Invertebrados seres sencientes? já está na hora iniciarmos a reflexão!

Essa semana ideias antigas começaram a se movimentar depois de uma conversa acadêmica com Letícia Caires: e os invertebrados? Descartes e sua legião de Acadêmicos Mecanicistas conseguiram com maestria implantar um memme na nossa sociedade: “os animais não têm consciência da dor”. A ideia foi muito bem aceita, pois foi a carta branca para o cientista poder fazer todas as atrocidades com os animais em busca de desenvolvimento tecnológico, sem ficar com peso na consciência. De maneira semelhante se eu acredito que uma vaca, um porco, uma galinha ou um peixe não sentem dor, posso comê-los sem culpa. Paul McCartney dizia se os matadouros se localizassem no centro da cidade e fossem feitos de vidro, as pessoas não iriam mais comer carne (veja o documentário). Mas sabe por que os matadouros não são assim? Simplesmente porque as pessoas não querem ver o que se passa lá dentro, é uma negação coletiva de algo que se sabe que é assim mesmo. Por isso aqueles que querem ser a voz dos animais são negligenciados pela sociedade, porque eles abrem os olhos, à força.
O caminho percorrido foi longo até provar cientificamente que os Mamíferos sentem dor. Em termos comportamentais é fácil percebermos isso em um cão ou um gato, que se expressam diante do agente agressor, porém animais que são presas como as vacas, não podem ficar gritando diante da dor, pois isso atrairia o predador. Fisiologicamente também conseguimos avaliar a existência de dor, seja pelos receptores sensoriais, estrutura cerebral ou neurotransmissores. A dor é um aliado fundamental da sobrevivência, pois sinaliza que algo está errado. Não ter consciência da dor, torna-a inútil, é como estamos anestesiados ou em pessoas com hanseníase , por exemplo. Porém, diante de um momento muito estressante e decisivo, o corpo pode bloquear a sensação de dor para o que animal consiga fugir de um predador em ataque. Para tal, substâncias opióides (incluindo encefalinas e endorfinas) fabricados no corpo pode modificar a transmissão nervosa em nocicepção, produzindo efeitos analgésicos, permitindo ao animal alguns momentos de não consciência da dor. Até pouco tempo mamíferos e aves entravam nesse universo, até a detecção de mecanismos e processos semelhantes em outros vertebrados como os peixes, por exemplo.
Agora que já está resolvida a questão da sensiência dos vertebrados e a sociedade já está revendo seus paradigmas éticos, morais e legais com relação à forma como os tratam quando sob sua tutela, está na hora de voltarmos o olhar para os invertebrados. A maioria das pessoas passa a vida tentando se livrar dessas “pragas nojentas” que invadem suas casas e plantações, colocam em risco sua saúde, ou apenas incomodam seu dia a dia. São raras as pessoas que demostram empatia com aranhas, formigas, baratas, camarões e caramujos e se posicionam contra uma morte por esmagamento, veneno, submersão em salmora, álcool ou formol e até água fervendo. Será porque não têm expressão ou não gritam? As baratinhas do NEC gritam!
Nesse momento já é possível encontrar algumas ideias lançadas, a favor, contra ou indiferente. Para alguns autores como Manuel Magalhães-Sant’Ana provar a consciência dos invertebrados é irrelevante, pois a vida deles já tem um valor ecológico para a comunidade e sobrevivência dos ecossistemas, até por isso são protegidos por lei. Mas de qualquer forma, qual é o valor da vida do indivíduo, qual a relevância do sofrimento do indivíduo diante das decisões que nós tomamos para sua existência? Até o próprio Peter Singer, tem um posicionamento claro com relação aos invertebrados quando diz que come mariscos sem dilemas éticos, porém faz exceção ao polvo que tem um sistema nervoso complexo e pode ter consciência da dor. As investigações deverão ir à direção da compreensão dos receptores sensoriais, é lógico que desde os organismos unicelulares a percepção do meio e aversão a estímulos nocivos são fundamentais para sobrevivência e em termos comportamentais é fácil mensurar. Muitos invertebrados têm a capacidade de memorizar ambientes, alimentos ou situações nocivas e tornarem-se agitados e irritados quando expostos a situações que motivaram essas “aversões”. Outro ponto importante é estudar a fisiologia dos invertebrados e pesquisas recentes têm mostrado que os sistemas de opiáceos semelhantes podem ter um papel funcional na nocicepção dos invertebrados (Fiorito, 1986; Kavaliers, 1988 ).
Embora a muito tempo a etologia tem mostrado a semelhança comportamental entre invertebrados e vertebrados como por exemplo a repressão às trapaças em vespas, atualmente inúmeras pesquisas tem mostrado semelhanças na recepção sensorial de invertebrados e vertebrados como nas moscas rejeitadas que preferem alimentos com álcool. Essas “provas científicas” vêm subsidiar a percepção daqueles que trabalham mais próximos dos invertebrados, no NEC, os meus alunos mostram uma clara compreensão da existência de um tipo de “sofrimento” desses animais, e não conseguem sacrificá-los da maneira “tradicional”. Toda a questão ética em torno de como nos posicionamos com relação aos animais está borbulhando, e estamos no meio do processo. Em países que já discutem essa questão a mais tempo, entidades e leis já beneficiam os invertebrados. Para nós eles são a alternativa de substituição de testes laboratoriais e até para alimentação. Que tal ajudarmos a escrever as próximas páginas dessa história?


SBCAL – Congresso da Sociedade Brasileira de Ciências em Animais de Laboratório

Essa semana tive o privilégio de participar pela primeira vez de um congresso da SBCAL que ocorreu em Foz do Iguaçu. Achei extremamente interessante os temas discutidos e as pesquisas apresentadas, em especial à preocupação com a Ética no uso de animais e com o aprimoramento de técnicas de bem-estar para os animais mantidos em biotérios, através da condução de pesquisas científicas a respeito do beneficio do enriquecimento ambiental. Eu tenho participado de muitos eventos de bioética e ética no uso de animais e promovido cursos de Bem-estar, por isso ver a mobilização do bioterismo na busca de inovação nessa área me deixa extremamente otimista. Uma vez que devido à rigidez dos critérios metodológicos das pesquisas científicas, os animais de laboratório devem ser criados sob critérios também muito rígidos, um enriquecimento ambiental impulsivo pode trazer mais prejuízos do que benefícios, pois pode fazer com que os técnicos percam o controle sobre a uniformidade da criação e haja um comprometimento da pesquisa. Mesmo diante dessa “rigidez” pesquisadores mais sensíveis à senciência dos animais, têm buscado despertar a consciência daqueles que precisam dessas vidas para conduzir suas pesquisas. Discussões e reflexões éticas são fundamentais, mas diante da impossibilidade - pelo menos a curto e médio prazo - de não usar seres vivos em experimentos, vamos buscar alternativas para respeitar e prezar pela existência desses animais. Destaco o lançamento do livro “Comportamento do Camundongo em Biotério” de Vania Mattaraia e Gabriel Melo de Oliveira, e dos dados da pesquisa apresentada pelo Gabriel. Também gostei muito da fala da Monica Levy Andersen da UNIFESP sobre estresse em ratos e das pesquisas da Ana Silvia Alves Moura da UNESP – Botucatu sobre Comportamento individual e social de camundongos em biotérios, as informações foram muito valiosas para orientação da pesquisa da Windy. Por fim, ressalto o comprometimento, preocupação e profissionalismo de todos os integrantes de comitês de éticas que estavam presentes, ansiosos por fazerem o melhor trabalho possível em suas intuições, orientações do CONCEA e discussões em todos os cantos do congresso promoveram a troca de experiência e unificação desses profissionais.

Um tributo ao imortal Dr. Cesar Ades

No início dessa semana voando para o congresso da SBCAL tive uma notícia muito, muito, muito triste, o falecimento do incrível, querido, respeitável e inesquecível Cesar Ades. Cesar foi meu padrinho na aracnologia, as fotos que estão nesse post são do primeiro congresso de aracnologia que participei em 1996 na Serra do Japi, a quase 20 anos! É aracnologia mesmo! Dr. Cesar Ades era psicólogo e trabalhava na USP, e embora tenha explorado todo o universo da Etologia trabalhando com humanos, primatas e cães, ele passou boa parte da sua vida profissional trabalhando com aranhas. Os mecanismos relacionados com memória principalmente da simpática Argiope agentata. Na realidade conheci o pensamento de Cesar Ades ainda na Universidade, nas aulas de Etologia. Minha professora, a Dr. Leny Cristina Milleo Costa trazia a referência de Cesar Ades em todas as suas aulas, e com certeza hoje todos os alunos que passaram por ela, estão em Luto, mesmo não tendo a honra de conhecer pessoalmente esse grande Etólogo.
Cesar Ades foi quem trouxe a Etologia para o Brasil, começou bem pequena e hoje tem uma representação fantástica. A Revista de Etologia e os Encontros Anuais de Etologia são as provas desse desenvolvimento e a cada ano podemos presenciar os frutos desse pioneirismo, no qual me encaixo! Fazendo uma busca pelo seu nome na Internet podemos perceber como sua presença na vida de tantas pessoas é real e será para sempre. Hoje seus milhares de ex-alunos, orientados, amigos, colegas, parentes choram e se indignam como um ser humano tão empático, inteligente, humilde e acolhedor foi exposto a um acidente tão trágico em um local caracterizado justamente pelo trânsito lento. Eu hoje me sinto órfã, mesmo não convivendo com o Cesar devido à distância, saber que ele estava ali, fazendo a diferença na vida de tantas as outras pessoas, era uma inspiração para eu buscar fazer o mesmo por aqui. Cesar Ades foi meu exemplo de profissional e de ser humano, pois era ao mesmo tempo sério, comprometido, responsável e pronto para aceitar todos os desafios que a ciência lhe impunha e as ideias - em um primeiro momento - malucas de seus alunos; era doce, amável, humilde, recebendo a todos com um sorriso imenso que iluminava o ambiente por quilômetros e por meses. Foi assim, que eu fui recebida - ainda menina - na família dos Etógolos brasileiros, ainda bem sem saber o que seria meu futuro, sonhava em conhecer os “mistérios” do comportamento animal. Hoje estou aqui graças a Ele e a muitos outros Etólogos que me orientaram, conduziram, aconselharam e acolheram. Hoje estou triste, mas fazendo essa reflexão sobre o Cesar, percebo que ele está muito vivo dentro de mim, e continuará vivo nas gerações que me precederem, pois a sua existência foi muito abençoada!

Dia internacional da Mulher? O que isso quer dizer?

Dentre os tantos cumprimentos e agradecimentos de cumprimentos pelo dia internacional da Mulher, um deles me chamou a atenção. A Mulher em questão, não se agradou nada do cumprimento carinhoso de um homem e disse que não gostava desse dia, pois somente as minorias tinham seu próprio dia. E, não é que ela tem razão? Cadê o dia internacional do chefe homem, branco, bonito, inteligente e rico?

Nossa espécie, assim como os chimpanzés (veja o vídeo) possui uma sociedade estruturada no sistema patriarcal , ou seja, os machos detêm o poder. Nos chimpanzés os conflitos são definidos com muita tensão e gritaria, além de ser extremamente instável e necessitar de um reforço constante. A competição é enorme, e nesses momentos de definição da liderança o ambiente todo fica muito tenso. Não ganha necessariamente o mais forte, mas o mais inteligente que convence os demais do seu poder. Esses “blefes” estão centrados na utilização de galhos, pedras e produção de sons que dão a “impressão” que o animal é muito maior e mais forte do realmente é. Para chegar ao poder, as alianças são extremamente necessárias, porém assim como na nossa política, também são frágeis. E o amigo de hoje, pode ser o inimigo de amanhã.

Os bonobos (veja o vídeo ), antigamente considerados chimpanzés anões, hoje tem status de espécie, também são nossos “parentes mais próximos”. Porem a sociedade dos Bonobos é estruturada no sistema matriarcal , em que uma fêmea líder organiza um grupo pacifico e que usa o sexo para resolução de seus conflitos. Frans Wall escreveu um livro chamado “eu, primata” em que faz um paralelo entre essas duas sociedades e a do Ser humano, evidenciando ambos aspectos na nossa estrutura social. Na ocasião do lançamento do livro, muitas matérias foram produzidas, e uma delas promoveu a redação e gravação da música Bonobo blues por Lulu Santos, ela não fez muito sucesso (veja abaixo letra e vídeo), mas achei bem bacana.
Os benefícios de uma sociedade matriarcal já são bem conhecidos, mas mesmo assim essa semana foi divulgado o resultado de outra pesquisa de Takeshi Furuichi e Nahoko Tokuyama, da Universidade Kyoto, realizada no santuário Lola Ya Bonobo da República Democrática do Congo. A liderança das fêmeas na sociedade dos bonobos é o motivo o comportamento amigável, uma vez que as fêmeas necessitam de suporte para criar seus filhotes. Por isso, os bonobos se preocupariam mais uns com os outros, o que não costuma acontecer em bandos liderados por machos. Os autores descreveram pela primeira vez um comportamento de preocupação com o bem estar do outro, no caso um macho que caiu em uma armadilha, além dos demais integrantes ajudarem a soltar, também voltaram no dia seguinte para ver se estava bem. Nos Bonobos, o sexo serve para reduzir o estresse após conflitos grupais, demonstrar afeição e firmar posição social, a pesquisadora Zanna Clay da Universidade Emory publicou na "Scientific Reports" que as fêmeas costumam deixar a família com a qual nasceu e cresceu e formar a sua própria. Para isso, precisa praticar o "alpinismo social" para ser aceita. Um dos métodos é se relacionar com outras fêmeas de melhor posição, com as quais podem passar o tempo juntas, brincar ou ter sexo, seja pelo toque dos genitais ou movendo os quadris lado a lado. Essa autopromoção é necessária para que as fêmeas mostrem que foram escolhidas. Deve-se considerar que a audiência também conta, logo uma fêmea de status inferior tende a se exibir mais durante o sexo se houver uma fêmea de status superior na "audiência".

A mulher já foi propriedade do homem - primeiro seu pai, depois seu esposo- porém hoje configura como sujeito do direito na nossa legislação, tendo direito de igualdade com o homem. Biologicamente, etologicamente e psicologicamente sabemos que somos diferentes. A natureza nos fez mais emotivas, mais detalhistas e mais tagarelas, pois ao longo da nossa evolução essas características foram fundamentais para coesão da família, cuidado da prole e dos idosos. Fisicamente podemos ser mais fracas e dependentes da força do homem, porém isso não tira nosso papel fundamental para evolução da espécie e das sociedades. Na sociedade atual podemos fazer o quisermos, invadirmos o universo masculino e disputarmos o poder com eles. Mas não há dúvidas que temos determinadas habilidades, as quais, uma vez potencializadas, farão que nossas tarefas além de mais eficientes sejam mais prazerosas e os grupos sobre a nossa liderança serem mais harmoniosos, coloridos e emocionais. Se fomos brindadas pela natureza com beleza, sabedoria, emoções, preocupação com outro, não precisamos de um dia para a sociedade voltar o olhar para nós e dizer o quanto somos importantes no mundo. Todos os dias já são nossos!





Bonobo Blues
Lulu Santos
Li em uma revista uma notícia que me arrasou
Era sobre os bonobos, um tipo de primata em extinção
Dizem que o bonobo é bem mais dócil do que o chipanzé
Que é parente distante de toda Maria,
de qualquer José
E a tristeza no olhar do símio na ilustração
Me fez ver num estalo,
descendemos do macaco errado
Bonobos são nobres,
espertos e desenvolvidos
Bonobos são chiques e fazem sexo sem limite
Do lado de um bonobo outros bichos parecem manés
Eu bem que preferia ser bonobo do que ser chipanzé
Chipanzé

Curso de Bem Estar Animal no XXIX Congresso Brasileiro de Zoologia


Essa semana não teve post, pois eu estava em Salvador ministrando o curso de BEA, mais uma vez foi gratificante participar do Congresso Brasileiro de Zoologia com a temática da Ética no Uso de Animais. A cada dia vejo que aumenta a consciência tanto da comunidade acadêmica quanto da sociedade com relação aos paradigmas éticos direcionados no uso dos animais para pesquisa, ensino, alimentação, trabalho, entretenimento e companhia. Houve a participação ativa de profissionais que trabalham com bioterismo, nos zoológicos, santuários e centro de recuperação de animais, nos quais o enriquecimento ambiental tem sido uma preocupação. Acredito que construímos algo bacana com o curso, e que todos os participantes serão disseminadores dessas ideias e a cada dia caminharemos para uma nova realidade. Nós compartilhamos a percepção de que embora esteja sendo realizadas várias ações na busca da melhoria dos recintos e cativeiros oferecidos para os animais que estão sobre a nossa tutela, muito pouco tem sido publicado, fato que dificulta enormemente o avanço na busca de técnicas, protocolos e métodos de diagnósticos do comportamento dos animais. Assim, fica a dica, vamos publicar! Obviamente que a maioria de nós biólogos acreditamos que o melhor que poderíamos oferecer para os animais é um ambiente saudável para ele resolver com sucesso suas necessidades biológicas e a mercê da seleção natural. Porém, viver em um mundo isolado dos outros animais é uma utopia, e enquanto determos esse poder de decidir por eles, que possamos oferecer o melhor. Em breve será ofertado uma nova turma para o Curso de BEA e EA na PUCPR.


A Equipe!