Por Roseli
Silvério
Temas de Bioética e Bem estar Animal - Mestrado
em Bioética, PUCPR
Manter animais em cativeiro é um
hábito antigo. A primeira coleção particular de animais exóticos é datada no Egito, em torno de 3000 a.C..
Estas coleções eram mantidas pelo significado religioso de algumas espécies e
pelo status que a posse de animais
exóticos simbolizava (SANS, 2008). Este costume continuou entre os nobres até o
Século XVIII, quando se formaram os primeiros zoológicos na Europa: Viena em
1752, Paris em 1793 e Londres em 1826 (COSTA, 2004). No Brasil, as primeiras
coleções tomaram forma no Museu
Emílio Goeldi, em Belém do Pará, em 1882, e depois no Rio de Janeiro,
Curitiba, São Paulo e outras cidades, mais intensamente a partir dos anos 1970
(FIORAVANTI, 2011). Entre o Século XIX e início do Século XX os
zoológicos eram concebidos e construídos para expor os animais ao público
humano com o objetivo de diverti-lo. Nessa concepção, os animais eram exibidos
em verdadeiras celas sem a mínima preocupação com seu bem-estar. Ao longo do
tempo, em vários países, esta postura foi abandonada e as antigas celas deram
lugar a recintos que visam a reproduzir o habitat de cada espécie (ARAGÃO,
2006), contudo alguns zoos atuais ainda mantém uma estrutura de exposição bem
próxima à inicial. Apesar de seu objetivo inicial, como
local de exposição de animais exóticos e lazer humano, atualmente, os
zoológicos têm outras finalidades como garantir a conservação de espécies em
perigo de extinção, permitir o estudo científico de animais, além de
proporcionar ao público a oportunidade de conhecer diversas espécies e o
desenvolvimento de projetos de educação ambiental (SOUZA et al., 2007).
Apesar das boas intenções, não
podemos esquecer que os animais cativos estão sujeitos a privação de algo que é
um direito fundamental de todos os seres vivos: liberdade. Então, será que a
conservação das espécies e a prática da educação ambiental podem justificar a
manutenção destes indivíduos no cárcere? Um
exemplo da contribuição dos zoológicos na conservação de espécies ocorreu em
1982, quando a população de condores-californianos (Gymnogyps californianus) era
de apenas 22 espécimes. Numa tentativa de salvá-los, todos os que restavam na
natureza foram capturados e levados para os zoológicos de Los Angeles e San
Diego. A recompensa para este esforço são os mais de 200 condores vivendo em
liberdade (KOLBERT, 2013).
Espécies
como o mico-leão-dourado (Leontopithecus
rosalia), o diabo-da-tasmânia
(Sarcophilus harrisii)
e o panda (Ailuropoda
melanoleuca) já estiveram em perigo iminente de extinção, foram levados
para zoológicos, conseguiram se reproduzir e voltaram à vida livre. Rinocerontes-brancos
(Ceratotherium simum)
e chimpanzés (Pan troglodytes)
já estariam extintos se não estivessem em cativeiro (FIORAVANTI, 2011).Contudo, a manutenção de animais em
zoológicos pode prejudicá-los, pois, além de privá-los da liberdade de
movimento e de associação, frustra muitos de seus comportamentos naturais,
deixando-os, na melhor das hipóteses, entediados, e, na pior, seriamente
neuróticos (TUYL, 2008). E
apesar das tentativas de alguns zoológicos simularem o ambiente natural das
espécies no cativeiro, não há como reproduzir ambientes genuinamente naturais,
visto que há condições que não podem ser facilmente simuladas, como o clima, a
migração ou a caça. Além disso, o cativeiro também introduz estressores
não naturais para os animais, tais como a exposição aos seres humanos e
proximidade com outras espécies possivelmente indutoras de estresse, como
predadores e presas (WICKINS-DRAZILOVÁ, 2006).
Ademais, em
seu habitat os animais reagem ao ambiente, evitando predadores, procurando
alimento e interagindo com outras espécies, desempenhando atividades para as
quais eles evoluíram, por isso, independente do tamanho e da estrutura, os
recintos estão muito aquém de atender suas reais necessidades. A frustação e o
tédio levam os animais cativos a expressar comportamentos
compulsivos e repetitivos, os quais são reconhecidos também em seres
humanos com problemas mentais. Alguns animais têm problemas comportamentais tão
graves que precisam ingerir drogas antidepressivas, antipsicóticas e
tranquilizantes (Tuyl,
2008). Diante disso, atualmente há grande preocupação em aumentar o bem-estar de animais
que vivem em zoológicos. A manutenção do bem-estar, dentre outros fatores, está relacionada
aos estados afetivos que motivam o comportamento. Por exemplo, a frustação surge
quando os animais são incapazes de viver da maneira para qual estão adaptados,
enquanto que o tédio está relacionado ao vazio ocupacional, onde o animal não
pode fazer nada por si próprio e é incapaz de perceber a relação entre suas
ações e alguns resultados importantes. A incapacidade de interagir normalmente
com o ambiente pode causar sérios prejuízos tanto físicos quanto sociais, para
o desenvolvimento básico de animais jovens, como, por exemplo, o contato social
através de brincadeiras durante a infância (FRASER, 2012).
Por isso, muitos
esforços para melhorar o bem-estar animal em zoológicos são baseados em
permitir que os animais vivam de uma maneira correspondentemente melhor às suas
adaptações (FRASER, 2012), uma estratégia que contribui para isso é a pratica do
enriquecimento
ambiental. Além da sua contribuição na
conservação das espécies, outro papel desempenhado pelos zoológicos é promoção
da educação ambiental, utilizando-se principalmente de sua coleção de animais
como veículo sensibilizador em inúmeras atividades. Ao servir de palco para um
aprendizado diferenciado, os zoológicos podem desencadear inúmeras emoções nos
visitantes, demonstrando de maneira clara, a responsabilidade de cada indivíduo
como ser integrante da natureza (FUNDAÇÃO ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO, 2013).
Visto que
os zoológicos se constituem uma das poucas oportunidades para que moradores das
cidades entrem em contato com a natureza, são locais propícios para a
divulgação de informações sobre animais silvestres e a formação de hábitos e
atitudes positivas em relação à conservação da natureza (Bizerril, 2000). Contudo,
segundo a CAPS (Captive
Animal´s Protection Society) visitas escolares a zoológicos levam as
crianças a terem uma visão distorcida da vida selvagem. Estudos analisando os
visitantes após observarem os animais em recintos altamente artificiais
demonstrou que eles tiveram uma atitude negativa e dominadora para com os
mesmos (Tuyl, 2008). É
importante desenvolver estudos com enfoque nas reações dos visitantes durante
observação dos animais. A percepção dos visitantes permite obter informações
sobre quais estratégias devem ser implementadas para tornar a visitação mais
estimulante para o público em conjunto com medidas educativas que visem a
garantia do bem-estar dos animais.
Uma revisão feita por
FERNANDEZ et al. (2009) sobre estudos
realizados em zoológicos levanta a importância dos recintos simularem as condições
ambientais mais próximas às do habitat natural dos animais e destes estarem
ativos durante a visitação. Programas de enriquecimento ambiental em um cenário
natural não apenas geram melhores condições para os animais, mas tornam a
observação mais interessante para os visitantes, pois estes têm uma percepção
positiva sobre os animais, vendo-os mais “felizes”, o que contribui para
aumentar sua empatia sobre eles e seu apoio na conservação das espécies
(FERNANDEZ et al., 2009). E em
relação ao impacto dos visitantes sobre os animais? Há estudos que sugerem que
os animais se habituam aos visitantes e que até podem ser enriquecidos por
eles, porém a maioria sugere que os visitantes contribuem para estressar os
animais. Entretanto o efeito estressante parece estar relacionado a fatores como o
temperamento da espécie ou do indivíduo, o recinto do animal e o comportamento
dos visitantes quando interagem com o animal (FERNANDEZ et al., 2009).
Apesar de
uma instituição controversa, os zoológicos podem desempenhar um papel
importante na conservação de espécies ameaçadas e na educação ambiental.
Entretanto, há um ponto em comum e crucial, sem o qual estas atribuições não
serão alcançadas: bem-estar animal. A
compreensão da importância de se atender a esta condição e de sua
essencialidade é muito simples. Basta refletir sobre algumas questões
referentes às atuais finalidades de um zoológico. Como
animais em más condições estão aptos a contribuir para a conservação de suas
espécies na natureza, se eles próprios muitas vezes já ultrapassaram sua
capacidade adaptativa e acabam manifestando não apenas problemas de saúde
física, mas, também psicológica, que comprometem sua sobrevivência e
reprodução?
Como
praticar a educação ambiental, transmitir o conhecimento sobre as espécies
selvagens e estimular a aproximação do homem à natureza exibindo espécimes em
recintos pobres que estão infinitamente longe de representar o ambiente natural
e de demonstrar a relação dos animais com seu habitat e com outras espécies?
Como explicar o tigre que anda incessantemente de um lado para o outro? O
elefante que balança a cabeça continuamente?
O papagaio que arranca suas penas? E o chimpanzé que arremessa fezes ou
pedras (na falta das primeiras)? Isso é normal?
Sem
dúvidas é necessária a avaliação e a fiscalização das condições de bem-estar
dos animais que vivem em zoológicos. Para isso, podem ser realizados estudos de
comportamento em conjunto com análises fisiológicas e outros exames clínicos
que mostrem a condição de saúde do animal. E em relação à visitação? Como
tornar o zoológico um instrumento eficaz para a educação ambiental sem que a
visitação comprometa o bem-estar dos animais? O uso de placas informativas
sobre a espécie e a presença de monitores contribuem para fornecer informações
sobre os animais, como distribuição e hábitos, e permitem alertar os visitantes
sobre comportamentos inadequados, como excesso de barulho ou atos que perturbem
os animais.
Atualmente
vários zoológicos possuem recintos mais amplos e projetados para simular o
ambiente natural com vegetação e abrigos que permitem que os animais se refugiem
caso julguem necessário sem que isso comprometa sua observação durante as
visitas. Desta maneira ganham os visitantes porque podem observar os animais em
um ambiente mais próximo do natural e desempenhando alguma atividade, como se
alimentando ou explorando; e ganham os animais que, espera-se, têm um grau
elevado de bem-estar, com recintos melhores e menos perturbações.Entretanto
é válido relembrar que espécies diferentes têm percepção, ou tolerância,
diferente a visitação, ou mesmo ao número de visitantes, então é importante o
desenvolvimento de estudos de comportamento animal, humano e não-humano, para
saber que tipo de intervenções devem ser implementadas, visando a conservação
dos animais e a educação do público.
Provavelmente
o zoológico nunca conseguirá reproduzir todas as condições, sejam elas
ambientais ou sociais, que os animais selvagens encontrariam em seu habitat
original. Contudo, conhecendo suas necessidades básicas – descobrindo quais são
as adaptações anatômicas,
fisiológicas, comportamentais, afetivas e/ou cognitivas que
obrigatoriamente devem ser atendidas para lhes proporcionar bem-estar – talvez sejamos
capazes de tornar a vida dos animais cativos mais digna e menos sofrida e
possamos tranquilizar nossa consciência cientes de que fizemos o possível para
que a prisão perpétua, a qual muitos destes indivíduos foi condenada, tenha
valido a pena para salvar sua espécie.
O presente ensaio foi
elaborado para a disciplina de Bioética e Bem-estar Animal e baseado nas
seguintes obras:
Aragão, M J. Civilização animal: A etologia numa
perspectiva evolutiva e antropológica. USEB, 2006.
Bizerril, M. Humanos no zoológico. Ciência hoje, vol. 28(163), pp. 64-67, 2000.
COSTA, G de O. Educação ambiental –
Experiências dos Zoológicos Brasileiros. Revista Eletrônica do Mestrado em
Educação Ambiental, vol. 13, pp. 140-150, 2004.
FERNANDEZ, E J; Tamborski, M A; Pickens, S R; Timberlake, W. Animal–visitor interactions in the modern
zoo: Conflicts and interventions. Applied Animal Behaviour Science, 120, pp. 1-8,
2009.
FIORAVANTI, C. Menos bichos, mais pesquisa:
Os zoológicos reveem seu papel na conservação da vida silvestre. Pesquisa
FAPESP, vol.181, pp. 16-23, março/2011.
FRASER,
D. Compreendendo o bem-estar animal: a
ciência no seu contexto cultural. EDUEL, 2012.
Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Disponível em: <http://www.zoologico.sp.gov.br/peca9.htm>
Acessado em outubro/2013.
KOLBERT, E. Zoológicos: a arca da vida. National Geographic Brasil, ed. 163,
outubro/2013.
SANS, E
C de O. Enriquecimento ambiental no
Zoológico Municipal de Curitiba/PR. Monografia de conclusão de curso
Zootecnia, UFPR, 2008.
SOUZA; CARVALHO, D S; SINZATO, D M
S. Humanos no zoológico: a reação dos
visitantes mediante os recintos animais do Zoológico Municipal de Volta
Redonda/RJ. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23 a 28 de Setembro de
2007, Caxambu – MG.
Tuyl, C V. Zoos and animal welfare. GALE,
Cengage learning, 2008.
WICKINS-DRAZILOVÁ,
D. Zoo animal welfare. Journal of
Agricultural and Environment Ethics, 19, pp. 27-36, 2006.
Adorei este trabalho, estou pensando em fazer meu TCC sobre este assunto e este texto me proporcionou uma base para direcionar meus estudos. Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirAdorei este trabalho, estou pensando em fazer meu TCC sobre este assunto e este texto me proporcionou uma base para direcionar meus estudos. Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluir