Série
Ensaios: Bioética Ambiental
Por Aline Maran Brotto e Caroline Good
Mestrandas em Bioética
Para relacionar três princípios complexos, como o comunitarismo, o
utilitarismo e o princípio da diferença, buscou-se uma notícia que pudesse ser
observada por todos esse olhares, além instituir a temática das enchentes como
a ligação dessa rede de princípios, em que a bioética ilustra questões importantes
de vulnerabilidade, dignidade e justiça.
Em 2018 os Estados Unidos retomaram
sanções unilaterais contra o Irã, afetando, as transações financeiras e proibindo
as importações de tapetes e alimentos produzidos no Irã, ente outros. Em 2019, na capital do Irã, Teerã, o
ministro do Interior, Abdolreza Rahmani Fazli informou ao parlamento que as
inundações causaram prejuízos avaliados em US$ 2,5 bilhões, mais de 4.400
localidades em 25 das 31 províncias do Irã foram afetadas pelas inundações, que
causaram até agora 77 mortes. O governo do Irã denunciou que as sanções
impostas pelos Estados Unidos atrasaram a chegada de ajuda humanitária do
exterior ao país e impediu as doações em dinheiro.
Segundo Nisbet (1982, p. 13), o termo Comunidade
pode ser definido como “relações entre indivíduos que são marcadas por um alto
grau de intimidade pessoal, de coesão social ou compromisso moral, e de
continuidade no tempo”, dessa forma, consideramos aqui que o termo comunidade
pode se referir a um grupo de pessoas, família, país, estação ou nação. Will
Kymlicka (2003), aponta que um dos motivos pelos quais os ideais de comunidade
foram deixados de lado pelos intelectuais foi a pouca atenção que lhe foi dada
pela vertente predominante do pensamento liberal. O Estados Unidos, pode ser
reconhecido com país sob forte influência do pensamento liberal, com enfoque
nas liberdades individuais, Vita (2002) aponta as diferenças entre o
Liberalismo Igualitário e o Multiculturalismo em relação a políticas de
inclusão social, ações afirmativas e de admissão diferenciadas, apontando que
está diferença reside no método com o que o fazem, no Liberalismo essa politica
beneficia indivíduos e não grupos, mesmo que se espere efeitos positivos para o
grupo no geral. Mas não é o grupo
enquanto tal, como uma entidade coletiva, que é investido de um direito ou de
um tratamento diferenciado. Para Schmidt (2011) o adjetivo comunitário é
utilizado como uma forma de salvaguardar as intenções públicas e coletivas.
Etzioni (2007, p. 233), define o pensamento comunitarista
como aquele que se preocupa fundamentalmente com a comunidade – e não com o
Estado ou o mercado. Ou, em outras palavras, o pensamento que confere destaque
à comunidade na construção da boa sociedade. Daí serem aqui considerados
comunitaristas os autores que historicamente conferiram importância central à
comunidade na vida social. Para Schmidt (2011) este ideal traz valiosos
elementos para a construção de uma ordem socio política condizente com os mais
elevados ideais humanistas, democráticos, de inclusão social e de
desenvolvimento sustentável.
De acordo com as notícias aqui mencionadas, podemos
dizer que a uma contradição entre os ideias Liberais e Comunitários. Ao
considerar os interesses dos Estados Unidos, podemos dizer que há uma
preocupação com a sua comunidade, enquanto país, visto que é um dos mais
atingidos com ações terroristas, utilizadas como justificativa para efetivação
das sanções. Mas ao considerar uma comunidade global, as sanções econômicas
impostas ao Irã não atingem diretamente o que se quer combater – a produção de
armamentos bélicos – mas sim a cultura iraniana no geral, a excluindo do
panorama internacional global.
Podemos dizer que, ao imputar essas sanções há uma
preocupação com o Bem Comum e o princípio da Utilidade, ao passo que, este
prevê o maior benefício para o maior número de pessoas, a redução de atividades
nucleares trariam benefícios para todos, não somente para os Estados Unidos. Mas
ao se efetivar da forma como proposta aniquila-se a cultura, a exclui, a
vulnerabiliza. A exclusão econômica impede as transações com os demais países o
que o fragiliza também em suas relações internas e suas possibilidades de
desenvolvimento.
As sanções estão fazendo que o que país não receba,
ou tenha atraso na ajuda humanitária diante de um evento natural: as chuvas. Ao
considerar o ambiente como bem comum que deve ser protegido por todos
independente de seus interesses econômicos e políticos e a qual país se
pertence, as questões políticas deveriam ser deixadas de lado, ao se pensar no princípio
da utilidade, além do cuidado com o bem estar de uma comunidade agora
fragilizada em suas necessidades básicas.
No panorama entre Liberalismo e Comunitarismo, Schmidt
(2011) destaca seis tópicos em que observa um rol de ideias, noções e temas, que
geram uma espécie de núcleo do comunitarismo: (a) a comunidade é condição
ontológica do ser humano; (b) oposição ao individualismo e ao coletivismo; (c)
oposição ao gigantismo estatal; (d) primazia dos valores pessoais sobre os
valores do mercado; (e) subsidiariedade, poder local, associativismo e
autogestão; (f) fraternidade, igualdade e liberdade. Estes tópicos delimitam alguns
pontos para um referencial político e jurídico comunitarista, equidistante do
privatismo e do estatismo, tanto pelo que postulam quanto pelos limites que
estabelecem. O reconhecimento de que os excessos do Estado e do mercado não são
compatíveis com o ideal da boa sociedade, o reconhecimento do imprescindível
papel dos cidadãos organizados em comunidades e organizações e a emergência de
questões que são inquestionavelmente de preocupação comum, como a ecologia,
favorecem a atenção à mensagem comunitária.
Mediante o princípio da utilidade e da
diferença, percebe-se que ao mesmo tempo
que um mesmo evento beneficiou uma parte da população, ocasionou mortes e
perdas para outra. Quando pontua-se a questão voltada para as enchentes na
capital do Irã, leva-se também em conta que existe falta e mau uso da água no
país, bem como, a quantidade de água subterrânea diminuindo, juntamente com o
equilíbrio hídrico do país. Segundo dados do setor agrícola, cerca de 90% dos
recursos hídricos do país são destinados a agricultura, mantendo-se um uso de
distribuição e estoque inadequados.
Logo, as chuvas que aconteceram no Irã, foram benéficas para outras
regiões do país, que não sofreram enchentes, mas tiveram seus níveis de reservatórios
e aquíferos aumentados, segundo dados de noticias do país.
Por utilitarismo, entendo aqui a doutrina ética
segundo a qual a conduta objetivamente correta é, em quaisquer circunstâncias,
aquela que produzirá a maior quantidade de felicidade no todo, isto é, tendo em
conta todos aqueles cuja felicidade será afetada pela conduta (SIDGWICK, 2013,
p. 579).
Rawls estabelece que o utilitarismo se
preocupa em ampliar a utilidade – satisfação, pois este é o maior bem
estar. Mas o que gera bem estar e felicidade para um grupo de
pessoas, não necessariamente o faz com outro grupo. Logo, o utilitarismo não se
importa com a topografia que a utilidade se traduz para a
sociedade. Estabelecer o máximo de benefício possível aos menos
favorecidos é a ideia central do princípio da diferença, pois este, considera a
justiça enquanto equidade e olha para as desigualdades da sociedade (NEUBERGER, 2015).
O princípio da diferença sustenta a noção
de Raws, em que se considera aceitável apenas as desigualdades sociais
e econômicas que acarretem benefícios aos membros menos favorecidos da
sociedade. O princípio da diferença acaba por ser uma alternativa ao princípio
da utilidade (NEUBERGER, 2015, SIDGWICK, 2013).
O princípio da justiça coloca o bem
estar em vias primárias através do princípio da diferença como forma de
assegurar todas as pessoana sociedade, em especial os menos favorecidos, que
são os mais prejudicados (NEUBERGER, 2015).
O bem estar de moradores desta e outras regiões
quando se trata de chuvas, modifica-se, pois viver em uma região que pode ser
alagada dependendo da intensidade das chuvas acaba por se tornar um fator
gerador de mal estar psicológico, reproduzindo transtornos e síndromes devido a
questões emocionais, como distúrbios no sono, ansiedade e perda de apetite,
além das possíveis contaminações que a água poderá trazer consigo. Após a
experiência de ter seus bens levados pela enchente outras consequências também
se manifestam no período de chuvas, como rotina familiar e social durante o
período de reconstrução, além do contexto político e de ajuda humanitária que a
capital se encontra. Nesse momento também existem problemas voltados para a
busca de um abrigo, e que este seja seguro e acolha todos que necessitem,
oferecendo o mínimo necessário para a dignidade daqueles que perderam tudo (NEUBERGER,
2015, VITA, 1992).
Quando um grupo de pessoas passa por tal situação -
de enchentes, alagamento, perda de bens financeiros e vidas - é importante haver orientações por parte de
autoridades da saúde, pois a comunidade está exposta a inúmeras vulnerabilidades,
e é importante resgatar o bem estar de todos (VIRA, 1992).
A teoria utilitarista aponta uma série de critérios
com o intuito de ampliar a utilidade pública, como o dinheiro. Já o que se
refere a teoria comunitarista, é possível perceber que o seu conteúdo prima por
uma distribuição semelhante pelo que diz respeito aos benefícios e encargos
sociais. Logo, a bioética ambiental, observará e estimulará uma reflexão
teórico prática com esses e outros princípios, mediante as situações que acontecem
no meio ambiente, e que refletem na saúde do planeta como um todo. Existem
ainda, vários desafios sobre as intervenções que são realizadas ou esquecidas
pelo ser humano, em relação ao meio ambiente, como neste caso as enchentes
(FREITAS, XIMENES, 2012; CASSOL, QUINTANA, 2012).
CASSOL, P.
B., QUINTANA, A. M. A
contribuição da bioética na preservação ambiental e na saúde. Monografias
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