Medo gerado pelo COVID-19 passa a prejudicar a sobrevivência de morcegos da região do Peru

 Série Ensaios: Bioética Ambienta

 Por Caroline de Barros Rodrigues

Graduanda de Biologia


Os morcegos peruanos têm grande importância ecológica, sendo destacado seu papel na preservação dos parques e controle de pragas da agricultura. Mesmo com tal função, diversos casos de morcegos sendo mortos por pessoas no Peru tem sido reportados, como é retratado no artigo publicado pela ISTOÉ. Moradores tomaram tais atitudes com objetivo de controlar a transmissão do vírus SARS-Cov-2, e acreditam que estes pequenos mamíferos tenham ligação direta com o ocorrido.


Após a repercussão de que o novo coronavírus possa ser uma mutação de um vírus encontrado em morcegos da região de Wuhan, na China, a consequente associação dos morcegos locais com a dissipação do vírus resultou em certo estigma em torno dos Chiroptera. Podendo carregar diversas cepas de coronavírus e apresentando alta resistência aos mesmos, além de sua associação com a transmissão do SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), foram rapidamente linkados a nova pandemia. Os morcegos são considerados uma iguaria chinesa e são frequentemente comercializados e consumidos pela população local, fator que poderia ter desencadeado a propagação do vírus.

Além dos morcegos, outros animais foram associados a possível transmissão do COVID-19, estando entre eles o Pangolim, considerado o animal mais traficado do mundo e em alto risco de extinção, estando na red list da IUCN (CR). Como relatado pelo artigo da ISTOÉ, mesmo que o vírus mutado seja advindo de morcegos, as espécies existentes no Peru provavelmente não apresentariam a mesma mutação, não sendo considerados vetores, como retratado pelos especialistas do Serviço Nacional de Florestas e Fauna Silvestre do Peru. O Doutor em ecologia e especialista em quirópteros Itiberê Piaia Bernardi foi entrevistado (entrevista na íntegra aqui )para nos ajudar a entender mais sobre o assunto, afirmando que mesmo que diversos coronavírus possam ser encontrados em morcegos, o SARS-Cov-2 ainda não foi detectado em espécies silvestres, sendo que até o momento são existentes somente especulações ao redor do tema. Pelo risco causado aos animais do local, as autoridades afirmaram a retirada de mais de 200 morcegos da região, temendo que moradores viessem a tomar atitudes antiéticas, prejudicando os animais. Embora a rápida dissipação e gravidade da pandemia atual tenha trazido consigo uma onda de novas preocupações, é importante lembrar que a sua causa e origem não é comprovada.
A principal espécie relacionada a dispersão do SARS-Cov-2 é a Rhinolophus ferrumequinum, popularmente conhecida como morcego-de-ferradura-grande chinês. Estes animais noturnos apresentam hábito sedentário e são insetívoros, podendo chegar a 35 cm de comprimento. Embora sejam frequentemente associados a ataques e até mesmo a vampiros, a maior parte destes mamíferos voadores são frugívoros ou insetívoros. Como afirmado pelo especialista Itiberê P. Bernardi, a maior parte dos morcegos são insetívoros, os quais podem consumir larvas e lagartas de pragas da agricultura, trazendo benefícios a produção e evitando ou reduzindo o uso de inseticidas e químicos. No mundo todo, são encontradas mais de 1400 espécies de morcegos (182 no Brasil), sendo apenas três delas hematófagas (Desmodus rotundus, Diaemus youngi, Diphylla ecaudata), as quais obtém sua principal fonte de nutrientes pelo sangue, e da mesma forma não atacam o ser humano com frequência. Morcegos são animais de grande importância ecológica, sendo polinizadores, dispersores de sementes, atuando no controle de pragas, e tendo suas fezes como ricos fertilizantes. Além disso, morcegos nectarívoros contribuem largamente para a polinização de florestas, onde algumas plantas dependem exclusivamente destes animais para sua reprodução, como explica o Dr. Itiberê Piaia Bernardi.
Os morcegos são vítimas de ataques frequentes, causados principalmente pelo medo e desinformação. Embora sua aparência seja um pouco peculiar, são animais muito interessantes, e apresentam alta capacidade de adaptação. A crescente invasão de florestas e crescimento dos grandes centros levam a redução do hábitat de diversos animais, entre os quais se incluem os Quirópteros. Pela diminuição de áreas verdes, ocorre também a queda de fontes alimentares para tais mamíferos, que muitas vezes buscam alimento e abrigo nas cidades, ficando cada vez mais próximos aos seres humanos. No caso de morcegos hematófagos, estes podem passar a predar bovinos e pequenos animais em fazendas, porém, a pequena quantia consumida não causa impacto significativo na pecuária. A redução das populações de morcegos afetaria a biodiversidade, sendo o papel ecológico destes animais insubstituível, trazendo consigo ainda um imenso prejuízo econômico. Morcegos frugívoros atuam ainda na regeneração de áreas degradadas, sendo nossos aliados na conservação das florestas – Itiberê P. Bernardi.
Após analisar tudo o que estes pequenos mamíferos trazem de benefício, e o grande impacto que as metrópoles têm em seu modo de vida, é importante ressaltar que podem contribuem também para regularizar o clima, além de entende-lo, e que, por todos estes motivos devem ser protegidos, e não atacados.

A partir da necessidade de novos cuidados por conta da pandemia, foram adotadas novas medidas quanto as pesquisas de quirópteros, aonde é recomendada a prática de todas as medidas preventivas básicas, como o isolamento social, sendo aconselhado que novas pesquisas sejam iniciadas somente após o encerramento da quarentena. Visando a segurança dos pesquisadores foi publicado um protocolo pela Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros, o qual estabelece ações e providências a serem executadas em campo.
O ataque aos quirópteros não tem ocorrido somente no Peru, mas provavelmente no mundo todo, como afirma o Dr. Itibere Bernardi. O especialista ressalta que os mamíferos voadores são protegidos por lei, e que tem grande importância também para a área da saúde, já que a partir do estudo de seu sistema imune poderíamos conhecer e combater diferentes patógenos.
A morte dos morcegos faz parte de um conflito ético, ferindo a ética ambiental e animal e indo contra as próprias leis peruanas, as quais prezam pela conservação e proteção da vida animal, e condena qualquer ato que vá contra o bem estar e proteção destes, incluindo os animais silvestres. A “Ley de Protección y Bienestar Animal” ainda prevê que é um dever do cidadão zelar pelos animais, qualquer seja sua espécie, e evitar ao máximo que estes sejam feridos, sofram, sejam maltratados ou mortos.
Eu como estudante de Ciências Biológicas acredito que o ato praticado por tais cidadãos peruanos, além de prejudicar radicalmente os animais, acaba por afetar também o homem. Reduzir a população de morcegos na área poderia trazer grandes consequências para a economia local e agricultura, além de danos inestimáveis para o ecossistema.

O presente ensaio foi elaborado para o estágio em Bioética, tendo como base as obras:

ISTO É. Moradores no Peru estão matando morcegos por medo do coronavírus. 26 mar. 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/moradores-no-peru-estao-matando-morcegos-por-medo-do-novo-coronavirus/. Acesso em: 10 ago. 2020.
POL, André et al. Morcegos do Brasil. Disponível em: http://morcegosdobrasil.blogspot.com/. Acesso em: 10 ago. 2020.
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O ESTUDO DE QUIRÓPTEROS. Morcegos. Disponível em: https://www.sbeq.net/morcegos. Acesso em: 10 ago. 2020.
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O ESTUDO DE QUIRÓPTEROS. Notícias. Disponível em: https://www.sbeq.net/noticias. Acesso em: 10 ago. 2020.