Palestra Congresso Brasileiro
de Bioética – 2019
Mesa Redonda: Bioética e Educação
Bioética e Educação no Ensino Fundamental
A
inserção da Bioética na Educação se constitui de uma das linhas de atuação do
grupo de Pesquisa em Bioética Ambiental em sinergia com o grupo Bioética e
Educação ambos associados ao PPGB da PUCPR.
A
fala de hoje tem o propósito de mostrar o olhar da nossa pesquisa para esse
segmento. Nosso ponto de partida é a Bioética da perspectiva de Potter, a busca
por uma nova sabedoria! ("Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os
dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão
desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.”) (Van Rensselaer
Potter, Bioethics. Bridge to the future. 1971). Sabedoria pode ser definida como um acúmulo de
conhecimento que é construído com educação. Educação que propõe não apenas uma
transmissão de conhecimento ou uma sensibilização para uma questão, mas que
almeja uma mudança de atitude e de paradigmas. Visiona a conscientização não
apenas de que uma questão existe, mas de que o sujeito faz parte dessa questão,
que é agente moral, logo igualmente responsável pela busca de soluções.
O
segundo balizador é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (.”..De modo a promover os princípios estabelecidos na
presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas
dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados
devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos
os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e
conhecimento sobre bioética”)
que orienta para uma educação em Bioética em todos os níveis.
Partindo
da reflexão desses pontos fomos até a literatura para nos certificarmos de como
estava sendo encaminhado esses propósitos. Considerando os quase 50 anos da Bioética,
compreendemos que as primeiras ações nesse sentido focaram o stricto e lato sensu, ou seja, tanto a formação continuada quanto a formação
especializada em Bioética e a formação de propagadores. Fora desse universo o próximo foco foi na
graduação e em menor quantidade em cursos profissionalizantes, no qual inúmeros
estudos foram publicados trazendo metodologias e comprovando a necessidade da
inserção da bioética nos cursos da área da saúde a fim de subsidiar uma atuação
profissional mais humanitária e antenada com as demandas contemporâneas. A atuação no ensino básico só agora nos
últimos anos começa a se tornar uma preocupação e fonte de intervenção e
pesquisa, principalmente em decorrência de ser atestado com as pesquisas
pregressas, que para construirmos cidadãos aptos para se posicionarem diante
dos problemas bioéticos, se fazia necessário prover a uma educação moral e
cultivar valores como respeito, cuidado e sustentabilidade desde o início de
sua educação.
Além
do ensino em Bioética envolver a contextualização histórica e os princípios
norteadores da atuação, alguns métodos como o uso de situação problemas ou
dilemas morais são clássicos por inserirem o estudante no contexto
deliberativo, complementarmente trabalha-se frequentemente o debate ou fóruns a
fim de promover e estimular o diálogo. Contudo, novas metodologias como uso do
ambiente virtual, a simulação e as artes (principalmente o cinema) estão sendo
incorporadas no dia a dia da atuação do Bioeticista na educação.
Essas
metodologias embora sejam eficientes para um público adulto, é mais difícil de
trabalhar em um público de jovens principalmente de crianças que não tem
capacidades cognitivas de abstração desenvolvidas.
Devido
a educação base representar os alicerces da bioética entendemos que se deve
trabalhar a perspectiva bioética intrinsecamente considerando as questões contemporâneas
decorrentes do desenvolvimento tecnológico e que se caracterizam pela sua
natureza complexa, global e plural e que a bioética se propõe o papel de ponte
promotora do diálogo, balizada pelo valor que é a vida e a vida com a
qualidade, logo desempenhando o papel de identificação e mitigação de
vulnerabilidades.
A
partir desta constatação nosso caminho foi angariando certas compreensões que
irei apresentar aqui. Primeiro a importância de diagnosticar as representações,
então buscar por um instrumento que permita uma comunicação sem ruídos com as crianças
e que seja hábil em identificar a eficiência das intervenções. Que no nosso
caso começou com o desenvolvimento moral pensando em um público adulto, mas que
ser mostrou inviável para as crianças e que nos conduziu a elaborar e validar
outros métodos como o debate, as histórias em quadrinhos e o teatro. Todo esse
percurso ele foi realizado em parceria com os alunos do nosso programa. E que
eu irei brevemente apresentar atentando para pontos mais relevantes.
O
primeiro trabalho foi sobre a representação de BEA por
estudantes do ensino básico associado com a avaliação da representação animal
na time line do facebook de diferentes usuários. Uma utilização da imagem do animal
antropocêntrica/utilitarista e um posicionamento do estudante muito baseado no
senso comum, mas com indicativo de uma abertura para se trabalhar essas
questões, como é possível identificar na fala (“Os
animais precisam ter seu habitat natural, sem maltrato. Eles precisam ser
livres, temos que cuidar bem deles, porque se maltratarmos os animais, eles
guardam esse acontecimento, que pode deixá-los tristes ou com raiva” “Os
cachorros são amigos do ser humano, eles nos acompanham a qualquer lugar. O
cachorro tem sempre a característica do dono, por exemplo: se o dono for
alegre, o cachorro também é alegre”). O
que ficou mais obvio dessa pesquisa é que o estudante e futuro cidadão precisa
ser capacitado para transitar pelo mar de informações e argumentações dos nossos
dias. Caso contrário ele será refém de um sistema que tem trazido muito
sofrimento e confusão.
A
partir dos resultados dessa pesquisa tivemos como meta a busca por instrumentos
que permitissem avaliar a compreensão do estudante para o propósito da
intervenção e nos deparamos com as escalas de desenvolvimento moral de
Kohlberg, que se mostraram compatíveis com propósitos da Bioética, no que tange
o amadurecimento moral desses estudantes. Essa ferramenta foi aplicada em inúmeras
pesquisas nossas com graduandos e permitiu acessar o amadurecimento comparando
com outras expressões cognitivas. Segundo a teoria, o julgamento do certo e
errado amadurece concomitante ao amadurecimento cognitivo, sendo que todo ser
humano deve passar por seis níveis dispostos em 3 estágios (pré-convencional –
convencional e pós-convencional) sendo que nos quatro primeiros se usam
condicionantes externos e referenciais internos como punição, interesse,
avaliação social e legislação. No último estágio o indivíduo se transforma em
sujeito e é capaz de transpor seus interesses e se ver integrado ao social.
Embora esse desenvolvimento tenha relação com idade cronológica, as pessoas
podem estar em estágios mais ou menos amadurecidos dependendo da área de
atuação da maturidade. Segundo pesquisas
nesse segmento o amadurecimento moral se alcança com a experiencia, viver a
situação e principalmente presenciar como sujeitos moralmente mais maduros se
posicionam diante das questões.
Contudo,
a proposta de se trabalhar com crianças trazia o obstáculo do desenvolvimento
do pensamento abstrato. Nossa primeira intervenção com as crianças foi em uma
atividade não formal, denominada caminho do diálogo (veja livro e artigo), cujas crianças vieram até a
Universidade onde encontram 10 árvores da vida com temas próprios da bioética
tais como família, espiritualidade, vulnerabilidade, pesquisa com animais e
pessoas, biodireito e educação e junto com professores, mestrandos e
graduandos, debateram na sombra das árvores exercendo o ouvir o outro e
refletirem em soluções consensuais. Algumas frases dos alunos que participaram
“Concordância
com uso de animais em aula e pesquisa, desde que tenham morrido naturalmente” “...a ação nos fez querer ser melhores,
repensar nossos atos, hábitos e conceitos” “...aprendemos como cada pessoa tem
sua opinião dentro de casa e como melhorar a convivência, respeitando ao
próximo”.
Ano
passado demos continuidade a essa atividade e realizando a segunda versão, agora
para ensino médio e a confluência com as ODS. Mas embora conseguíssemos
elaborar e aplicar uma intervenção ainda sentimos falta de um instrumento capaz
de avaliar os resultados da intervenção.
Nossa
próxima atuação procurou validar uma atividade de Bioética Ambiental
desenvolvida em uma escola estadual do município de São José dos Pinhais. No
Batalhão Mirim, projeto formiguinhas o nosso mestrando e um dos ganhadores do
prêmio Jovem Bioeticista, trabalhou durante dois anos com as crianças
desenvolvendo valores como cooperação, cuidado, sustentabilidade, em atividades
envolvendo reciclagem à horta. O projeto previa o envolvimento com a família e
a comunidade, na multiplicação desses valores. Com a horta o professor
trabalhava a cooperação, o respeito pelos ciclos e o cuidado. A interação com a
natureza e os sentidos. O desenvolvimento desses valores nas crianças foi
monitorado, assim como a continuidade após a intervenção e o envolvimento com a
família. Além do grupo focal um pré-teste e um pós-teste foi aplicado.
Já
pensando na dificuldade em elaborar suas percepções ou compreender um
instrumento escrito, propomos um instrumento para avaliação constituído por uma
HQ em que os estudantes deveriam escolher o melhor desfecho, e esses associados
com escalas de relação com a natureza publicadas.
No
próximo estudo buscamos desenvolver uma ferramenta especialmente para atestar
uma ferramenta de intervenção. Passamos por várias etapas, desde a construção
de um instrumento baseado nos níveis de desenvolvimento moral e nas correstes
éticas aplicados para estudantes de biologia e psicologia, sendo que os
primeiros representavam uma maior empatia com animais e os segundos com
pessoas. Foram dois instrumentos, com duas formas de pesquisa e uma avaliação
dos instrumentos, posteriormente os mesmos foram ajustados e transformados em
histórias em quadrinhos. Depois foram avaliados por uma banca de profissionais
especialistas em diferentes áreas. Na sequência aplicado em crianças para
seleção dos desfechos presenciais e só então aplicado. A ação foi no zoológico
em que as crianças passavam pelos recintos e em alguns deles (metade com muito
e metade com pouco comprometimento ao BEA) os alunos avaliavam a qualidade. O pré-teste
(um desenho) e um pós teste era aplicado para colocar em ordem os desfechos
preferenciais. Para verificar se as crianças conseguiriam transpor as questões
dos zoológicos era verificado o posicionamento com relação a humanização dos
animais.
No
nosso último trabalho avaliamos o teatro como uma ferramenta para trabalhar os
dilemas morais com as crianças, testando a hipótese que a criança conseguiria
compreender o papel da bioética independente se atuava, participava durante a
peça ou era apenas expectadora. Utilizamos o dilema moral do moranguinho com
agrotóxicos. O mestrando trabalho um semestre com as crianças. O dilema
considera uma pessoa que está vendendo moranguinhos com agrotóxicos para ajudar
a família. A adaptação da peça considerou que o Potter tinha ido para o futuro
e era muito ruim, ele precisava ter um respirador artificial, o homem tinha
destruído tudo. Então ele voltou para o passado para ver o que as crianças
estavam fazendo pelo futuro. E ele
encontrou um menino vendendo moranguinhos com agrotóxicos, no texto tratou
questões de vulnerabilidade e trabalho infantil, pois o pai tinha ficado doente
e ele precisava a ajudar. A professora pede para ele voltar para escola, ele
diz que não pode, pois não tem médico na cidade para atender seu pai. Se
discute a questão das responsabilidades. Do consumidor que descobre que os
morangos estão contaminados e na narrativa um agricultou de orgânico diz que é
possível sim produzir com qualidade. O Potter dialoga com eles e com a plateia.
No final deixa uma mensagem de otimismo e de motivação. Logo após a peça os
três grupos passaram pelo pós-teste. Foi pedido para eles continuarem a
história... você é adulto está no futuro, andando, lá na frente você vê o
Potter e vai caminhando na direção dele.
O que você vê ao seu redor? Quais são as injustiças que você vê? O que
você faz? Chegando perto de Potter o que você diz pra ele?
Aqui temos o exemplo de um pré-teste
em que o aluno, assim como a maioria dos outros estudantes, imaginava um futuro
distante, tecnológico e individualista. Nada de natureza, cidades poluindo.
Cada um com seu robô. Depois da pela o
aluno fez um cenário bem parecido, parecia o mesmo lugar, mas agora tem cidade
e natureza juntos, tem robôs, mas os humanos interagem com a natureza. Tem
carro, mas ele ajuda a recolher o lixo. E o que a crianças diriam para Potter?
Desculpa aí. A gente conseguiu muitas o muito. Obrigado por você ter voltado e
avisado a gente.
Por fim, o que dizemos para uma
criança sobre a bioética: Bioética não é
uma Ciência distante de você... A Bioética te enxerga... Vê teus sonhos, teus
medos e as injustiças que te acometem. A Bioética te ouve... E ouve todos
aqueles que vivem contigo – sem julgamentos. A Bioética traduz o que o outro
não consegue entender - todos conversam sobre os problemas e juntos buscam uma
solução boa para todos. A Bioética existe para cuidar de toda forma de vida,
desta e de futuras gerações. Os valores e Princípios Bioéticos caminham juntos
contigo e ajudam a te transformar em um cidadão crítico, autônomo, protagonista
e responsável
Bioética e Educação Fundamental de Marta Fischer
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