Série: Bioética em foco
Por Dr. Mário A. Sanches
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Bioética PUCPR
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Me encantei ainda mais com a arte de ajudar alguém a nascer, de ajudar alguém a ser mãe, ser pai, ser filho...
Mas o inesperado me aguarda no expediente inexorável: uma jovem senhora, violentada, está gravida e pede socorro.
Caro Esculápio, eu não deveria estar neste plantão! Eu não deveria ter vindo trabalhar hoje! Eu estou preparado para isto?
Se eu negar o aborto, serei na esquina apontado de ‘monstro torturador de meninas indefesas’. E de fato, reconheço – minha própria consciência acusa - que insistir para alguém se manter grávida nestas condições é uma tortura.
Se eu concordar com o aborto, serei taxado, na esquina seguinte, de ‘monstro assassino de criancinhas’. E de fato, eu reconheço – minha própria consciência acusa - que este pequeno humano terá que ser sacrificado, antes de ser retirado do ventre.
Terrível Esculápio, como fizestes de mim um mostro? Tenho medo de olhar na minha própria agenda e lá estar a palavra: monstro.
Angustiado, vou até a janela e do hospital enxergo os transeuntes e me lembrei que esqueceram.
Sim, todos esqueceram, quando eu estava lá fora também esqueci, na correria, no frenesi da vida todos esqueceram.
Esqueceram de desligar a chave da máquina que fabrica abusos de mulheres. Sim, a chave está lá fora.
Por favor, alguém desligue esta maquinaria perversa, antes que meu filho me chame de monstro e, pior, antes que me eu olhe no espelho e me reconheça como tal.
Curitiba, 22 de junho de 2022.
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