. Vozes, 2009.
CHANES, I.R; MONSORES, N. Uma reflexão bioética e sanitária sobre efeitos colaterais da epidemia de Zika vírus: revisão integrativa sobre a eutanásia/ortotanásia nos casos de anomalias fetais. Cad. Ibero-Amer. Dr. Sanit, Brasília, 5(2): 56-72, 2016.
NOGUEIRA, R.J. A Ética da compaixão na filosofia de Schopenhauer. Disponível em: <www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/etica.../Renato_Nogueira.pdf> Acessado em 20/12/2017.
PINHEIRO, D.A.J.P.; LONGHI, M.R. Maternidade como missão. A trajetória militante de uma mãe de bebê com microcefalia em PE. Cadernos de Gênero e Diversidade. V.3, (2): 1-21, 2017.


Aristóteles e os diferentes desperdícios na experimentação animal: a virtude pode ser anti-especista?


Série Ensaios: Bioética Ambiental

 

Por Higor Esturião

Biomédico e Mestrando do PPGB

 

Em novembro de 2010, a Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) veiculou que cerca de 100 milhões de animais morrem no mundo anualmente para fins de experimentação científica. A dúvida que se instala é: não deveríamos debater mais seriamente sobre a questão, para além dos simplismos?

 

          Podemos afirmar categoricamente que os sentimentos de insatisfação social em relação à prática de experimentação animal vêm crescendo nas últimas décadas (TRÉZ, 2015). Grupos de ativistas organizados contrários à pesquisa com animais - os quais se articulam para produção e distribuição de material didático e educativo, material audiovisual, sites e afins – se multiplicam, ao passo que a sociedade civil como um todo, ou seja, a grande parcela da população que não se encontra no meio ativista, também vem contestando os paradigmas que sustentam a atividade científica que usa o animal como um modelo preditivo. Ademais, áreas como a filosofia, antropologia e etologia, contribuem com críticas direcionadas ao tradicionalismo especista – que aloca os animais não-humanos em espaços inferiores –, permitindo um debate mais aprofundado e elaborando a ideia de que animais são sujeitos morais/de direito e que seus interesses devem ser levados em conta. Internacionalmente, no âmbito jurídico, são aprovadas novas leis que versam sobre a experimentação animal. Aqui, porém, vale uma ressalva:  É certo que estas leis não diminuem necessariamente o sofrimento das assim chamadas ‘’cobaias’’ - já que não impedem o uso dos animais nos procedimentos, isto é, não retiram o seu status de propriedade, mas sim, regulamentam e legitimam práticas vivissectórias -, mas é também certo que elas refletem uma noção generalista: atualmente os centros de pesquisa não podem realizar qualquer experimento, aos moldes do cientista cartesiano do século XVII e, por isto, alguma norma ou diretriz (por mais não fiscalizada que seja) deve existir.

          Contudo, apesar dos esparsos avanços – que se inserem sobretudo no campo das ideias e menos no impedimento da dor real experienciada pelos seres vivos sencientes dos laboratórios -, o número de animais utilizados na pesquisa aumentou nas últimas décadas. No ano de 2017, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos publicou um relatório onde apresenta um aumento de 7% no número de animais usados em experimentos naquele país. Mais especificamente no Brasil, somente na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o número de animais usados cresceu de cerca de 15.000 para mais de 50.000, no período entre 1993 e 1999 (TRÉZ, 2000). Ainda sobre números, Fagundes e Taha (2004) apontam que cerca de 85% dos artigos da Medline e 70% dos artigos da Lilacs se referem a ratos e a camundongos, enquanto que Ionannidis (2012) revela que, na pesquisa biomédica (aqui são incluídas as pesquisas clínicas e as que utilizam outros métodos que não envolvem animais), 25% dos artigos fazem referência ao termo ‘’animal’’ em seus resumos. Estima-se que cerca de 115 milhões de animais são mortos anualmente, numa escala planetária (número bem próximo do veiculado pela ANDA, com o qual iniciamos este texto); segundo Taylor (2008), porém, esses números são subestimados, visto que muitos países não coletam e divulgam os dados e estatísticas envolvendo a experimentação.

No Brasil, ainda não existem números precisos num nível nacional, mas Vera Baumans (2004) aponta que aproximadamente 60% dos animais usados em atividades científicas são roedores, seguidos de hamsters, porquinhos da índia e coelhos, e cerca de 11% de outras espécies incluindo anfíbios, aves, cães, primatas e outros. No mundo, ainda de acordo com a mesma autora, 80% são roedores. Ainda mundialmente, as áreas onde estes animais são mais utilizados são no desenvolvimento de novas drogas (23%), produção de vacinas (21%), pesquisa contra o câncer (12%) e estudos toxicológicos (9%), com apenas 1% para fins de ensino. Com essa quantidade tão absurda quanto abstrata de animais usados anualmente, pode-se pensar que a quantidade de benefícios proporcionados aos seres humanos é proporcional. Contudo, a realidade aponta justamente o contrário: boa parte dos fármacos produzidos que possuem efeitos positivos em sua fase pré-clínica (isto é, quando testados em animais), são rejeitados quando chegam em fases posteriores onde o teste é realizado em seres humanos (fase clínica). Cerca de 90% dos medicamentos promissores são descartados quando chegam na fase clínica, e em torno de metade das drogas é retirada das prateleiras cerca de 5 anos após sua implementação no mercado por apresentarem efeitos colaterais não esperados (TRÉZ, 2015). E os gastos envolvidos nesse aparato científico? Algo em torno de U$ 14 bilhões, segundo Hartung (2009). Outra consideração: a questionabilidade da experimentação animal não deve ser tratada unicamente em termos utilitários para os seres humanos, ou seja, se as pesquisas revertem em ganhos no âmbito da saúde (isto considerando apenas os experimentos voltados para saúde e negligenciando explicitamente os usos dos animais para a produção de cosméticos) ou não é uma questão secundária. A primazia aqui é no âmbito da ética: se possuímos ou não o direito de infligir dor e sofrimento a milhares de animais, ainda que contra seus interesses.

          Frente a estes espantosos números, poderíamos nos perguntar: a experimentação animal constitui um desperdício? Não só de recursos financeiros e de tempo - pois os testes precisam obrigatoriamente passar pelos animais antes dos humanos -, mas também de vidas e de possíveis novos modos não-especistas de fazer ciência. E como poderíamos estar supostamente avançando no que tange os direitos animais enquanto, ao mesmo tempo, os matamos cada vez mais para fins científicos? Uma esquizofrenia moral, como certeiramente apontou Francione (2015). Além desse grande impasse ético que é o uso de seres vivos sencientes contra seus próprios interesses em favor dos nossos, Thales Tréz aponta que a experimentação animal também constitui um problema de ordem científica, visto os inúmeros problemas advindos de uma prática que aceita o animal como um modelo preditivo eficaz (TRÉZ, 2015). Este breve texto, porém, não possui a finalidade de refletir sobre os conceitos de predição de modelos, mas sim, levantar o debate sobre os diferentes desdobramentos do desperdício na pesquisa com animais e sua relação com o princípio da virtude de Aristóteles.

          Aristóteles se preocupou muito com a política e ética e, em torno destes temas, elaborou um conceito fundamental: a virtude. Para o filósofo, a virtude é uma prática para o agir corretamente, com ‘’prudência’’ e ‘’sensatez’’. Além disto, a virtude não é uma essência ou um dado da natureza, mas sim, algo criado e exercitado através do hábito; não nasce com o indivíduo, mas é desenvolvido por ele e pela sociedade em que habita (ARISTÓTELES, 1985). A virtude aristotélica se divide em intelectual e ética (ou moral), sendo a primeira definida como virtude produzida pela educação, com vistas a busca do ‘’conhecimento verdadeiro’’ e a segunda, caracterizada pelo hábito que nos torna capaz de praticar atos justos (BERTI, 1998). Nesse sentido, a virtude tem estreita relação com a educação e com o hábito ou costume. É aqui o ponto onde o princípio construído por Aristóteles esbarra com os desperdícios gerados como subprodutos na vivissecção de animais: afinal, como conciliar ‘’virtuosidade’’ e ‘’sensatez’’ com a prática que que subjuga e explora os animais para fins completamente alheios as suas próprias vidas e com os gastos em experimentos que não são – de longe – necessários para a saúde humana? A virtude aristotélica é deixada de lado quando, por exemplo, as universidades e os comitês de ética no uso de animais, as CEUAs – que são suspostamente responsáveis e que, pelo menos nas aparências burocráticas, deveriam proteger os interesses dos animais – não estimulam o debate sobre os direitos animais entre os pesquisadores e os alunos, já que o princípio de Aristóteles contém um forte componente educacional. Ora, como formar profissionais preocupados com os interesses dos animais se não existe um encorajamento à discussão por parte dos orientadores, das CEUAs e da própria universidade? Como formar alunos eticamente embasados se não existem bons modelos? Ademais, é questionável afirmar como ‘’virtuosa’’ a prática de matar milhões de animais todos os anos – independentemente de quão nobre o fim possa ser. Seja para o desenvolvimento de um novo cosmético não essencial para a saúde humana – mas sim para a manutenção do mercado e para circulação de capital -, seja para suspostamente desenvolver uma droga eficaz contra o câncer – e devemos sempre nos perguntar o quão válido é o modelo animal para a fabricação de novos medicamentos -, matar um ser vivo senciente contra sua própria vontade, para assim satisfazer nossas necessidades é, no mínimo, discutível.

          Isso sem contar com os questionamentos que deslegitimam a própria experimentação animal, no sentido abolicionista, indo ao contrário dos movimentos que afirmam a situação que está dada, isto é, que realizam críticas as práticas vivisseccionistas, mas com o pressuposto que as mesmas irão continuar. A virtuosidade de Aristóteles, neste caso, fomenta fissuras no status-quo-especista que legitima e enseja o (ab)uso de animais para os mais diversos fins - fins estes sempre cobertos com envoltórios da ‘’necessidade’’ – ou se limita a engrenar os mesmos discursos de que é essencial para a atividade científica o uso de ‘’cobaias’’? A sensatez e a prudência aristotélicas apontam para novas possibilidades do fazer científico, ou acabam resvalando para as mesmas práticas que enjaulam os animais com toques de humanitarismo? As dúvidas soam como uma quase-aporia, mas, para além do beco sem saída, é necessário questionar profundamente os modos de operação da ciência, carregados de antropocentrismo, para abrir linhas de fuga que apontem novas atividades e novos fazeres que sejam realmente éticos, e por que não virtuosos? Se realmente quisermos injetar uma dose de virtuosidade na ciência (uma virtuosidade anti-especista), é imprescindível uma superação – ou ao menos, mais modestamente, pequenos vislumbres da superação - dos atuais paradigmas, os quais sempre categorizam o animal como um objeto útil para obtenção de resultados e carreiras. Pois virtuosidade é incompatível com a atividade que mata milhões de animais anualmente; mesmo que esta morte – errônea e eufemisticamente denominada de ‘’eutanásia’’ – seja ‘’humanitária’’. Como é humanitário, e virtuoso, enjaular, infligir dor e matar um ser que sofre contra sua vontade? Eu, como biomédico e futuro bioeticista acredito ser mais provável que a virtuosidade anti-especista esteja localizada, na verdade, num terreno próximo a ideia radical (e mais sensata) de que os seres, antes de serem cobaias, são animais.

 

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de bioética ambiental do Programa de Pós-Graduação em Bioética (PPGB), tendo como base as obras:

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.
BAUMANS, V. Use of animals in experimental research: an ethical dilemma? Gene Therapy (11), 2004.
BERTI, E. As Razões de Aristóteles. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 1998.
FAGUNDES, D. J.; TAHA, M. O modelo animal de doença: critérios de escolha e espécies de animais de uso corrente. Acta Cirúrgica Brasileira 19 (1) 2004.
FRANCIONE, G. Introdução aos direitos animais: seu filho ou o cachorro? Campinas: Editora Unicamp, 2015.
HARTUNG, T. Toxicology for the twenty-first century. Nature 460, 2009.
OANNIDIS, J. P. A. Materializing research promise: opportunities, priorities and conflicts in translational medicine. Journal of Translational Medicine 2(1), 2004.
TAYLOR, K.; GORDON, N.; LANGLEY, G.; HIGGINS, W. Estimates for Worldwide Laboratory Animal Use in 2005. ATLA 36, 2008.
TRÉZ, T. Experimentação animal: um obstáculo ao avanço científico. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2015.
TRÉZ, T. O uso de animais vertebrados como recurso didático na Universidade Federal de Santa Catarina: panoramas, alternativas e a educação Ética. Monografia de Graduação em Ciências Biológicas – USFC, 2000.

Organismos geneticamente modificados e o Princípio da Comunicação: uma Análise da atual situação das normas de Rotulagem de alimentos Transgênicos


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Bruno Henrique Do Rosario Xavier

Filósofo e Mestrando do PPGB





Em consulta pública online no site do Senado Federal, o PLC º34, de 2015 do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP) sofreu 94,55% de rejeição em um universo de 16043 votantes. Mesmo com a recusa da população, o projeto de lei se encontra na câmara alta, sendo já aprovado na câmara dos deputados. Essa a modificação diz respeito à rotulagem dos produtos geneticamente modificados, que deixariam de apresentar o símbolo “T”, indicando que o alimento advém de transgenia. Mas por que esse projeto de lei da câmara teria um grau de recusa por parte da sociedade? A entrevista da socióloga Marijane Lisboa é particularmente esclarecedora:







Quando falamos de organismos geneticamente modificados (OGMs) estamos nos referindo àqueles organismos alterados que possuem um ou mais genes oriundos de um ser vivo da mesma espécie. Portanto, trata-se de uma singular forma de interação do ser humano com o mundo natural, isto é, uma interação que o permite dar aos organismos uma nova configuração não prevista no seu estado selvagem. OGMs e Transgênicos podem ser tomados como sinônimos, mas há uma diferença semântica entre ambos os termos: enquanto os organismos geneticamente modificados de uma determinada espécie recebe genes dessa mesma variação, os transgênicos estão voltados a alterações envolvendo material genético de outras categorias de seres vivos, estabelecendo uma permutação de características interespécie.

Muito se discute acerca dos produtos geneticamente modificados como fonte nutritiva humana, isto é, se são benéficos ou não à saúde, ou se causam algum impacto no meio ambiente. A polêmica do uso dos OGMs modificados na alimentação envolve o direito do consumidor em ser informado se está comprando um alimento transgênico ou convencional. Ora, uma vez que ainda há alguma resistência da comunidade em ingerir produtos advindos da transgenia, cabe à parte mais interessada, isto é, o próprio utilizador, a decisão de se prover de OGMs ou sua alternativa orgânica, se munindo para isso das informações contidas no rótulo.

Por esse motivo as informações do produto contidas no rótulo é de suma importância para quem o adquire, como bem notou o sociólogo Bordenave, o ato de se comunicar é um resultado da expressão do relacionamento entre seres humanos que possui, dentre outras funções, a de apresentar uma informação que seja nova e de prescrever normas quando elas se fazem necessárias. Portanto, no nosso contexto, o princípio da comunicação se expressa no diálogo do meio industrial com a sociedade no que concerne ao tipo de alimento que a primeira está disponibilizando no mercado.

No entanto, quando as empresas distribuidoras de transgênicos falham ao informar a coletividade sobre o que produziram, cabe ao Estado mediar tal interlocução. Por esse motivo, em 2003 o governo federal decretou (nº 4.680/2003) a obrigatoriedade da inserção de um símbolo específico nos rótulos dos produtos advindos de tecnologias transgênicas com pelo menos 1% ou mais de transgenia em sua matéria primordial, sendo o aviso, um triangulo amarelo com a letra garrafal “T” na cor preta, inserido em um local que fizesse contraste de tonalidade com o símbolo, o que o tornaria, portanto, facilmente visível a quem se dispusesse a procurá-lo.

O problema que enfrentamos nos dias em que vivemos reside no fato de que o princípio da comunicação se encontra fortemente ameaçado pela possível alteração do art. 40 da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 através do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 34, de 2015 do deputado federal Luis Carlos Heinze (neste momento em tramitação no Senado). Nesse contexto, onde na atual Lei de Biossegurança é lido (art.40): “Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento” passará, caso o PLC seja aprovado, a ser lido:

 

“Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com presença superior a 1% (um por cento) de sua composição final, detectada em análise específica, conforme regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento” (grifo nosso).



Como mostrou o boletim legislativo de Beltrão, na prática, mesmo que o produto seja fabricado utilizando OGMs, ele pode ser ocultado como tal, pois as técnicas mais comuns de detecção, como a PCR, não são capazes de quantificar o DNA de produtos ultraprocesados, o que ocorre no caso do óleo de soja e da margarina. Isso equivaleria a dizer que a identificação do produto geneticamente modificado na rotulação não aconteceria a partir da sua matéria prima, mas de seu estado final, o qual poderia ou não acusar a presença de transgenia no alimento, dependendo da intensidade de processamento que o mesmo sofreria. Mas por que essa alteração? Em entrevista à rádio Guaíba, autor do PLC disse entender que a atual regulamentação da rotulagem dos OGMs prejudica a visão que a sociedade tem do produto, dando a entender que alimento teria uma menor qualidade em relação ao equivalente orgânico, ocasionando em uma relação de medo com o transgênico por parte dos consumidores. .

Porém, justiça seja feita, e, como bem lembrou Beltrão, o deputado Luis Carlos Heinze não objetiva retirar com total crueza a informação sobre os produtos geneticamente modificados, ele diz respeito somente ao símbolo “T” grafado nos rótulos, mas não a total remoção da informação sobre a presença de OGMs no produto. Se lermos o § 1º do PLC veremos que “deve constar nos rótulos dos alimentos [..] grafada, em destaque, de forma legível, utilizando-se uma das seguintes expressões, conforme o caso, ‘(nome do produto) transgênico’ ou ‘contém (nome do ingrediente) transgênico(grifo nosso). Isso, é claro, levando em consideração a já mencionada alteração que estipula que a mensagem deva surgir caso apareça o 1% de transgênico no produto final.

Além disso, lembramos que o projeto de lei da câmara está em dissonância com o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso III), o qual afirma categoricamente a necessidade da: “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem(grifo nosso). Ora, se voltarmos nossos olhos ao caráter de incerteza que os OGMs carregam em si, portanto, a dimensão dos riscos, veremos que a falta de informação sobre a natureza biotecnológica do produto nada mais que é que o apagamento sobre os perigos que o mesmo ostenta, estando, portanto, o PLC fadado à inconstitucionalidade.

Na condição de futuro bioeticista e filósofo, acredito que não haja grandes motivos para a recusa do aviso “T” na rotulagem de produtos transgênicos, uma vez que a sociedade é informada sobre os riscos e simplesmente optam por utilizar ou não esse serviço. Maior teor de injustificativa ainda apresenta a alteração no que concerne à presença do OGM no estado final do produto, na medida em que essa atitude sim visa ocultar a presença de transgenia no alimento, ferindo assim a escolha do consumidor. Ora, como bem notou o filósofo alemão Hans Jonas, mediante situações em que a humanidade, como um todo, se encontra ameaçada, precisamos optar pelo mecanismo chamado heurística do temor como uma espécie de antecipação das consequências desastrosas da técnica moderna. Vale lembrar aqui que o grande experimento dos alimentos transgênicos acontece em tempo real, tendo o próprio ser humano como cobaia. Portanto, a informação nos rótulos é a única ferramenta que dispomos para encarar a problemática dos alimentos alterados geneticamente dando ênfase na liberdade do indivíduo consumir o que lhe aprouver.



O presente ensaio foi desenvolvido para disciplina de bioética ambiental do PPGB baseando-se nas seguintes obras:



ALVES, G. S. A biotecnologia dos trangénicos. HOLOS, v. 2, p. 1–10, 2004.

BELTRÃO, L. Rotulagem de produtos transgênicos: o “t” da questão – Considerações sobre o PLC No 34, DE 2015. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, v. 59, p. 1–22, 2017.

BORDENAVE, J. O que é comunicação. Brasiliense, 1997.

BRASIL. LEI No 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, 1990.

BRASIL. DECRETO N 5.591, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2005. Este Decreto regulamenta dispositivos que estabelece normas de segurança, 2005.

BRASIL. PLC 34o, de 2015. Altera a Lei no 11.105, de 24 de março de 2005. de 2005., 2015.

GRAZZIOTIN, V. Da COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, sobre o Projeto de Lei da Câmara no 34, de 2015. 2017.

LAWSON-FERREIRA, R. et al. Organismos Geneticamente Modificados em alimentos: desafios metodológicos em função dos avanços tecnológicos e da rotulagem. Vigilância Sanitária em Debate, v. 3, n. 3, p. 25–33, 2014.