Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Bruno Henrique Do Rosario Xavier
Por Bruno Henrique Do Rosario Xavier
Filósofo e Mestrando do PPGB
Em consulta pública online no site do Senado Federal, o PLC º34, de 2015
do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP) sofreu 94,55% de rejeição em um
universo de 16043 votantes. Mesmo com a recusa da população, o projeto de lei
se encontra na câmara alta, sendo já aprovado na câmara dos deputados. Essa a
modificação diz respeito à rotulagem dos produtos geneticamente modificados,
que deixariam de apresentar o símbolo “T”, indicando que o alimento advém de
transgenia. Mas por que esse projeto de lei da câmara teria um grau de recusa
por parte da sociedade? A entrevista da
socióloga Marijane Lisboa é particularmente esclarecedora:
Quando falamos de organismos
geneticamente modificados (OGMs)
estamos nos referindo àqueles organismos alterados que possuem um ou mais genes
oriundos de um ser vivo da mesma espécie. Portanto, trata-se de uma singular
forma de interação do ser humano com o mundo natural, isto é, uma interação que
o permite dar aos organismos uma nova configuração não prevista no seu estado
selvagem. OGMs e Transgênicos
podem ser tomados como sinônimos, mas há uma diferença semântica entre ambos os
termos: enquanto os organismos geneticamente modificados de uma determinada
espécie recebe genes dessa mesma variação, os transgênicos estão voltados a
alterações envolvendo material genético de outras categorias de seres vivos,
estabelecendo uma permutação de características interespécie.
Muito se discute acerca dos produtos
geneticamente modificados como fonte nutritiva humana, isto é, se são
benéficos ou não à saúde, ou se causam algum impacto no meio ambiente. A
polêmica do uso dos OGMs modificados na alimentação envolve o direito do consumidor em
ser informado se está comprando um alimento transgênico ou convencional. Ora,
uma vez que ainda há alguma resistência da comunidade em ingerir produtos
advindos da transgenia, cabe à parte mais interessada, isto é, o próprio
utilizador, a decisão de se prover de OGMs ou sua alternativa orgânica, se
munindo para isso das informações contidas no rótulo.
Por esse motivo as informações do
produto contidas no rótulo
é de suma importância para quem o adquire, como
bem notou o sociólogo Bordenave, o ato de se comunicar é um resultado da
expressão do relacionamento entre seres humanos que possui, dentre outras
funções, a de apresentar uma informação que seja nova e de prescrever normas
quando elas se fazem necessárias. Portanto, no nosso contexto, o princípio da
comunicação se expressa no diálogo do meio
industrial com a sociedade no que concerne ao tipo de alimento que a primeira
está disponibilizando no mercado.
No entanto, quando as empresas
distribuidoras de transgênicos falham ao informar a coletividade sobre o que
produziram, cabe ao Estado mediar tal interlocução. Por esse motivo, em 2003 o
governo federal decretou (nº
4.680/2003) a obrigatoriedade da inserção de um símbolo específico nos
rótulos dos produtos advindos de tecnologias transgênicas com pelo menos 1% ou
mais de transgenia em sua matéria primordial, sendo o aviso, um triangulo
amarelo com a letra garrafal “T” na cor preta, inserido em um local que fizesse
contraste de tonalidade com o símbolo, o que o tornaria, portanto, facilmente
visível a quem se dispusesse a procurá-lo.
O problema que enfrentamos nos
dias em que vivemos reside no fato de que o princípio da comunicação se
encontra fortemente ameaçado pela possível alteração do art.
40 da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 através do Projeto
de Lei da Câmara (PLC) n° 34, de 2015 do deputado federal Luis Carlos
Heinze (neste momento em tramitação no Senado). Nesse contexto, onde na atual Lei
de Biossegurança é lido (art.40): “Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo
humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados
deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento” passará,
caso o PLC seja aprovado, a ser lido:
“Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares
destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo
final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com
presença superior a 1% (um por cento) de
sua composição final, detectada em análise específica, conforme
regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento”
(grifo nosso).
Como mostrou o
boletim legislativo de Beltrão, na prática, mesmo que o produto seja
fabricado utilizando OGMs, ele pode ser ocultado como tal, pois as técnicas
mais comuns de detecção, como a PCR, não são capazes de
quantificar o DNA de produtos ultraprocesados, o que ocorre no caso do óleo de
soja e da margarina. Isso equivaleria a dizer que a identificação do produto
geneticamente modificado na rotulação não aconteceria a partir da sua matéria
prima, mas de seu estado final, o qual poderia ou não acusar a presença de
transgenia no alimento, dependendo da intensidade de processamento que o mesmo
sofreria. Mas por que essa alteração? Em
entrevista à rádio Guaíba, autor do PLC disse entender que a atual
regulamentação da rotulagem dos OGMs prejudica a visão que a sociedade tem do
produto, dando a entender que alimento teria uma menor qualidade em relação ao
equivalente orgânico,
ocasionando em uma relação de medo
com o transgênico por parte dos consumidores. .
Porém, justiça seja feita, e,
como bem lembrou Beltrão,
o deputado Luis Carlos Heinze não objetiva retirar com total crueza a
informação sobre os produtos geneticamente modificados, ele diz respeito
somente ao símbolo “T” grafado nos rótulos, mas não a total remoção da
informação sobre a presença de OGMs no produto. Se lermos o §
1º do PLC veremos que “deve constar nos rótulos dos alimentos [..] grafada,
em destaque, de forma legível, utilizando-se
uma das seguintes expressões, conforme o caso, ‘(nome do produto) transgênico’
ou ‘contém (nome do ingrediente) transgênico’ (grifo nosso). Isso, é claro, levando em
consideração a já mencionada alteração que estipula que a mensagem deva surgir
caso apareça o 1% de transgênico no produto
final.
Além disso, lembramos que o projeto
de lei da câmara está em dissonância com o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso III), o qual afirma categoricamente
a necessidade da: “informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem” (grifo nosso). Ora, se voltarmos nossos olhos ao caráter
de incerteza que os OGMs carregam em si, portanto, a dimensão dos riscos,
veremos que a falta de informação sobre a natureza biotecnológica do produto
nada mais que é que o apagamento sobre os perigos
que o mesmo ostenta, estando, portanto, o PLC fadado à
inconstitucionalidade.
Na condição de futuro bioeticista
e filósofo, acredito que não haja grandes motivos para a recusa do aviso “T” na
rotulagem de produtos transgênicos, uma vez que a sociedade é informada sobre
os riscos e simplesmente optam por utilizar ou não esse serviço. Maior teor de
injustificativa ainda apresenta a alteração no que concerne à presença do OGM
no estado final do produto, na medida em que essa atitude sim visa ocultar a
presença de transgenia no alimento, ferindo assim a escolha do consumidor. Ora,
como bem notou o filósofo alemão Hans Jonas, mediante
situações em que a humanidade, como um todo, se encontra ameaçada, precisamos
optar pelo mecanismo chamado heurística do temor como uma espécie de antecipação das
consequências desastrosas da técnica moderna. Vale lembrar aqui que o grande
experimento dos alimentos transgênicos acontece em tempo real, tendo o próprio
ser humano como cobaia. Portanto, a informação nos rótulos é a única ferramenta
que dispomos para encarar a problemática dos alimentos alterados geneticamente
dando ênfase na liberdade do indivíduo consumir o que lhe aprouver.
O presente ensaio foi
desenvolvido para disciplina de bioética ambiental do PPGB baseando-se nas
seguintes obras:
ALVES, G. S. A biotecnologia dos trangénicos. HOLOS,
v. 2, p. 1–10, 2004.
BELTRÃO,
L. Rotulagem de produtos transgênicos: o “t” da questão – Considerações sobre o
PLC No 34, DE 2015. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria
Legislativa, v. 59, p. 1–22, 2017.
BORDENAVE,
J. O que é comunicação. Brasiliense, 1997.
BRASIL.
LEI No 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. O presente código
estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse
social, 1990.
BRASIL.
DECRETO N 5.591, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2005. Este Decreto regulamenta
dispositivos que estabelece normas de segurança, 2005.
BRASIL.
PLC 34o, de 2015. Altera a Lei no 11.105, de 24 de
março de 2005. de 2005., 2015.
GRAZZIOTIN,
V. Da COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, sobre o Projeto de Lei da Câmara no
34, de 2015. 2017.
LAWSON-FERREIRA,
R. et al. Organismos Geneticamente Modificados em alimentos: desafios
metodológicos em função dos avanços tecnológicos e da rotulagem. Vigilância
Sanitária em Debate, v. 3, n. 3, p. 25–33, 2014.
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