Brumadinho: uma tragédia anunciada

 

Série Ensaios: Bioética Ambiental



Por Eleonice de Fátima Dal Magro (Contadora), Dayane Hipólito Conceição (Psicóloga), Horácio Pagano (Advogado)



Questões ligadas a alterações climáticas, poluição, desmatamento e degradação ambiental decorrentes da ação humana no ambiente natural ou construído são temas recorrentes nos noticiários e mesmo em publicações nas redes sociais. No Brasil, um em especial teve grande repercussão nacional e internacional, não somente por sua dimensão enquanto desastre ambiental e perda de vidas humanas, que foram muitas, mas também pelas informações veiculadas de que a Vale S.A. tinha conhecimento prévio dos problemas que levariam ao fatídico rompimento e não adotou providências adequadas para evitá-lo.

Foi o ocorrido em Brumadinho, município da região metropolitana de Belo Horizonte (MG), onde, em 25 de janeiro de 2019, a barragem B1 do Complexo do Córrego do Feijão se rompeu, causando não somente uma tragédia ambiental de grandes proporções, mas também resultando na morte de 270 pessoas, além de 9 desaparecidas, de acordo com os dados atualizados do site oficial da Vale, a empresa que, enquanto detentora do direito de extração da mina e, como tal, responsável pela manutenção da mesma em condições de operação segundo critérios técnicos adequados de modo a não oferecer risco à comunidade do entorno, aparentemente negligenciou neste quesito, conforme se constata no RESUMO DO RELATÓRIO CPI Bruma da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2019), onde se encontra um histórico da barragem B1 com pormenores quanto a problemas de estabilidade e necessidade de adoção de providências há longa data, sendo estes de conhecimento de executivos do alto escalão da Vale, segundo o referido relatório (pg. 9). O caso teve repercussão imediata, destacando-se aqui a cobertura dada pelo G1 em notícias como “Barragem da Vale se rompe em Brumadinho – MG” e “Tragedia em Brumadinho é destaque no noticiário internacional” (G1, 2019).



Neste contexto, afere-se que a inadimplência da empresa causou danos a todas as vidas que lá habitavam ao prejudicar todo um ecossistema e suas comunidades vizinhas. Os prejuízos provocados pelo crime ocorrido na cidade de Brumadinho acentuaram ainda mais as vulnerabilidades presentes na sociedade, a pobreza social e a degradação ambiental.

A investigação realizada pela CPI concluiu que a Vale, empresa que controla a mina de que fazia parte a barragem, detectou problemas antes do acidente e ocultou as informações. A Vale não avisou a tempo as autoridades dos riscos iminentes. O parecer diz que, se esse alerta tivesse sido dado, a mina teria passado a ser prioritária na lista de instalações a serem vistoriadas e o acidente teria, muito provavelmente, sido evitado, além do desuso de alarmes que deveriam ter sido acionados para avisar as pessoas do entorno sobre o rompimento, fundamental na evacuação não só das áreas imediatas da mina e suas instalações, mas também para alertar os moradores dos arredores, tendo sido agravante maior contribuinte do elevado número de mortes.

O colapso da barragem, no Estado de Minas Gerais, causou um aluimento que resultou em mais de 270 mortos, havendo ainda pessoas dadas como desaparecidas mais de 2 anos após a tragédia. Depois de uma primeira investigação, a polícia brasileira recomendou que a Vale e a empresa alemã TÜV SÜD sejam acusadas de falsificação de documentos. Depois da tragédia, quatro anos depois de evento similar em Mariana, o Brasil proibiu a construção deste tipo de barragens, barateadas em detrimento da segurança.

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corrências como a referida acima nos levam a analisar o caso com base nos preceitos do consequencialismo, que faz parte da bioética utilitarista, uma corrente filosófica que busca compreender a consequência das tomadas de decisões na vida das pessoas e no ambiente. Segundo esta corrente, a depender da ação, as respostas interferem na vida dos seres envolvidos a curto e longo prazo. Trazer a discussão do consequencialismo para a ação dos seres humanos frente a degradação ambiental permite uma análise sobre quais resultados, proveitosos ou catastróficos, as ações do “agora” podem produzir no “amanhã” (Rego e cols., 2009). Nesse contexto e com base no caso concreto, indaga-se: quais medidas poderiam ter sido feitas para prevenir a tragédia causada em Brumadinho?

Talvez o que falta em nós, seres humanos, é incorporar como princípio cotidiano a importância de se estar atento a esta relação, tão primária e necessária, do ser com o ambiente e sua natureza, a valorar de maneira minimamente adequada a dinâmica de pertença e conexão que nos nutre quando em comunhão, manifestando-se como parte integrante de uma casa comum. Estar atento a nível consciente não basta, porém; é necessário apropriar-se desta relação, assumir o papel de agente ativo a participar dela e aproveitar deste senso de propósito que advém do pertencer, em busca de concretizar a saída de uma visão de mundo vigente que suplica por sua própria superação, e ao cuidar desta promissora muda, verdadeiro arauto de mudanças, refletir consigo mesmo: como eu me vejo contribuindo com seu desenvolver? Venho contribuindo para sua disseminação de maneira concreta? Como nutri-la e partilhar da promessa de seus frutos vindouros, arrebatando mais contribuintes?


Vê-se muitos discursos que buscam a valorização, incentivo e demanda por maiores cuidados com o meio ambiente, sobretudo devido à crescente dificuldade de ignorar que as degradações utilitaristas dos seres humanos causaram impactos significativos na biosfera e suas consequências se multiplicam, diretamente causadas por pessoas ou não, e que algo precisa ser mudado para que haja perspectiva de que a civilização possa perpetuar-se. Estas discussões são incentivadas e mantidas através de organizações mundiais, como no caso da Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, iniciada em 1992. Em reuniões promovidas pelo órgão são discutidas ações que possam atenuar os impactos sobre as alterações climáticas, como a diminuição de gases de efeito estufa pelo comprometimento das nações em contribuírem através da ratificação de acordos.

O que falta para o gênero humano enquanto civilização possa compreender que sua ação ambiental há de trazer graves consequências à sua permanência no globo, e que de nada adianta uma economia em ilusório crescimento estratificado em vista do sofrimento iminente que atingirá, de maneira desigual e avassalador, os povos terrestres?

No caso de Brumadinho, a obrigação de fazer não foi observada, acarretando a responsabilização da empresa, a qual assumiu as consequências a posteori, mediante ações mitigadoras do dano ambiental e pagamento de indenizações. No entanto, os danos não se resumiram à questão econômica e ambiental posto que muitas vidas foram ceifadas, estas sim sem a possibilidade de volta.


Ensaio para a disciplina de Bioética Ambiental, realizado utilizando-se como referências:



EL PAIS. O Desastre de Brumadinho em imagens. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/25/album/1548444443_434346.html#foto_gal_2

G1. Tragédia em Brumadinho é destaque no noticiário internacional. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/01/26/tragedia-em-brumadinho-e-destaque-no-noticiario-internacional.ghtml

PROCLIMA – Programa Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo – 2021. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/conferencia-das-partes-cop/

REGO, S., PALÁCIOS, M., and SIQUEIRA-BATISTA, R. A bioética e suas teorias. In: Bioética para profissionais da saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009. Temas em Saúde collection, pp. 39-62. ISBN: 978-85-7541-390-6. https://doi.org/10.7476/9788575413906.0003