Animais como Zooterápicos

 Série Ensaios: Bioética Ambiental




Por Clodoaldo Oliveira Freitas (Matemático e Contador, Mestre e Doutor em Administração) e  Maria Irenilda de Sousa Dias (Cooperóloga; Mestre em História, Direitos Humanos, Território e Cultura no Brasil e América Latina; Doutora em Administração: Gestão de cooperativas agropecuárias).




Com o título “Cinoterapia: conheça os benefícios da terapia assistida por cães”, o portal Hospitais Brasil.htm, edição publicada em 22 de junho de 2.021, lança matéria que noticia a tramitação na Câmara dos Deputados de um projeto de Lei que visa “regulamentar a prática da cinoterapia, modalidade de terapia assistida por cães”. A matéria refere-se ao Projeto de Lei Nº 682/21 que propõe a regulamentação de uma prática já há muito utilizada no Brasil, não apenas com cães, mas ainda com outros animais do tipo “pet” no tratamento auxiliar dos transtornos de ansiedade.

Também conhecido como Terapia Assistida por Animais (TAA) o método “utiliza cães e até mesmo outros animais com o objetivo de ofertar um complemento aos tratamentos tradicionais”.

Para a pesquisadora Thais Preisser, pesquisadora da Faculdade Pitágoras, “o contato com o animal estimula as funções motoras, desenvolve a fala, melhora a socialização, aumenta a confiança, autoestima e atenção dos pacientes, principalmente quando se trata de crianças. É uma terapia que veio para somar aspectos positivos para profissionais de diversas áreas como psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais e até mesmo fisioterapeutas”.

À luz da bioética a matéria expõe uma prática que envolve o comportamento humano de experimentação mediante decisão monocrática, que não permite contemplar a opinião de todas as partes afetadas, exceto o interesse dos pesquisadores e a busca de cura por parte dos beneficiários do tratamento terapêutico, ambas as categorias que se constituem como agentes morais na questão, sendo os animais não humanos do caso em destaque os ditos pacientes morais, sobre cuja opinião não incide consulta prévia.

Para Fischer (2018) “a inserção dos atores representantes da natureza como pacientes morais presume que eles não têm poder de decisão sobre ser ou não utilizados como recurso medicinal”.

Na questão em destaque é possível perceber que apenas a partir dos agentes morais, os humanos do caso, vai se estabelecer um “contrato” no qual serão definidas as regras para o tratamento, ainda que a parte ‘usada’ diretamente seja o animal não humano, sobre cuja concordância e condições de utilização (permissão) não se procura saber.

Fischer et al. (2018) destacam que “a promoção da zooterapia justifica-se pela possibilidade de melhorar a qualidade de vida ou até mesmo de possibilitar a superação de um problema que coloca o indivíduo em risco. Contudo, ressalva-se a necessidade de a zooterapia ser fundamentada por princípios éticos comuns às sociedades e à natureza [...]”.

Ressalta-se na questão em destaque, quando do acordo para utilização da terapia e respectivo método, a incidência do princípio ético ‘contratualista’, o qual compreende o estabelecimento de regras previamente definidas, neste caso sendo exercido entre os agentes morais da situação.

Trata-se de uma tomada de decisão onde apenas os agentes morais da questão, no caso o cientista/terapeuta, juntamente com o paciente da terapia, decidem à revelia do animal não humano pelo uso deste último no tratamento. Nessa relação contratual é possível identificar de forma bem tênue a participação ativa do paciente moral, quando do tratamento dispensado e aceito pelo animal não humano por meio dos “mimos” como alimentos especiais e carinhos alocados que condicionam e facilitam a aceitação para realização da prática, ainda que isso ocorra por meio do adestramento prévio.


Ora, o princípio ético contratualista se reporta à incidência de acordos que contemplem a concordância necessária das partes afetas à questão; fato que não se concretiza na zooterapia, uma vez que o animal não humano, cuja capacidade de comunicação não está plenamente estabelecida com os demais sujeitos, tem ficado à margem do processo decisório na questão e, consequentemente, em posição de vulnerabilidade.


Qualquer proposta de intervenção sobre a prática da zooterapia passa pela consideração da bioética como ferramenta de gestão. Assim observamos o que destaca Fischer et al. (2018) quando afirma que “é fundamental o estabelecimento do diálogo entre os atores, a fim de negociar os interesses culturais, econômicos e ambientais e alcançar valores éticos compartilhados e soluções consensuais e justas para todos”.

Enquanto pesquisadores da bioética, empenhados na defesa desta ciência como vital e imprescindível regra de justiça em qualquer campo de atuação, seja nas relações humanas como naquelas que envolvem outras espécies, entendemos ser injusta qualquer relação que envolva tomadas de decisão sem que as partes afetadas possam conjuntamente decidir.

Assim, a nossa opinião a cerca do tema em questão é de que, ainda que o uso de animais em terapias humanas seja considerado imprescindível na recuperação ou melhoria da qualidade de vida dos pacientes em tratamento, é imprescindível que em hipótese nenhuma os procedimentos possam trazer prejuízo de qualquer natureza para os animais assim utilizados.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina Bioética Ambiental, tendo como referência as obras:




1. https://portalhospitaisbrasil.com.br/cinoterapia-conheca-os-beneficios-da-terapia-assistida-por-caes/

2. Fischer, Marta Luciane ET. AL. Uso de animais como zooterápicos: uma questão bioética;


4. https://doi.org/10.1590/S0104-59702018000100013