ABORTO E BIOÉTICA: TIRE AS SANDÁLIAS



por Mário Antônio Sanches 


Retomo aqui o que é conhecido em Bioética: diante de uma gravidez fruto de estupro temos um conflito ético e para ele não há ótima solução, as soluções são sempre precárias e dolorosas. Há os que alardeiam que interromper tal gravidez é o certo a fazer, ignorando o valor e a dignidade do feto; outros afirmam que o certo é manter a vida das duas pessoas envolvidas a qualquer preço, ignorando totalmente a angústia que ser abusada pode significar e quão insuportável pode ser vivenciar uma gravidez imposta.

Como teólogo, ouço uma voz que soa 'tire as sandálias dos teus pés, pois o lugar é santo'. Sim a vida é santa, precisamos desnudar nossos pés para senti-la e andar lentamente para não a esmagar. É necessário sacar fora as botas das certezas, pois do alto de nossas firmes convicções podemos ferir quando precisávamos curar, podemos açoitar quando precisávamos acalentar.

Sem certezas, mas com reverência, passamos a palavra para quem vivencia o drama, para quem é vítima e precisa fazer algo para continuar sua saga. Só a mulher que foi abusada poderá dizer algo, só ela pode decidir. Ela não está onde gostaria, ela não optou por ser a vítima, isto lhe foi imposto. E as opções à sua frente é entre dor ou dor. Só ela pode dizer que dor ela tem condições de suportar.

Alguém disse que o direito brasileiro opta pela morte. Para este caso, eu digo que o direito é altivo, pois opta por respeitar a consciência da vítima e diz para a mulher: ‘não colocarei nas tuas costas fardos ainda mais pesados, escolha teu caminho e não serás punida’. Para certas coisas é necessário tomar posição: eu gosto de viver em um país onde uma mulher estuprada que aborta não é punida. Considero um absurdo imaginar que esta mulher mereceria prisão. É necessário desnudar nossos pés, caso contrário corremos o risco de sair do estábulo com nossas botas fétidas, direto para os tapetes brancos de um santuário e, ao invés de venerar, profanar o que é santo."