Seminário
Bioética e a Libertação do Futuro
por Marta
Luciane Fischer
A temática abordada na minha fala de hoje representa a comple
xidade,
pluralidade e amplitude das questões relativas à Bioética Ambiental. A
Dualidade entre ações e impactos locais x globais, saúde física x mental e responsabilidade
individual x coletiva. A fala será dividida assim em três momentos: a) A
contextualização da emergência Climática; b) A sinergia entre a Bioética
ambiental, ODS e urgência ética; c) As dualidades analisadas sob a perspectiva
do autocuidado.
A contextualização da emergência Climática
As questões de
mudanças climáticas representam um problema
ambiental que pode apresentar percepções e respostas dissonantes. Embora as
alterações climáticas sejam um processo natural e foram responsáveis pela rica
biodiversidade que temos na atualidade, foram intensificadas diante da
intervenção antrópica. Durante os 4,5 bilhões de anos do planeta Terra, foram
inúmeros eventos de resfriamento e aquecimento global, que juntamente com os
movimentos das placas tectônicas possibilitaram diferentes impactos de
diferentes fenômenos naturais como estiagem e enchente, furacões, tornados,
tsunamis e até mesmo o maior ou menor impacto de agentes externos como os
meteoros. Foram cinco grandes eventos que promoveram a extinção de 95% da fauna
e flora, mas que a cada ciclo de restauração permitiam o surgimento de novas
espécies. Neste momento estamos vivendo o sexto grande evento de extinção, mas
diferente dos anteriores, esse é ocasionado por uma única espécie, e o mais
drástico, uma espécie que sabe o que está fazendo e as consequências que sua
ação poderá trazer para todo o planeta. A ação antrópica frequente e cada vez
mais intensa não dá tempo para recuperação da natureza. A substituição de áreas
verdes por área construída e o acúmulo de resíduos e poluição do ar, solo e
água, minam a possibilidade das maiorias das espécies se reestabelecerem e não
promovem um ressurgimento da vida. Pelo contrário, espécies generalistas e
altamente resistentes se beneficiam de ambientes sem predadores e competidores,
aumentando suas populações e dominando os ambientes alterados. Algumas dessas
espécies possuem potencial de danos também para os seres humanos ou seus bens,
passando a serem classificadas como “pragas urbanas” ou “pragas agrícolas” e são
alvo de interesse midiático e da indústria do “controle de pragas”.
Porém estamos falando aqui de uma terminologia “
emergência climática”
com um viés político muito forte, a terminologia “emergência climática” foi
adotada pelo Parlamento Europeu em 28 de novembro de 2019, incitando tanto a
Comissão como todas as Nações à adoção de medidas urgentes para reduzir GEI
considerando que o enfrentamento das mudanças climáticas demanda uma solução
global e participação ativa de todos os membros da sociedade, economia,
indústria de forma equilibrada e sustentável (Gonzales, 2020).
Os bastidores desse novo marco trazem uma
mobilização histórica e inusitada de jovens e crianças no mundo inteiro que faltavam
suas aulas as sextas-feiras para pedirem que seu futuro não fosse comprometido
por decisões pautadas exclusivamente em interesses econômicos.
A líder uma
adolescente sueca de 16 anos portadora de síndrome de Asperger Greta Thunberg merecedora
do prêmio de personalidade do ano de 2019. Greta toda sexta-feira protestava na
frente do parlamento. Embora o alerta de pesquisadores não seja recente, os
resultados do relatório do IPCC em 2018 que o planeta ficará 1,5
oc
mais quente transpôs o meio científico e as perspectivas das ONGs e chegou até
o espaço público graças a mobilização dos jovens que se mostraram intolerantes
às justificativas e medidas ineficazes tomadas nos últimos 30 anos, mesmo com
tantos acordos internacionais assinados nas grandes convenções
mundiais como a conferência de Estocolmo em
72, a Rio-92 ou Eco-92 com sua agenda 21, a COPI em 1995 em Berlin, a COP2 em
Genebra em 1996, a COP3 em Kyoto em 1997, a Rio+10 em 2002, a COP8 em Curitiba
em 2006, a Rio+20 em 2012 .
Os fenômenos
climáticos estão ficando mais extremos exemplos atuais como ciclones em
Moçambique, ciclones bombas no sul do Brasil, Tufão no Japão, Onda de calor
recorde na Europa, Secas na América Central, Incêndios na Austrália,
Califórnia, Amazônia, nuvem de gafanhoto. O movimento dos jovens tem sinalizado
mudanças na estrutura política a partir da compreensão que o comprometimento
com o meio ambiente irá impactar também nas relações comerciais. Os partidos
verdes têm se pronunciado na Europa.
Na
ocasião Greta previu que 2020 seria o ano da ação que entraríamos em uma nova
década que definirá nosso futuro. Contudo, a pandemia trouxe um novo foco, mas
não totalmente destituído dessa questão.
A pandemia da Covid-19 pode ser inserida no contexto do antropoceno (Gonçalvez
2020), Era geológica que se inicia com a industrialização e se intensifica com
a capacidade humana de interferir nos sistemas ecológicos, sendo as mudanças
climáticas uma das principais consequências. Neste contexto as pandemias são
mais eminentes tendo em vista a interferência na natureza e a movimentação pelo
planeta. Lembrando que temos muitos sinais anteriores como Ebola, Sars, Mers,
H1N1 que não cumpriram com a esperada pandemia, que vivemos atualmente. No caso
da Covid-19 além da ação direta na promoção do vírus transpor do animal para
humano devido os impactos do manejo, tem a susceptibilidade das pessoas ao
vírus em decorrência das suas vulnerabilidades físicas decorrentes da alteração
ambiental. E talvez o que de mais positivo o distanciamento social trouxe foi
presenciarmos como alguns dias de diminuição da atividade humana no planeta foi
possível constatar uma melhorar da qualidade do ar, da qualidade sonora, da
qualidade da água bem ilustrada nos canais de Veneza, e dos animais selvagens
que passaram a interagir com as cidades. Não fazer nada diante dessas
evidências pode ser sim uma grande imoralidade!
A sinergia entre a Bioética ambiental, ODS e
urgência ética
O impacto da industrialização e da globalização nas mudanças climáticas
tem sido alvo de debates e opiniões divergentes, mesmo diante das consequências
óbvias. Claro que devemos considerar que a própria alteração ambiental e o
crescimento desordenado das cidades diminuem a resiliência a esses fatores e
intensificam os danos.
Nas últimas
décadas personalidades que variaram de Algor a Greta mobilizou diferentes
segmentos sociais a conclamarem por uma agenda comunitária global. As
consequências das drásticas e intensas mudanças climáticas são difíceis se
imputarem um culpado e uma vítima, todos assumimos os dois papéis e isso
caracteriza a pauta da
Bioética ambiental: mediar o diálogo entre os
atores de uma questão complexa, global e plural. Os papeis de agente moral e
paciente moral se alternam dependendo da perspectiva hierarquia em que se
processa a esfera decisória, e justamente a multiplicidade de agentes morais
subsidiados por valores e interesses próprios retroalimentam as
vulnerabilidades em um ciclo contínuo de sofrimento moral. Essa concepção já
percorre os corredores da academia há quase 50 anos. Na década de 1970 muito se
discutiu sobre os excessos cometidos ao ambiente em nome da promoção da
revolução industrial. O término das grandes Guerras deixou lacunas de
tecnologia e processos de produção da indústria bélica que se voltaram para os
bens de consumo munindo o capitalismo e tornando o foco da maioria das nações.
A
Educação ambiental e a
Bioética
emergiram nessa época, justamente alertando ao mundo científico de que se algo
não fosse feito, se novos valores, paradigmas, perspectivas não fossem incorporados
a sobrevivência planetária seria severamente comprometida. Potter cunhou a
terminologia Bioética como a ética da sobrevivência! O diálogo entre as
ciências biomédicas e humanas em busca de valores comuns! Se por um lado essa perspectiva
ambiental não se sustentou na Bioética (que acabou se fortalecendo no segmento
médico), as práticas de educação ambiental foram prontamente incorporadas em
grandes eventos e acordos internacionais e em diretrizes e políticas públicas,
legislações foram construídas em prol da sustentabilidade. Na década de 2000 o
mundo se mobiliza em um acordo internacional sendo instituídos 8 objetivos para
serem alcançado em uma agenda até 2015. Contudo, a constatação que a ausência
da perspectiva de sustentabilidade não promoveu alcançar as metas, foram
propostos 17 novos objetivos que devem ser alcançados até 2030.
Esses objetivos são mais do que acordo entre
nações, são posturas individuais que se alcançam com a educação e inclusão. O
ponto mais notável é a redução das desigualdades entre as nações, povos e
pessoas que não têm as mesmas oportunidades de superarem seus desafios.
Especificamente o Objetivo no 13 versa sobre a
questão das mudanças climáticas, mas é necessário fazer a ressalva que serão
impactados por outras demandas como a pobreza e desigualdades socais. Em 2018 a
ação o Caminho do diálogo, que visa promover a conexão entre academia e ensino
básico discutiu os ods e existe um capítulo especialmente para essa questão de
Ana Laura Diniz Furlan, Fernanda Schneider e Lays Cherobim Parolin “Mudanças
climáticas: Que climão, hein?” que recomendo!
A globalização, o rápido desenvolvimento tecnológico e o capitalismo
imputaram nas sociedades problemas novos e desafiadores, pois não possuem
referenciais biológicos ou morais para qual a decisão mais sensata. É
justamente buscando remediar essa lacuna que a Bioética Ambiental se insere, na
busca de ouvir o outro e confluir interesses e valores em prol de uma solução
consensual e justa para todos. Nesse caminho a ferramenta é a comunicação,
alteridade, solidariedade. A urgência ética está justamente na compreensão da
necessidade de mudança de paradigma. Não é apenas compreender o problema e se
sensibilizar com as consequências, mas compreender racionalmente e emotivamente
como ator da questão e se posicionar criticamente com autonomia para que as
mudanças ocorram.
A Urgência Ética é inserida no princípio da responsabilidade de Hans
Jonas (valverde, 2017) e remete a mudanças de condutas que já não são optativas
ou realidades de alguns grupos sociais, são sim emergenciais, condicionais para
superação de um problema global. Ética pois remete a valores utilizados nas
decisões (em todos os níveis hierárquicos) de como, por que e quanto consumir,
diz respeito a sacrificar benefícios e interesses pessoais em prol de um
bem-comum, de uma coletividade. Logo, demanda de uma mudança de paradigmas de
toda uma sociedade, alcançado com somente com a reformulação em todos os
níveis!
As dualidades analisadas sob a perspectiva do autocuidado
Pode parecer estranho inserir o
autocuidado nessa narrativa, uma vez que o mesmo é compreendido na perspectiva
individual e física no gerenciamento das necessidades para manutenção do
organismo biológico. Todos os seres vivos praticam o autocuidado, e a
maturidade traz a expectativa de cada sujeito seja hábil de cuidar de si e do
outro. Contudo, sabemos que da perspectiva da saúde global não há existência isolada,
que a saúde depende de conexões entre corpo/mente/espirito
entre individuo/sociedade/ambiente, em
escalas locais/globais e que cuidar de si é não atribuir essa responsabilidade
pro outro, que cuidar do social é proporcionar para si e para o outro um
ambiente social acolhedor, que cuidar do ambiente é proporcionar um ambiente
saudável para todos aqueles que se conectam, tudo aquilo que Edwarda Wilson na
teoria da biofilia, Capra na perspectiva da “teia da vida” e
atualmente Harari com as 21 lições para sec
XXI que nos brinda com a reflexão de que a ausência de presença tem colocado o
ser humano vulnerável. Nessa nova realidade ter clareza dos fatos, condutas e
consequência é o poder. As pessoas estão preocupadas demais em resolver suas
urgências pessoais. Harari observa as grandes forças que dão forma às
sociedades em todo o mundo, e que provavelmente vão influenciar o futuro do
planeta como um todo. Para o autor, a mudança climática pode estar muito além
das preocupações de quem está em meio a uma emergência de vida ou morte, mas
pode futuramente tornar as favelas de Mumbai inabitáveis, enviar novas e
enormes levas de refugiados através do Mediterrâneo, e levar a uma crise mundial
dos serviços de saúde. Mudar a perspectiva de valores, interesses e cuidados do
individual para o coletivo é transpor de indivíduo para sujeito, o cidadão
autônomo e protagonista e sabe das suas responsabilidades e gerencia as
responsabilidades dos gestores nomeados para essa função, que liberta o futuro
de uma tragédia anunciada ou de um sonho encantado, mas que vislumbra na ação
comunitária, consciente, solidária, comprometida e presente a única forma de
alcançar um futuro factível para todos.
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Referências
GONZÁLEZ, Karla Zambrano. La Unión Europea ante la emergencia
climática. Anuario Español de Derecho Internacional, v. 36, p.
429-447, 2020.
GONÇALVES, Verônica Korber. Covid-19 e a emergência
climática: conexões e desafios. Le monde diplomatique Brasil. São
Paulo, SP.(17 abr. 2020), online., 2020.
VALVERDE, Antonio. Hans Jonas e o princípio
responsabilidade. Revista Dissertatio de Filosofia, p. 137-150,
2018.
https://www.crmpr.org.br/uploadAddress/O-Caminho-do-Dialogo-2[4100].pdf