sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Organismos geneticamente modificados e o Princípio da Comunicação: uma Análise da atual situação das normas de Rotulagem de alimentos Transgênicos


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Bruno Henrique Do Rosario Xavier

Filósofo e Mestrando do PPGB





Em consulta pública online no site do Senado Federal, o PLC º34, de 2015 do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP) sofreu 94,55% de rejeição em um universo de 16043 votantes. Mesmo com a recusa da população, o projeto de lei se encontra na câmara alta, sendo já aprovado na câmara dos deputados. Essa a modificação diz respeito à rotulagem dos produtos geneticamente modificados, que deixariam de apresentar o símbolo “T”, indicando que o alimento advém de transgenia. Mas por que esse projeto de lei da câmara teria um grau de recusa por parte da sociedade? A entrevista da socióloga Marijane Lisboa é particularmente esclarecedora:







Quando falamos de organismos geneticamente modificados (OGMs) estamos nos referindo àqueles organismos alterados que possuem um ou mais genes oriundos de um ser vivo da mesma espécie. Portanto, trata-se de uma singular forma de interação do ser humano com o mundo natural, isto é, uma interação que o permite dar aos organismos uma nova configuração não prevista no seu estado selvagem. OGMs e Transgênicos podem ser tomados como sinônimos, mas há uma diferença semântica entre ambos os termos: enquanto os organismos geneticamente modificados de uma determinada espécie recebe genes dessa mesma variação, os transgênicos estão voltados a alterações envolvendo material genético de outras categorias de seres vivos, estabelecendo uma permutação de características interespécie.

Muito se discute acerca dos produtos geneticamente modificados como fonte nutritiva humana, isto é, se são benéficos ou não à saúde, ou se causam algum impacto no meio ambiente. A polêmica do uso dos OGMs modificados na alimentação envolve o direito do consumidor em ser informado se está comprando um alimento transgênico ou convencional. Ora, uma vez que ainda há alguma resistência da comunidade em ingerir produtos advindos da transgenia, cabe à parte mais interessada, isto é, o próprio utilizador, a decisão de se prover de OGMs ou sua alternativa orgânica, se munindo para isso das informações contidas no rótulo.

Por esse motivo as informações do produto contidas no rótulo é de suma importância para quem o adquire, como bem notou o sociólogo Bordenave, o ato de se comunicar é um resultado da expressão do relacionamento entre seres humanos que possui, dentre outras funções, a de apresentar uma informação que seja nova e de prescrever normas quando elas se fazem necessárias. Portanto, no nosso contexto, o princípio da comunicação se expressa no diálogo do meio industrial com a sociedade no que concerne ao tipo de alimento que a primeira está disponibilizando no mercado.

No entanto, quando as empresas distribuidoras de transgênicos falham ao informar a coletividade sobre o que produziram, cabe ao Estado mediar tal interlocução. Por esse motivo, em 2003 o governo federal decretou (nº 4.680/2003) a obrigatoriedade da inserção de um símbolo específico nos rótulos dos produtos advindos de tecnologias transgênicas com pelo menos 1% ou mais de transgenia em sua matéria primordial, sendo o aviso, um triangulo amarelo com a letra garrafal “T” na cor preta, inserido em um local que fizesse contraste de tonalidade com o símbolo, o que o tornaria, portanto, facilmente visível a quem se dispusesse a procurá-lo.

O problema que enfrentamos nos dias em que vivemos reside no fato de que o princípio da comunicação se encontra fortemente ameaçado pela possível alteração do art. 40 da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 através do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 34, de 2015 do deputado federal Luis Carlos Heinze (neste momento em tramitação no Senado). Nesse contexto, onde na atual Lei de Biossegurança é lido (art.40): “Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento” passará, caso o PLC seja aprovado, a ser lido:

 

“Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com presença superior a 1% (um por cento) de sua composição final, detectada em análise específica, conforme regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento” (grifo nosso).



Como mostrou o boletim legislativo de Beltrão, na prática, mesmo que o produto seja fabricado utilizando OGMs, ele pode ser ocultado como tal, pois as técnicas mais comuns de detecção, como a PCR, não são capazes de quantificar o DNA de produtos ultraprocesados, o que ocorre no caso do óleo de soja e da margarina. Isso equivaleria a dizer que a identificação do produto geneticamente modificado na rotulação não aconteceria a partir da sua matéria prima, mas de seu estado final, o qual poderia ou não acusar a presença de transgenia no alimento, dependendo da intensidade de processamento que o mesmo sofreria. Mas por que essa alteração? Em entrevista à rádio Guaíba, autor do PLC disse entender que a atual regulamentação da rotulagem dos OGMs prejudica a visão que a sociedade tem do produto, dando a entender que alimento teria uma menor qualidade em relação ao equivalente orgânico, ocasionando em uma relação de medo com o transgênico por parte dos consumidores. .

Porém, justiça seja feita, e, como bem lembrou Beltrão, o deputado Luis Carlos Heinze não objetiva retirar com total crueza a informação sobre os produtos geneticamente modificados, ele diz respeito somente ao símbolo “T” grafado nos rótulos, mas não a total remoção da informação sobre a presença de OGMs no produto. Se lermos o § 1º do PLC veremos que “deve constar nos rótulos dos alimentos [..] grafada, em destaque, de forma legível, utilizando-se uma das seguintes expressões, conforme o caso, ‘(nome do produto) transgênico’ ou ‘contém (nome do ingrediente) transgênico(grifo nosso). Isso, é claro, levando em consideração a já mencionada alteração que estipula que a mensagem deva surgir caso apareça o 1% de transgênico no produto final.

Além disso, lembramos que o projeto de lei da câmara está em dissonância com o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso III), o qual afirma categoricamente a necessidade da: “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem(grifo nosso). Ora, se voltarmos nossos olhos ao caráter de incerteza que os OGMs carregam em si, portanto, a dimensão dos riscos, veremos que a falta de informação sobre a natureza biotecnológica do produto nada mais que é que o apagamento sobre os perigos que o mesmo ostenta, estando, portanto, o PLC fadado à inconstitucionalidade.

Na condição de futuro bioeticista e filósofo, acredito que não haja grandes motivos para a recusa do aviso “T” na rotulagem de produtos transgênicos, uma vez que a sociedade é informada sobre os riscos e simplesmente optam por utilizar ou não esse serviço. Maior teor de injustificativa ainda apresenta a alteração no que concerne à presença do OGM no estado final do produto, na medida em que essa atitude sim visa ocultar a presença de transgenia no alimento, ferindo assim a escolha do consumidor. Ora, como bem notou o filósofo alemão Hans Jonas, mediante situações em que a humanidade, como um todo, se encontra ameaçada, precisamos optar pelo mecanismo chamado heurística do temor como uma espécie de antecipação das consequências desastrosas da técnica moderna. Vale lembrar aqui que o grande experimento dos alimentos transgênicos acontece em tempo real, tendo o próprio ser humano como cobaia. Portanto, a informação nos rótulos é a única ferramenta que dispomos para encarar a problemática dos alimentos alterados geneticamente dando ênfase na liberdade do indivíduo consumir o que lhe aprouver.



O presente ensaio foi desenvolvido para disciplina de bioética ambiental do PPGB baseando-se nas seguintes obras:



ALVES, G. S. A biotecnologia dos trangénicos. HOLOS, v. 2, p. 1–10, 2004.

BELTRÃO, L. Rotulagem de produtos transgênicos: o “t” da questão – Considerações sobre o PLC No 34, DE 2015. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, v. 59, p. 1–22, 2017.

BORDENAVE, J. O que é comunicação. Brasiliense, 1997.

BRASIL. LEI No 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, 1990.

BRASIL. DECRETO N 5.591, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2005. Este Decreto regulamenta dispositivos que estabelece normas de segurança, 2005.

BRASIL. PLC 34o, de 2015. Altera a Lei no 11.105, de 24 de março de 2005. de 2005., 2015.

GRAZZIOTIN, V. Da COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, sobre o Projeto de Lei da Câmara no 34, de 2015. 2017.

LAWSON-FERREIRA, R. et al. Organismos Geneticamente Modificados em alimentos: desafios metodológicos em função dos avanços tecnológicos e da rotulagem. Vigilância Sanitária em Debate, v. 3, n. 3, p. 25–33, 2014.

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