Por Renê
Skaraboto
Biólogo e discente do curso de
especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental
Em junho deste ano uma
notícia abalou a comunidade defensora dos animais. O Canadá, país conhecido por
sua legislação proibitiva em relação as práticas zoofílicas, absolveu
um réu acusado de praticar bestialismo. Isso ocorreu graças a interpretação
do juiz da Suprema Corte do Canadá que afirmou que o ato não teria sido
consumado, pois não havia ocorrido penetração. Os juristas e advogados
canadenses vêm discutindo essa decisão, na tentativa de definir as reais
consequências dessa ação para a comunidade. Isso é um reflexo da falta de
informações sérias e corretas sobre o assunto, o que deixa o poder público perdido
e a população em choque.
Em uma breve busca pela internet sobre o
tema zoofilia
somos direcionados para diversas páginas pornográficas com vídeos de relações
sexuais interespecíficas entre seres humanos e inúmeros outros animais.
Aprofundando mais a pesquisa, é possível encontrar algumas informações mais
sérias sobre o assunto, como artigos
científicos e matérias de revistas
especializadas em comportamento sexual humano. Porém a maioria dos dados
disponíveis traz uma visão unilateral e preconceituosa da zoofilia, pautada no
senso-comum. Esses trabalhos retratam o zoófilo como estuprador, causador de
maus-tratos aos animais e/ou com distúrbios mentais (Bering, 2013). Uma
visão muito simplista e popular, haja visto que estes trabalhos são escritos
por cientistas e pesquisadores, que por sua vez, deveriam buscar o conhecimento
através da comparação de diversos fatores. Como biólogo irei apresentar o outro
lado desse delicado tema, a fim de embasar uma discussão mais justa e
plurilateral.
O relacionamento interespecífico entre o
Homem e Animais é muito mais presente em nossa história do que se relata. Mitologias
antigas apresentam alguns desses encontros, como por exemplo, a concepção do Minotauro e
as relações entre sátiros
e humanos. Seres fantásticos como centauros, sereias e diversos deuses egípcios
possuem representações que fundem animais aos humanos (Dalla,
2015). No folclore brasileiro também encontramos relatos intrigantes ao
lermos a lenda
do boto cor-de-rosa. Até mesmo no mundo dos desenhos animados é possível se
identificar características zoofílicas, como nos longas-metragens “A
Bela e a Fera”, “A
Pequena Sereia” e “Uma
Cilada para Roger Rabbit”. O erotismo humano possui infiltrações
animalescas, como as coelhinhas da Playboy,
as “cachorras”
do Funk Carioca e bem como as terminologias alternativas para as genitálias
humanas: periquita, perereca, pinto, peru, dentre outras. A relação de amor
entre os tutores e seus pets se assemelha, às vezes, muito mais ao tratamento
entre namorados do que entre pais e filhos.
As distâncias que separam os seres
humanos dos restantes dos animais, muito mais do que evidências perceptuais ou
de caráter espiritual, estão profundamente vinculadas a questões culturais (Dalla,
1991). É só comparar o que uma vaca significa para uma pessoa
ocidental cristã e para um indiano
hinduísta, bem como um cachorro para um camponês
chinês e logo é possível observar que existem grandes divergências nos
pontos de vista.
Com essas informações, podemos elaborar
um perfil diferente para um zoófilo. Até então se acreditava, que essas
práticas eram realizadas por homens
de vida rural, sem escolaridade, com poucos (ou nenhum) atrativos para
conseguir uma parceira humana e com isso mantinham relações com seus animais
para satisfazer o instinto (Kinsey,
1948). Mas em um estudo de caso realizado pelos psicólogos Earls
e Lalumière (2009), foi relatado a história de um homem de 47 anos, bem-sucedido
(doutor em medicina), aparentemente bem ajustado e de criação urbana, que possuía
atração sexual por éguas desde a infância. Isso altera a visão anterior e
apresenta que um ser humano pode ter uma “orientação sexual interespecífica”.
Outra característica que é muito
difundida e usada para definir todo e qualquer zoófilo são as práticas
abomináveis (e criminosas) dos zoosádicos,
onde o prazer está na ação de causar dor aos animais. Essas atividades são
veemente condenadas pelos zooerastas,
que na sua maioria, se auto intitulam como grandes defensores do bem-estar
animal (Bering, 2013) Isso é justificado pelos amantes interespecíficos, pelo
fato deles verem seus animais como namorados(as) ou maridos/esposas mantendo o
mesmo respeito e cuidado que deveriam ter com o equivalente humano.
As relações sexuais interespecíficas,
como as “tradicionais”, podem ser mantidas de diversas formas. Primeiramente,
elas podem ser tanto heterossexuais como homossexuais, sendo praticadas por
ambos os sexos humanos. O prazer do ator humano pode ser alcançado de
diferentes formas, através das práticas de masturbação, voyeurismo e em casos
de compatibilidade anatômica, com penetração. Os zoófilos afirmam que essas
relações são consensuais para ambas as partes (Williams
e Weinberg, 2003).
Fazendo uma pequena inversão dos papéis,
temos o caso do gorila norte-americano Koko, que cativado
por humanos, aprendeu a se comunicar através de sinais. Apesar de ser um
“animal”, devido a sua criação ser altamente antropitizada, não foi surpresa
que em um dado momento Koko pediu que suas criadoras retirassem o sutiã para que
ele visse o que havia embaixo. Koko, devido a sua natureza, estava sendo de
certa forma antropófilo. Outro exemplo dessa inversão, pode ser testemunhado
por qualquer tutor de um cachorro macho, que em algumas circunstâncias, pode
ser mal interpretado por seu pet e este por sua vez encarar um carinho como um
avanço sexual (DALLA, 2015). Relações sexuais interespecíficas não é uma
exclusividade humana, podendo ser observado em golfinhos, lobos-marinhos e até
mesmo em outros símios.
Sendo a favor ou contra à Zoofilia, o
fato é que ela existe e ainda é muito pouco estudada devidamente. Como outrora,
o homossexualismo
foi trato como doença ou promiscuidade, será que a zooerastia poderá ser
considerado como uma genuína orientação sexual humana? E o bem-estar animal
estará devidamente resguardado?
Eu como Biólogo e futuro especialista em
Conservação da Natureza e Educação Ambiental acredito que hoje devido ao
cabresto colocado sobre o assunto zoofilia, muitos animais estão sofrendo maus-tratos
(e.g. os milhares de filmes pornográficos brasileiros com animais). É
necessário acabar com essa marginalização do zoófilo e para isso estudos
sérios, plurilaterais e realmente compromissados com a verdade devem ser
realizados, a fim de se descobrir mais sobre a real origem dessa preferência
sexual, pois a partir daí teremos condições de darmos soluções eficazes e
concretas a proteção do bem-estar dos animais.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética no
Uso de Animais e Bem-estar Animal, tendo como base as obras:
BERING, Jesse. Devassos por natureza. Provocações sobre sexo e a condição humana.
Tradução Maria Luiza de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013.
DALLA, Sergio Bernadina. Amours sans frontiers: nouveaux horizons de la
zoophilie a l’epoque de la liberation animale. Anthropologie et Societés. Quebéc, v. 39(1-2), p. 103(18), 2015.
DALLA, Sergio Bernadina. Une Oersonne pas tout à fait comme les autres.
L’animal et son statut. In: L’Homme, 1991, v. 31, nº
120, p. 33-50.
KINSEY, Alfred C. Sexual Behavior
in The Human Male. Philadelphia e Londres: W.B. Saunder Company, 1948.
EARLS, Chistopher M. e LALUMIÈRE, Martin L. A Case Study of Preferential
Bestiality. Archives of Sexual Behavior.
v. 38, nº 4, p. 605, 2009.
WILLIAMS, Colin J. e WEINBERG, Martin S. Zoophilia in men: A study of
sexual
interest in animals. Archives of
Sexual Behavior. v. 32(6), p. 523-535, 2003.
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