sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Bioética e Educação Fundamental



Palestra Congresso Brasileiro de Bioética – 2019
Mesa Redonda: Bioética e Educação
Bioética e Educação no Ensino Fundamental

A inserção da Bioética na Educação se constitui de uma das linhas de atuação do grupo de Pesquisa em Bioética Ambiental em sinergia com o grupo Bioética e Educação ambos associados ao PPGB da PUCPR.
A fala de hoje tem o propósito de mostrar o olhar da nossa pesquisa para esse segmento. Nosso ponto de partida é a Bioética da perspectiva de Potter, a busca por uma nova sabedoria! ("Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.”) (Van Rensselaer Potter, Bioethics. Bridge to the future. 1971). Sabedoria pode ser definida como um acúmulo de conhecimento que é construído com educação. Educação que propõe não apenas uma transmissão de conhecimento ou uma sensibilização para uma questão, mas que almeja uma mudança de atitude e de paradigmas. Visiona a conscientização não apenas de que uma questão existe, mas de que o sujeito faz parte dessa questão, que é agente moral, logo igualmente responsável pela busca de soluções.
O segundo balizador é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos  (.”..De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética”) que orienta para uma educação em Bioética em todos os níveis.
Partindo da reflexão desses pontos fomos até a literatura para nos certificarmos de como estava sendo encaminhado esses propósitos. Considerando os quase 50 anos da Bioética, compreendemos que as primeiras ações nesse sentido focaram o stricto e lato sensu, ou seja, tanto a formação continuada quanto a formação especializada em Bioética e a formação de propagadores.  Fora desse universo o próximo foco foi na graduação e em menor quantidade em cursos profissionalizantes, no qual inúmeros estudos foram publicados trazendo metodologias e comprovando a necessidade da inserção da bioética nos cursos da área da saúde a fim de subsidiar uma atuação profissional mais humanitária e antenada com as demandas contemporâneas.  A atuação no ensino básico só agora nos últimos anos começa a se tornar uma preocupação e fonte de intervenção e pesquisa, principalmente em decorrência de ser atestado com as pesquisas pregressas, que para construirmos cidadãos aptos para se posicionarem diante dos problemas bioéticos, se fazia necessário prover a uma educação moral e cultivar valores como respeito, cuidado e sustentabilidade desde o início de sua educação.  
Além do ensino em Bioética envolver a contextualização histórica e os princípios norteadores da atuação, alguns métodos como o uso de situação problemas ou dilemas morais são clássicos por inserirem o estudante no contexto deliberativo, complementarmente trabalha-se frequentemente o debate ou fóruns a fim de promover e estimular o diálogo. Contudo, novas metodologias como uso do ambiente virtual, a simulação e as artes (principalmente o cinema) estão sendo incorporadas no dia a dia da atuação do Bioeticista na educação.
Essas metodologias embora sejam eficientes para um público adulto, é mais difícil de trabalhar em um público de jovens principalmente de crianças que não tem capacidades cognitivas de abstração desenvolvidas.
Devido a educação base representar os alicerces da bioética entendemos que se deve trabalhar a perspectiva bioética intrinsecamente considerando as questões contemporâneas decorrentes do desenvolvimento tecnológico e que se caracterizam pela sua natureza complexa, global e plural e que a bioética se propõe o papel de ponte promotora do diálogo, balizada pelo valor que é a vida e a vida com a qualidade, logo desempenhando o papel de identificação e mitigação de vulnerabilidades.
A partir desta constatação nosso caminho foi angariando certas compreensões que irei apresentar aqui. Primeiro a importância de diagnosticar as representações, então buscar por um instrumento que permita uma comunicação sem ruídos com as crianças e que seja hábil em identificar a eficiência das intervenções. Que no nosso caso começou com o desenvolvimento moral pensando em um público adulto, mas que ser mostrou inviável para as crianças e que nos conduziu a elaborar e validar outros métodos como o debate, as histórias em quadrinhos e o teatro. Todo esse percurso ele foi realizado em parceria com os alunos do nosso programa. E que eu irei brevemente apresentar atentando para pontos mais relevantes.
O primeiro trabalho foi sobre a representação de BEA por estudantes do ensino básico associado com a avaliação da representação animal na time line do facebook de diferentes usuários. Uma utilização da imagem do animal antropocêntrica/utilitarista e um posicionamento do estudante muito baseado no senso comum, mas com indicativo de uma abertura para se trabalhar essas questões, como é possível identificar na fala (“Os animais precisam ter seu habitat natural, sem maltrato. Eles precisam ser livres, temos que cuidar bem deles, porque se maltratarmos os animais, eles guardam esse acontecimento, que pode deixá-los tristes ou com raiva” “Os cachorros são amigos do ser humano, eles nos acompanham a qualquer lugar. O cachorro tem sempre a característica do dono, por exemplo: se o dono for alegre, o cachorro também é alegre”). O que ficou mais obvio dessa pesquisa é que o estudante e futuro cidadão precisa ser capacitado para transitar pelo mar de informações e argumentações dos nossos dias. Caso contrário ele será refém de um sistema que tem trazido muito sofrimento e confusão.  
A partir dos resultados dessa pesquisa tivemos como meta a busca por instrumentos que permitissem avaliar a compreensão do estudante para o propósito da intervenção e nos deparamos com as escalas de desenvolvimento moral de Kohlberg, que se mostraram compatíveis com propósitos da Bioética, no que tange o amadurecimento moral desses estudantes. Essa ferramenta foi aplicada em inúmeras pesquisas nossas com graduandos e permitiu acessar o amadurecimento comparando com outras expressões cognitivas. Segundo a teoria, o julgamento do certo e errado amadurece concomitante ao amadurecimento cognitivo, sendo que todo ser humano deve passar por seis níveis dispostos em 3 estágios (pré-convencional – convencional e pós-convencional) sendo que nos quatro primeiros se usam condicionantes externos e referenciais internos como punição, interesse, avaliação social e legislação. No último estágio o indivíduo se transforma em sujeito e é capaz de transpor seus interesses e se ver integrado ao social. Embora esse desenvolvimento tenha relação com idade cronológica, as pessoas podem estar em estágios mais ou menos amadurecidos dependendo da área de atuação da maturidade.  Segundo pesquisas nesse segmento o amadurecimento moral se alcança com a experiencia, viver a situação e principalmente presenciar como sujeitos moralmente mais maduros se posicionam diante das questões.
Contudo, a proposta de se trabalhar com crianças trazia o obstáculo do desenvolvimento do pensamento abstrato. Nossa primeira intervenção com as crianças foi em uma atividade não formal, denominada caminho do diálogo (veja livro e artigo), cujas crianças vieram até a Universidade onde encontram 10 árvores da vida com temas próprios da bioética tais como família, espiritualidade, vulnerabilidade, pesquisa com animais e pessoas, biodireito e educação e junto com professores, mestrandos e graduandos, debateram na sombra das árvores exercendo o ouvir o outro e refletirem em soluções consensuais. Algumas frases dos alunos que participaram “Concordância com uso de animais em aula e pesquisa, desde que tenham morrido naturalmente“...a ação nos fez querer ser melhores, repensar nossos atos, hábitos e conceitos” “...aprendemos como cada pessoa tem sua opinião dentro de casa e como melhorar a convivência, respeitando ao próximo”.
Ano passado demos continuidade a essa atividade e realizando a segunda versão, agora para ensino médio e a confluência com as ODS. Mas embora conseguíssemos elaborar e aplicar uma intervenção ainda sentimos falta de um instrumento capaz de avaliar os resultados da intervenção.
Nossa próxima atuação procurou validar uma atividade de Bioética Ambiental desenvolvida em uma escola estadual do município de São José dos Pinhais. No Batalhão Mirim, projeto formiguinhas o nosso mestrando e um dos ganhadores do prêmio Jovem Bioeticista, trabalhou durante dois anos com as crianças desenvolvendo valores como cooperação, cuidado, sustentabilidade, em atividades envolvendo reciclagem à horta. O projeto previa o envolvimento com a família e a comunidade, na multiplicação desses valores. Com a horta o professor trabalhava a cooperação, o respeito pelos ciclos e o cuidado. A interação com a natureza e os sentidos. O desenvolvimento desses valores nas crianças foi monitorado, assim como a continuidade após a intervenção e o envolvimento com a família. Além do grupo focal um pré-teste e um pós-teste foi aplicado.
Já pensando na dificuldade em elaborar suas percepções ou compreender um instrumento escrito, propomos um instrumento para avaliação constituído por uma HQ em que os estudantes deveriam escolher o melhor desfecho, e esses associados com escalas de relação com a natureza publicadas.
No próximo estudo buscamos desenvolver uma ferramenta especialmente para atestar uma ferramenta de intervenção. Passamos por várias etapas, desde a construção de um instrumento baseado nos níveis de desenvolvimento moral e nas correstes éticas aplicados para estudantes de biologia e psicologia, sendo que os primeiros representavam uma maior empatia com animais e os segundos com pessoas. Foram dois instrumentos, com duas formas de pesquisa e uma avaliação dos instrumentos, posteriormente os mesmos foram ajustados e transformados em histórias em quadrinhos. Depois foram avaliados por uma banca de profissionais especialistas em diferentes áreas. Na sequência aplicado em crianças para seleção dos desfechos presenciais e só então aplicado. A ação foi no zoológico em que as crianças passavam pelos recintos e em alguns deles (metade com muito e metade com pouco comprometimento ao BEA) os alunos avaliavam a qualidade. O pré-teste (um desenho) e um pós teste era aplicado para colocar em ordem os desfechos preferenciais. Para verificar se as crianças conseguiriam transpor as questões dos zoológicos era verificado o posicionamento com relação a humanização dos animais.
No nosso último trabalho avaliamos o teatro como uma ferramenta para trabalhar os dilemas morais com as crianças, testando a hipótese que a criança conseguiria compreender o papel da bioética independente se atuava, participava durante a peça ou era apenas expectadora. Utilizamos o dilema moral do moranguinho com agrotóxicos. O mestrando trabalho um semestre com as crianças. O dilema considera uma pessoa que está vendendo moranguinhos com agrotóxicos para ajudar a família. A adaptação da peça considerou que o Potter tinha ido para o futuro e era muito ruim, ele precisava ter um respirador artificial, o homem tinha destruído tudo. Então ele voltou para o passado para ver o que as crianças estavam fazendo pelo futuro.  E ele encontrou um menino vendendo moranguinhos com agrotóxicos, no texto tratou questões de vulnerabilidade e trabalho infantil, pois o pai tinha ficado doente e ele precisava a ajudar. A professora pede para ele voltar para escola, ele diz que não pode, pois não tem médico na cidade para atender seu pai. Se discute a questão das responsabilidades. Do consumidor que descobre que os morangos estão contaminados e na narrativa um agricultou de orgânico diz que é possível sim produzir com qualidade. O Potter dialoga com eles e com a plateia. No final deixa uma mensagem de otimismo e de motivação. Logo após a peça os três grupos passaram pelo pós-teste. Foi pedido para eles continuarem a história... você é adulto está no futuro, andando, lá na frente você vê o Potter e vai caminhando na direção dele.  O que você vê ao seu redor? Quais são as injustiças que você vê? O que você faz? Chegando perto de Potter o que você diz pra ele?
                Aqui temos o exemplo de um pré-teste em que o aluno, assim como a maioria dos outros estudantes, imaginava um futuro distante, tecnológico e individualista. Nada de natureza, cidades poluindo. Cada um com seu robô.  Depois da pela o aluno fez um cenário bem parecido, parecia o mesmo lugar, mas agora tem cidade e natureza juntos, tem robôs, mas os humanos interagem com a natureza. Tem carro, mas ele ajuda a recolher o lixo. E o que a crianças diriam para Potter? Desculpa aí. A gente conseguiu muitas o muito. Obrigado por você ter voltado e avisado a gente.
Por fim, o que dizemos para uma criança sobre a bioética:  Bioética não é uma Ciência distante de você... A Bioética te enxerga... Vê teus sonhos, teus medos e as injustiças que te acometem. A Bioética te ouve... E ouve todos aqueles que vivem contigo – sem julgamentos. A Bioética traduz o que o outro não consegue entender - todos conversam sobre os problemas e juntos buscam uma solução boa para todos. A Bioética existe para cuidar de toda forma de vida, desta e de futuras gerações. Os valores e Princípios Bioéticos caminham juntos contigo e ajudam a te transformar em um cidadão crítico, autônomo, protagonista e responsável



Bioética e Educação Fundamental de Marta Fischer

Nenhum comentário:

Postar um comentário