domingo, 7 de agosto de 2016

Zoófilos: vilões ou injustiçados?



Por Renê Skaraboto
Biólogo e discente do curso de especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental


Em junho deste ano uma notícia abalou a comunidade defensora dos animais. O Canadá, país conhecido por sua legislação proibitiva em relação as práticas zoofílicas, absolveu um réu acusado de praticar bestialismo. Isso ocorreu graças a interpretação do juiz da Suprema Corte do Canadá que afirmou que o ato não teria sido consumado, pois não havia ocorrido penetração. Os juristas e advogados canadenses vêm discutindo essa decisão, na tentativa de definir as reais consequências dessa ação para a comunidade. Isso é um reflexo da falta de informações sérias e corretas sobre o assunto, o que deixa o poder público perdido e a população em choque.


Em uma breve busca pela internet sobre o tema zoofilia somos direcionados para diversas páginas pornográficas com vídeos de relações sexuais interespecíficas entre seres humanos e inúmeros outros animais. Aprofundando mais a pesquisa, é possível encontrar algumas informações mais sérias sobre o assunto, como artigos científicos e matérias de revistas especializadas em comportamento sexual humano. Porém a maioria dos dados disponíveis traz uma visão unilateral e preconceituosa da zoofilia, pautada no senso-comum. Esses trabalhos retratam o zoófilo como estuprador, causador de maus-tratos aos animais e/ou com distúrbios mentais (Bering, 2013). Uma visão muito simplista e popular, haja visto que estes trabalhos são escritos por cientistas e pesquisadores, que por sua vez, deveriam buscar o conhecimento através da comparação de diversos fatores. Como biólogo irei apresentar o outro lado desse delicado tema, a fim de embasar uma discussão mais justa e plurilateral.
O relacionamento interespecífico entre o Homem e Animais é muito mais presente em nossa história do que se relata. Mitologias antigas apresentam alguns desses encontros, como por exemplo, a concepção do Minotauro e as relações entre sátiros e humanos. Seres fantásticos como centauros, sereias e diversos deuses egípcios possuem representações que fundem animais aos humanos (Dalla, 2015). No folclore brasileiro também encontramos relatos intrigantes ao lermos a lenda do boto cor-de-rosa. Até mesmo no mundo dos desenhos animados é possível se identificar características zoofílicas, como nos longas-metragens “A Bela e a Fera”, “A Pequena Sereia” e “Uma Cilada para Roger Rabbit”. O erotismo humano possui infiltrações animalescas, como as coelhinhas da Playboy, as “cachorras” do Funk Carioca e bem como as terminologias alternativas para as genitálias humanas: periquita, perereca, pinto, peru, dentre outras. A relação de amor entre os tutores e seus pets se assemelha, às vezes, muito mais ao tratamento entre namorados do que entre pais e filhos.
As distâncias que separam os seres humanos dos restantes dos animais, muito mais do que evidências perceptuais ou de caráter espiritual, estão profundamente vinculadas a questões culturais (Dalla, 1991). É só comparar o que uma vaca significa para uma pessoa ocidental cristã e para um indiano hinduísta, bem como um cachorro para um camponês chinês e logo é possível observar que existem grandes divergências nos pontos de vista.
Com essas informações, podemos elaborar um perfil diferente para um zoófilo. Até então se acreditava, que essas práticas eram realizadas por homens de vida rural, sem escolaridade, com poucos (ou nenhum) atrativos para conseguir uma parceira humana e com isso mantinham relações com seus animais para satisfazer o instinto (Kinsey, 1948). Mas em um estudo de caso realizado pelos psicólogos Earls e Lalumière (2009), foi relatado a história de um homem de 47 anos, bem-sucedido (doutor em medicina), aparentemente bem ajustado e de criação urbana, que possuía atração sexual por éguas desde a infância. Isso altera a visão anterior e apresenta que um ser humano pode ter uma “orientação sexual interespecífica”.
Outra característica que é muito difundida e usada para definir todo e qualquer zoófilo são as práticas abomináveis (e criminosas) dos zoosádicos, onde o prazer está na ação de causar dor aos animais. Essas atividades são veemente condenadas pelos zooerastas, que na sua maioria, se auto intitulam como grandes defensores do bem-estar animal (Bering, 2013) Isso é justificado pelos amantes interespecíficos, pelo fato deles verem seus animais como namorados(as) ou maridos/esposas mantendo o mesmo respeito e cuidado que deveriam ter com o equivalente humano. 
As relações sexuais interespecíficas, como as “tradicionais”, podem ser mantidas de diversas formas. Primeiramente, elas podem ser tanto heterossexuais como homossexuais, sendo praticadas por ambos os sexos humanos. O prazer do ator humano pode ser alcançado de diferentes formas, através das práticas de masturbação, voyeurismo e em casos de compatibilidade anatômica, com penetração. Os zoófilos afirmam que essas relações são consensuais para ambas as partes (Williams e Weinberg, 2003).
Fazendo uma pequena inversão dos papéis, temos o caso do gorila norte-americano Koko, que cativado por humanos, aprendeu a se comunicar através de sinais. Apesar de ser um “animal”, devido a sua criação ser altamente antropitizada, não foi surpresa que em um dado momento Koko pediu que suas criadoras retirassem o sutiã para que ele visse o que havia embaixo. Koko, devido a sua natureza, estava sendo de certa forma antropófilo. Outro exemplo dessa inversão, pode ser testemunhado por qualquer tutor de um cachorro macho, que em algumas circunstâncias, pode ser mal interpretado por seu pet e este por sua vez encarar um carinho como um avanço sexual (DALLA, 2015). Relações sexuais interespecíficas não é uma exclusividade humana, podendo ser observado em golfinhos, lobos-marinhos e até mesmo em outros símios.
Sendo a favor ou contra à Zoofilia, o fato é que ela existe e ainda é muito pouco estudada devidamente. Como outrora, o homossexualismo foi trato como doença ou promiscuidade, será que a zooerastia poderá ser considerado como uma genuína orientação sexual humana? E o bem-estar animal estará devidamente resguardado? 
Eu como Biólogo e futuro especialista em Conservação da Natureza e Educação Ambiental acredito que hoje devido ao cabresto colocado sobre o assunto zoofilia, muitos animais estão sofrendo maus-tratos (e.g. os milhares de filmes pornográficos brasileiros com animais). É necessário acabar com essa marginalização do zoófilo e para isso estudos sérios, plurilaterais e realmente compromissados com a verdade devem ser realizados, a fim de se descobrir mais sobre a real origem dessa preferência sexual, pois a partir daí teremos condições de darmos soluções eficazes e concretas a proteção do bem-estar dos animais.  

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal, tendo como base as obras:


BERING, Jesse. Devassos por natureza. Provocações sobre sexo e a condição humana. Tradução Maria Luiza de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013.
DALLA, Sergio Bernadina. Amours sans frontiers: nouveaux horizons de la zoophilie a l’epoque de la liberation animale. Anthropologie et Societés. Quebéc, v. 39(1-2), p. 103(18), 2015.
DALLA, Sergio Bernadina. Une Oersonne pas tout à fait comme les autres. L’animal et son statut. In: L’Homme, 1991, v. 31, nº 120, p. 33-50.
KINSEY, Alfred C. Sexual Behavior in The Human Male. Philadelphia e Londres: W.B. Saunder Company, 1948.
EARLS, Chistopher M. e LALUMIÈRE, Martin L. A Case Study of Preferential Bestiality. Archives of Sexual Behavior. v. 38, nº 4, p. 605, 2009.
WILLIAMS, Colin J. e WEINBERG, Martin S. Zoophilia in men: A study of sexual
interest in animals. Archives of Sexual Behavior. v. 32(6), p. 523-535, 2003.

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