terça-feira, 19 de maio de 2020

Se arriscar para ajudar o outro, profissionais que estão na linha de frente - Altruísmo



Série Ensaios: Sociobiologia


Por Mariana Inês, Brenda Caroline, Eduarda Melo, Bruna Fiala, Ana Laura, Eduarda Fernandes, Mariana Silveira.Graduandas de Biologia e Psicologia

Em virtude da pandemia causada pelo vírus Covid-19 (Sars Cov-2), hospitais superlotaram rapidamente com pacientes necessitados de atenção intensa. Dessa forma, mundialmente, médicos e enfermeiros foram surpreendidos com a sobrecarga de trabalho e como implicações sobre saúde mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas em épocas pandemicas (ORNELL et al., 2020) os trabalhadores podem ser alvos de doenças psicológicas.
A notícia: “Covid-19: trabalhadores da saúde podem desenvolver esgotamento profissional” publicada dia 16/04/2020 por Diego Amorim no site do jornal Extra, traz como tema principal a tendência dos profissionais de saúde a desenvolverem a síndrome de burnout, conhecida como a síndrome do esgotamento profissional. “Locais de serviços de saúde, públicos ou privados, são naturalmente estressores. E isso tende a aumentar frente à expansão dos casos de coronavírus.”, cita o médico Gilberto Ururahy para o jornal.
Frequentemente o homem se depara com situações que lhe exigem escolhas, como é o caso dessa, salvar vidas. De acordo com o filósofo Tom Regan (2004), o altruísmo está associado ao dano causado pela morte, que pode ser mensurado qualitativamente pela perda que cada indivíduo possa significar. Tal evento é causador de um grande conflito ético, o profissional deve optar por atuar na linha de frente -correndo riscos de contaminação e o estresse psicológico envolvido devido ao cenário em que está inserido e a chance de transmissão para pessoas próximas, como pais, cônjuges e/ou filhos- ou ajudar pacientes portadores da doença. Sendo evidente, que muitos optam pelo distanciamento familiar à abandonar uma vida, que precisa de seus cuidados.
Segundo Regan (2004), o agente moral é aquele capaz de agir com o princípio moral da imparcialidade, decidindo o que deve ser feito após a ponderação de diversos fatores. Por outro lado, o paciente moral carece desses pré-requisitos encontrados no agente moral, não estando habilitado a fazer escolhas baseando-se em princípios éticos. Quando os pacientes morais podem sofrer os impactos das ações dos agentes morais em suas vidas, tornam-se vulneráveis. Com isso, pode-se apontar como agentes morais os profissionais da saúde que, através de considerações éticas, colocam-se na linha de frente da pandemia, arriscando-se em virtude dos pacientes, que são os pac
ientes morais e vulneráveis do caso, cuja vida pode ser impactada de acordo com as atitudes do agente.
O altruísmo, do ponto de vista biológico, é caracterizado pelo comportamento de um animal que favorece o outro em detrimento dos seus próprios benefícios, ou seja, abdicar as suas probabilidades de sobrevivência e reprodução para que outro animal se privilegie (OKASHA, 2003 apud FONSECA, 2007).
A partir do exposto, o altruísmo contradiz a afirmação darwiniana (1858) de que a competição por recursos é sempre egoísta, como encontrado na espécie humana, onde é visto sentimentos de empatia e proximidade. Este fato aliado ao conceito de “vantagem inclusiva” (HAMILTON, 1963) pode explicar o porquê de estarmos nos arriscando em prol do outro. Como espécie, partilhamos uma carga genética semelhante, aumentando as chances de reprodução e, inconscientemente reverbera para o indivíduo altruísta de modo que nossa espécie será levada adiante (HAMILTON, 1963). Assim, o altruísmo biológico, como afirma Lencastre (2013), consiste no egoísmo genético. A partir da teoria de Hamilton (1963), pode-se afirmar que a solidariedade acontecerá com mais frequência em indivíduos com um grau de parentesco genético, e muitas vezes ignorar e desprezar outros grupos no reino animal. Na biologia endócrina, o altruísmo tem estreita relação com a ocitocina, o qual é responsável pela contração uterina em mulheres grávidas e a ejeção de leite. De acordo com Marsh (2019), esse hormônio é capaz de promover a motivação pró-social a partir de interações com o sistema dopamina estriatal, relacionado a comportamentos direcionados a objetivos. A liberação de ocitocina faz com que ocorra a elevação da produção de dopamina pelos neurônios na área tegmental ventral, promovendo a motivação do cuidar, além de reforçar a experiência como recompensadora. Já no quesito genético, o cromossomo X produz efeitos nas regiões sociais do cérebro, como o giro cingulado frontal inferior, conduzindo uma maior cooperatividade nas mulheres, junto a uma maior habilidade e intensidade na demonstração de suas emoções e experiências (CRUZ, 2014), enquanto nos homens Ugarte (2016), verificou que o estresse psicossocial agudo está intimamente relacionado ao altruísmo neste sexo, devido a ser uma estratégia de diminuição de estresse.
Historicamente, a etologia aponta que os comportamentos altruístas tenham evoluído com mais probabilidade entre animais que apresentavam graus de parentesco. Sendo assim, duas definições foram estabelecidas para explicar o altruísmo, sendo elas o altruísmo biológico, qual consiste um modelo matemático complexo que prevê como o grau de altruísmo depende do grau de parentesco genético, como exemplo as abelhas, onde o comportamento altruísta foi observado a partir do grau de parentesco das obreiras entre si, e com a rainha, e o altruísmo recíproco, no qual há uma cooperação entre parceiros recíprocos, como exemplo os morcegos-vampiro que partilham o alimento recolhido durante a noite com aqueles que não tiveram oportunidade obter sua parte (LENCASTRE, 2010), sendo esse, o observado na notícia.
Por sermos animais sociáveis é de admirar, portanto, a atitude desses profissionais, visto que o distanciamento social é uma medida a ser tomada principalmente por eles. O contato social, de acordo com Hill (1987), é consequência da motivação a alcançar determinadas recompensas, essas motivações se baseiam em relacionamentos harmoniosos, busca de aprovação e comparação social. Logo, ao privar nossas motivações, desequilíbrios hormonais ocorrem, prejudicando o funcionamento biológico do corpo. Por outro lado, muitas pessoas desrespeitam as medidas de isolamento orientadas pela OMS, e se comportam de uma forma não altruísta ao colocar em risco a vida de outras pessoas. Isso faz com que muitos hospitais fiquem lotados sobrecarregando esses profissionais da linha frente, e assim podendo ser um fator que contribui para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, tendo como base as obras:

AMORIM, D. Covid-19: trabalhadores da saúde podem desenvolver esgotamento profissional. Extra, 16 de março de 2020. Disponível em:

CRUZ, L. B. Altruismo y empatía: correlatos neurales y diferencias de género. Ludus Vitalis. V. 22, n. 41, p. 333-343. 2014.

DARWIN, C. R. & WALLACE, A. R. On the tendency of species to form varieties; and On the perpetuation of varieties and species by natural means of selection. Journal of the Linnean Society of London. V. 3, p. 45-62. 1858.

FONSECA, F. S. T. Comportamento altruísta e racionalidade econômica: uma revisão teórica. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá. 2007.

HAMILTON, W. D. The evolution of altruistic behavior. The American Naturalist. V. 97, n. 896, p. 354-56. 1964.

HILL, C. A. Affiliation motivation: people who need people… but in different ways. Journal of Personality and Social Psychology. V. 52, n. 5, p. 1008-1018. 1987.

LENCASTRE, M. P. A. Goodness, altruism and cooperation. Evolutionary considerations for education and environmental ethics. Revista Lusófona de Educação. N. 15, p. 113-124. 2010 . 

LENCASTRE, M. P. A. Evolução do altruísmo e da cooperação nos grupos humanos. Construir a paz: visões interdisciplinares e internacionais sobre conhecimentos e práticas. V. 3, p. 59-62. 2013.

MARSH, A. A. The Caring Continuum: Evolved Hormonal and Proximal Mechanisms Explain Prosocial and Antisocial Extremes. Annual Review of Psychology. V. 70, p. 347-371. 2019.

ORNELL, F.; SCHUCH, J. B.; SORDI, A. O.; KESSLER, F. H. P. Pandemic fear” and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry. 2020. Disponível em: <https://www.rbppsychiatry.org.br/details/943/en-US/-pandemic-fear--and-covid-19--mental-health-burden-and-strategies> acesso 27/04/2020 00h41.

REGAN, T. The case for animal rights. Los Angeles: University of California Press, 2004.

SOUSA, A. A. S. Para além da senciência na consideração moral: sobre Peter Singer, Tom Regan e Gary L. Francione. Âmbito jurídico. 2017. Disponível em: Acesso em: 27 abr. 2020.

UGARTE, L. M. Altruísmo, percepção de justiça, estresse agudo e cortisol em estudantes universitários. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2016.