quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Compaixão, Mas Ainda Sem Sabor - Como a carne artificial pode salvar o mundo?

Série Ensaios: Ética Animal


Por Silvia Moro Conque Spinelli e Mariel Mannes
Mestrandos em Bioética, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

 “Em uma manhã de primavera comum em Columbia, no estado norte-americano do Missouri, Ethan Brown está no meio de uma cozinha comum rasgando uma tira frango. “Olhe para isso”, diz ele. “É incrível!”. Em torno dele, um punhado de trabalhadores robustos de uma fábrica de alimentos do Centro-Oeste do país se inclina e acena com aprovação. http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/”

Cerca de 80% das terras do mundo são usadas para a alimentação de animais que vivem em confinamento, e não para produzir o alimento que vai direto à mesa. Ex: 0,5 kg de carne cozida requer: 298 mt de terreno; 27 kg de ração; 211 lt de água; 4000 BTU’s de energia. O consumo de carne não só devora os recursos, mas também cria resíduos.
A bovinocultura  é um dos principais destaques do agronegócio brasileiro no cenário mundial. O Brasil é dono do segundo maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças. Além disso, desde 2004, assumiu a liderança nas exportações, com um quinto da carne comercializada internacionalmente e vendas em mais de 180 países.
O rebanho bovino brasileiro proporciona o desenvolvimento de dois segmentos lucrativos. As cadeias produtivas da carne e leite. O valor bruto da produção desses dois segmentos, estimado em R$ 67 bilhões, aliado a presença da atividade em todos os estados brasileiros, evidenciam a importância econômica e social da bovinocultura em nosso país.
A suinocultura  também vem apresentado um impacto considerável na economia brasileira. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de produção de carne suína, com 3,1 milhões de toneladas por ano. O país vem se destacando nos últimos anos como um dos principais produtores e exportadores mundiais desta carne.
Em relação a avicultura, atualmente o Brasil é o líder na produção de carne de aves. A taxa de crescimento de produção da carne de frango, por exemplo, deve alcançar 4,22%, anualmente, nas exportações, com expansão prevista em 5,62% ao ano. No processo de produção artificial, o animal aparece apenas como um doador de células-tronco. Depois de coletadas, sem risco à vida do bicho, elas são convertidas em célula musculares e cultivadas em um biorreator com substâncias e vitaminas que estimulam o crescimento do tecido. O resultado final é um bolo de carne moída e não um pedaço de bife, mas ainda assim é carne, só muda o formato", diz a cientista. Dependendo da espécie do animal doador, tem-se uma porção de carne de boi, de frango ou porco. 

Só porque a carne é produzida artificialmente não quer dizer que seja vegetariana. À primeira vista até parece ser, no entanto, apesar de ser possível extrair células estaminais sem matar os animais, o processo poderá continuar a implicar a morte dos doadores, por questões de eficiência. Além disso, para produzirem as primeiras tiras de carne artificial, os investigadores juntaram, numa solução com nutrientes, plasma de fetos de bovinos e células estaminais, que se multiplicam, sob a forma de células do músculo dos animais doadores. Ao envolver ingredientes de origem animal, este processo não é vegetariano nem muito menos vegano. Nunca será vegano na medida que tem como base células estaminais que têm que ser sempre retiradas aos doadores do reino animal. Como esse processo não implica a morte do doador, substituindo a solução envolvente até pode ser que no futuro possa vir a ser vegetariano.A carne in vitro também guarda outra peculiaridade - seu conteúdo nutricional pode ser controlado de modo se a ter um alimento sem gordura alguma ou com algum tipo de gordura saudável, como o ômega 3, presente em peixes como atum e salmão. Por si só, esse já seria um bom motivo para a carne de laboratório cair nas graças de muita gente que sofre com problemas de hipertensão e excesso de peso, condições que normalmente exigem alimentação mais frugal, sem os excessos de uma mesa farta de bifes suculentos. Cada porção tem o equivalente a uma porção de carne de frango, mas com 0% colesterol. 1 kg de carne de frango requer 3,5 kg de ração e 30 lt de água. A mesma quantidade requer apenas 0,5 kg de ingredientes e 2 lt de água. Os estudiosos afirmam que se você considerar as condições em que a carne é produzida, como os animais são tratados e a quantidade de resíduos envolvida, verá que a carne artificial é viável. A carne cultivada em laboratório  usaria 99,7% menos terra, 94% menos emissão de gases de efeito estufa. Se comparar a fábrica de carne artificial  com as políticas secretas de matadouros industriais, a diferença será gritante.  Atualmente, a produção da carne animal vem recebendo grande apoio por meio de programas governamentais de financiamento, o que favorece a produção cada vez maior, afim de atender a um consumo de um consumidor que em sua grande maioria, vive nas grandes metrópoles.

O consumo humano de carne animal é uma prática milenar, onde o abate era para o próprio consumo, e não para a comercialização. Também a relação entre o ser humano e o animal era uma relação de dependência, visto que o animal era domesticado para o serviço e servia também para a alimentação, com o leite e a carne. Porém, atualmente, com a concentração nas grandes cidades, esta relação passou a acontecer de outra forma, onde o animal criado para o abate tornou-se um mero fornecedor de alimento, e para atender a grande demanda, altos investimentos vem sendo feito por indústrias na busca pela produção de carne em um tempo cada vez menor. Brown, um dos pesquisadores, classifica a criação de animais para a produção de carne como obsoleta e inimiga do ambiente. Um quinto das emissões globais de gases do efeito estufa está ligado à prática, que também consome muita água. É, portanto, uma maneira muito ineficiente  de transformar vegetais em proteína. Só aproveita 15%. Em laboratório, o aproveitamento é muito maior.  “Não há tanta diferença entre a carne artificial com a carne de animais, visto que galinhas de granja não são tratadas realmente como animais. Elas são máquinas que transformam insumos vegetais em peito de frango” afirma Brown. A justificativa do autor, segue dizendo que: “Nós nunca seremos capazes de imprimir um coração exatamente como ele é, e não precisamos fazer isso. O que precisamos é criar um órgão que funcione tão bem como o coração, e isso podemos fazer. E o mesmo serve para a carne. O que se coloca na boca não é a carne real, mas podemos imprimir um mesmo valor nutricional, o que é considerar um tipo de carne diferente.  Nós pensamos nas características que a carne tem e que nós queremos reproduzir. A partir daí, procuramos maneiras alternativas de desenvolvê-las em laboratório de um modo mais eficiente. http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/ Caso o experimento se torne economicamente viável, pode ser que se acabe ou diminua drasticamente com os rebanhos comerciais no mundo. Isso, em teoria, proporcionaria mais terras livres para se plantar e reflorestar, diminuiria o consumo indireto de água e também haveria um corte gigante na emissão de gás metano pelos animais e de CO2 pelo desmatamento irregular.

 Nós como futuros bioeticistas acreditamos que o consumo exagerado de carne vai muito além da reflexão sobre a forma cruel e desumana que os abatedouros realizam seus trabalhos: hoje, consumir carne ou não, é uma questão de sustentabilidade. Tomado isoladamente, o gesto individual de diminuir o consumo de carne não tem resultado objetivo mensurável, mas quando é uma postura adotada por muitos, influi objetivamente nas condições do planeta.



Este Ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética do curso de Mestrado em Bioética tendo como base as seguintes obras:

 Como a carne artificial pode salvar o mundo?. Disponível em: http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/ Acesso em 11 de maio de 2015.
 Produção de Carne Artificial. Disponível em http://www.centrovegetariano.org/Article-585-Carne%2BArtificial.html Acesso em 05 de agosto de 2015.


Produção de Carne animal. Disponível em http://www.agricultura.gov.br/animal. Acesso em 11 de agosto de 2015.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O Processo De Humanização Em Animais De Companhia

Série Ensaios: Ética Animal


Por Houda Izabela de Oliveira, Michele Ribeiro Vieira de Mello e Rosel Antônio Beraldo
Mestrandos em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

No último dia 10 de junho de 2015, a Revista Veja, em sua edição 2.429, ano 48, nº 23, publicou uma reportagem especial com o título: A casa agora é deles. A matéria aponta para os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas[1] (IBGE) de 2013 sobre o número das famílias brasileiras que criam animais em seus lares.
           
 Causa espanto que atualmente a cada 100 famílias no Brasil, 44 criam cachorros e 36 têm filhos. Sendo 52 milhões de cães e 45 milhões de crianças. Contudo é válido ressaltar que a reportagem aponta crianças até 14 anos de idade, porém esse número tende a diminuir, pois esta faixa etária já pertenceria aos adolescentes. Na reportagem também são apresentados dados de outros países emergentes nesse campo como por exemplo o Japão que hoje tem cerca de 22 milhões de animais contra 16 milhões de crianças e dos Estados Unidos com 48 milhões de cães e 38 milhões de crianças. Esses três países juntos movimentam na atualidade um mercado bilionário tanto em termos de animais quanto de produtos especializados tais como cremes, shampoo, pasta de dente entre outros.
            Os motivos abordados pela matéria e que não se esgotam neles mesmos são os de ordem demográfica, ou seja, estão nascendo menos crianças no Brasil hoje (e isso tende a se acentuar num futuro próximo, acarretando também um aumento de pessoas idosas), entretenimento[2], preenchimento de vazios deixados pela partida dos filhos em busca de trabalho e realização profissional em outros locais e o alto custo na criação de filhos (como se manter um cachorro custasse pouco dinheiro). Para se ter um filho[3] é necessário dispor de espaço considerável, carinho, ternura, acolhida, saber relevar seus gritos e choros, enfim um preço que precisa ser pago pelos pais, mas que infelizmente muitos não querem aceitar, já um animal (fixemos em nossa mente um cão ou um gato) dependendo do porte é possível adaptá-lo na infraestrutura que a pessoa possui e também porque eles não reclamam, não choram, não brigam, dentre outras coisas mais.
            Nos dias atuais tornou-se comum ter em casa animais para entreterem seja uma criança, seja um adulto, o mais incrível é que na grande maioria dos lares muitas pessoas moram sozinhas, a reportagem aponta que somente a nível de Brasil cerca de 35% de pessoas residindo sozinhas[4] hoje e para isso criar um animal torna um meio do indivíduo se relacionar afetivamente, haja vista que o dinheiro que poderia ser gasto com um filho ou outra pessoa qualquer, esses moradores solitários então gastam com seus animais.
            A reportagem ainda ressalta que os atuais mercados dos pets estão em expansão, eles desconhecem a crise que se abate sobre o Brasil (não esquecer que essa reportagem é do dia 10/06/2015). O Brasil apresenta-se hoje no 2º lugar no ranking de faturamento[5], em 2014 foram R$ 16 bilhões de reais, perdendo apenas para os Estados Unidos. Outro ponto relevante é que este gasto é muito superior ao gasto com bebês ou com a saúde, a mesma reportagem ressalta que cuidar desses animais não sai nada barato.
            O mercado de pets[6] está num constante crescimento, ofertando serviços variados e especializados para os cães, tais como: ração gourmet, SPA, ioga e tv a cabo própria para os caninos. E um grande avanço na medicina veterinária também é amplo e variado, um enorme complexo clínico dirigido a esses bichos está à disposição deles tais como: cardiologistas, oncologistas, endocrinologistas[7] e intensivistas. Já estão amplamente disponíveis exames de sangue, raio-x, ultrassom, tomógrafo, ecocardiógrafo e diversas vacinas. A perspectiva de vida do cão também aumentou, atualmente este animal pode viver em média 18 anos.
            Após a exposição destes dados, abordaremos apenas alguns problemas identificados na reportagem e que suscitam dúvidas, temores e indignação. Ao longo dos anos o cão passou por um intenso processo de transformação, tornando-se assim no melhor amigo do homem, ocorreu o que os entendidos chamam de humanização[8] dos animais. Para Christina Malm[9] (professora da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais), humanização é o excesso dos cuidados com os animais. Segundo a veterinária “posso tratar meu animal com todo o carinho, mas não devo esperar que ele se comporte como um ser humano”.
            Outro fator é que a indústria pet que percebeu na humanização dos animais domésticos uma ótima oportunidade de crescimento econômico. Assim, passou a incentivar as pessoas para criarem animais de estimação em detrimento dos filhos. Pois o custo é menor se comparado ao de uma criança e os cuidados são diferentes, não havendo necessidade de estrutura física, atenção com os horários das alimentações e educação.       Com isso as pessoas estão optando por não terem filhos (e quando os tem é já com uma idade considerável) e sim animais de companhia. Entretanto essa opção está aumentando sobremaneira a humanização. Ressaltamos que a escolha entre criança e animal não deve ser comparada, pois eles são diferentes e consequentemente os sentimentos serão outros. Portanto, se não houver o excesso de cuidados, de humanização nos questionamos se não seria possível ter os dois (animais e filhos). Outra consideração é em relação ao status de ter um animal com alto valor de compra e de raça. Pois se a intenção é ter e cuidar de um animal, existe esta distinção entre adotar ou comprar um animal. Contudo, se o animal não tiver as características relevantes que o mercado impõe, ele não suprirá a necessidade imposta.
            Os animais assim como os humanos também têm prazo de validade, nascem, crescem e morrem, não poderia ser diferente, acontece que hoje mais do que em qualquer outra época e isso a reportagem deixa claro é que algumas pessoas escolhem esses animais apenas para entreterem os seus dias e no mais das vezes preencher vazios, sendo um interesse puramente próprio, egoísta e quase nunca em prol do animal. Desta maneira, quando o animal já não é mais interessante para a pessoa ocorre o abandono do mesmo ou em outras palavras, ocorre o seu descarte puro e simples.
            Com todo o excesso de cuidado, a humanização pode vir a trazer malefícios aos animais, acabam por perder a sua essência. Os animais começaram a ter aparências humanas e a desenvolverem doenças que antes não tinham, tais como: crises de ansiedade, roem unhas, perda do apetite em decorrência do stress e muitas vezes sendo necessário o uso de medicamentos, criando assim um círculo extremamente perigoso para ambos os lados.
     
       Nós como futuros bioeticistas acreditamos que não resta dúvida que o atual modelo de sociedade perdeu em muito os seus parâmetros, não é de hoje que se fala que o atual ser humano perdeu sua identidade, não sabe ao certo quem é ele e o seu papel nessa mesma sociedade. É um ser que caminha embalado pelas circunstâncias, quanto menos contato com seu semelhante melhor, esse modo de pensar é típico do atual modelo plenamente embebido de particularismos, cada um na sua, cada um fazendo a sua vida, do seu jeito. Entretanto este projeto que tem suas origens no iluminismo é um projeto fracassado, ninguém consegue viver sozinho, isolado, as promessas iluministas criaram um ser separado da natureza, moldaram um ser humano propenso a dominação e uma das faces desse processo é a sua constante busca de humanizar certos animais para o seu próprio deleite. Sendo assim os animais humanos e os animais não humanos num processo de humanização se tornam ambos vulneráveis. Entretanto, o homem nesse processo é o agente moral desta situação talvez aquele que detenha maior responsabilidade, sofre e faz sofrer, como diz o Papa Francisco em sua nova Encíclica Laudato Si, “errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objetos, submetidos ao domínio arbitrário do ser humano” (LS 82).
            Para o teólogo brasileiro Leonardo Boff[10] o cuidado não deve ser uma ética de princípios e normas que defendem direitos, mas uma ética da virtude que suscita atitudes e forma caráter que sustentam a conscientização ecológica e cultural sobre transformação da sensibilidade pela vida. Não são normas culturais, são regras de conduta expressas em valores e atitudes, para os quais é necessário educar-se, é urgente rever as atitudes que atende para as leis naturais. Esse cuidado deveria no mais das vezes se tornar uma verdadeira cultura que permeasse toda a sociedade e não uma parte dela apenas.
            Na mesma toada, a Laudato Si reforça que um “antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado. Quando o ser humano se coloca no centro acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes e tudo o mais se torna relativo” (LS 122).
            Sugere-se assim uma justa medida, mais especificamente aquela abordada por Aristóteles, pois entende-se a necessidade de buscar um meio termo na convivência entre homem e animal. Assim não sendo necessário escolher entre um e outro, mas buscando o equilíbrio nas relações e nos cuidados.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética, tendo como base as obras:

ALVARENGA, Bianca; RITTO, Cecília: A casa agora é deles. Revista Veja, edição 2429, ano 48, nº 23, 10/06/2015. Editora Abril. p 68-77.

FISCHER, Marta: Fundamentos da bioética: um pouquinho de bioética ambiental.

FRANCISCO, Papa: Encíclica Laudato Si.



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Trânsito e Consumo: Uma análise a luz da bioética

Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Lyégie Barancelli; Matheus Roth e Bruno Miranda
Mestrandos do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR


O site GLOBO.COM veiculou em 2010 uma reportagem sobre a visita do então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva à um complexo petroquímico no Rio de Janeiro. Dentre várias falas, Lula fez os seguintes apontamento: nem metrô vai tirar apetite de se ter o próprio carro”;os pobres também merecem adquirir carros, nem que seja para quando chegar no sábado, de colocar o carro na porta de casa e ficar a família inteira lavando a calota e passando a mão no carro”. Confirmando seu discurso, Lula adotou medidas em seu governo para aquecer o comércio automotivo, como por exemplo, o estímulo para concessão de novas linhas de créditos.

A crescente populacional no planeta é uma problemática que afeta diversos setores da sociedade. De acordo com a Organização das Nações Unidas (2013), a população mundial já passa de 7,2 bilhões de seres humanos, e há 70% de chance de que a população mundial atinja um patamar entre 9,6 e 12,3 bilhões em 2100, diz estudo publicado na revista "Science”. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (2013) estima que a população ultrapassou a marca de 202 milhões de habitantes. Devido ao aumento populacional, concomitantemente, o consumo se elevou, o que está acarretando de certa forma uma problemática controvérsia, pois o consumo aquece a economia do país, porém ao ser realizado com o intuito de suprir necessidades imediatistas, que tem como objetivo principal favorecer interesses e necessidades individuais, está causando impacto direto no coletivo e no ecossistema.
Em 2011, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) constatou que na primeira década do século XXI, a frota de veículos no Brasil cresceu cerca de 119%, fechando o ano de 2010 com mais de 64 milhões de veículos registrados, onde para se neutralizar a emissão de gás carbônico desta frota, seria necessário aumentar em 11 vezes a cobertura da Mata Atlântica. Só no período de janeiro a maio deste mesmo ano, o Denatran registrou mais de 900 mil emplacamentos de veículos.
As consequências desse aumento considerável são inúmeras, pois de acordo com o SENSO, os congestionamentos estão cada vez maiores. No estado do Paraná, mais de 27% das pessoas demoram mais de meia hora diária de deslocamento da casa ao local de trabalho. Em Curitiba o percentual é ainda maior, onde 46% dos curitibanos gastam mais de meia hora diária no trajeto da casa ao local de trabalho. De acordo com o IPEA o aumento de tempo gasto no deslocamento casa-trabalho entre os anos de 1992 a 2009 é evidente na grande maioria das regiões metropolitana brasileiras.
De acordo com artigo publicado na Veja.com, os congestionamentos não tem como consequência apenas a perca de tempo, mais também prejudicam serviços de emergência, como o deslocamento de ambulâncias e veículos do Corpo de Bombeiros, retardando sua passagem na prestação de socorro aos que necessitam, bem como tem gerado gastos elevados para o governo com perdas financeiras com acidentes de trânsito, poluição e engarrafamentos. Em São Paulo, os gastos variam de 4,1 bilhões de reais por ano a 11 milhões de reais com tempo e combustível perdidos nos congestionamentos.
A saúde da população é um outro quesito que também vem sendo prejudicado, visto que pessoas expostas à rotina nas ruas apresentaram substâncias tóxicas no organismo e chance dobrada de desenvolver doenças respiratórias e várias outras doenças, como estresse, hipertensão e lesões por repetição de movimentos, dores no corpo, podendo vir a afetar: os orgãos genitais, que passam a receber menos sangue; o cérebro; músculos, cujos mesmos se contraem ao máximo e começam a liberar na corrente sanguínea uma série de substâncias inflamatórias; os pulmões; o coração: começa a bater rapidamente e de maneira descompassada, gerando risco de infarto e derrame.
Analisando todo o contexto abordado, percebeu-se que as horas desperdiçadas no trânsito poderiam ser aproveitadas de outras formas, seja para aumentar a qualidade de vida, realizando-se atividades físicas, de lazer, em passeios com a família descansando ou pelo menos no consumo de produtos e serviços, o que também ajudaria a impulsionar a economia.
Por isso, nós como futuros bioeticistas compreendemos e percebemos a importância de disseminar a concepção de que antes de se tomar decisões imediatistas, tais como o ato de comprar um carro apenas como sinônimo de status, é fundamental que se considere quais serão as consequências e o impacto dessa aquisição no futuro. Qual é o progresso que realmente queremos?
Já não basta apenas basear-se na boa intenção do imperativo categórico kantiano, que dizia que “a boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptdão para alcançar qualquer finalidde proposta, mas tão somente pelo querer” (KANT, 2007 p. 23). Os tempos mudaram! Hossne et al. (2010) afirmam que o planeta se transformou num paciente terminal, onde a certeza absoluta de vivermos no futuro tornou-se um grande ponto de interrogação. Hans Jonas (2006) já se preocupava com essa incerteza, e propôs uma nova concepção de ética baseada em um princípio de responsabilidade para com as gerações futuras, onde ele afirma que nenhuma ética até então proposta se preocupava adequadamente com o futuro da humanidade. O ethos dominante no mundo contemporâneo é individualista e antropocêntrico. Hans Jonas define esse tipo de ética como imediatista, ou seja, eram antropocêntricas, consideravam o homem como único ser racional e livre, a técnica era concebida como neutra, a essência do homem era tida como imodificável, a avaliação do homem se dava a curto prazo e a contemporaneidade era o limite de preocupação ética. Ele, através de sua ética, lembra  que o processo natural evolutivo é lento e prudente, onde existe tempo para seleções adequadas, excluindo-se o objeto prejudicial e seguindo-se o caminho do bom e correto. O homem, na contra-mão do que Hans Jonas idealizou como princípio, acelerou o processo de evolução sem a prudência adequada, firmando-se na evolução da técnica e adotando o tudo ou nada, o que se torna evidente na fala do então presidente, ao ressaltar a futilidade de se ter um carro apenas para lava-lo nos finais de semana.
A questão é vista com um problema por quebrar o princípio ético consequencialista, onde as consequências de uma ação devem ser consideradas. Por isso é tão importante considerarmos a obra de Hans Jonas, ou mesmo mesmo relevarmos o que Leonardo Boff nos alertou através da ética das urgências: “Por toda a parte apontam sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade (...)” (BOFF, 1999 p. 17). Temos de cuidar da nossa casa: o planeta Terra!
É fundamental pensar em estratégias para que o dano ao planeta diminua. Nossos representantes políticos podem e devem estimular a população de diversas maneiras para que a qualidade de vida melhore (construção de ciclovias, melhoria da iluminação e segurança em vias de pouco movimento, melhoria do sistema de transportes públicos, educação no trânsito). Contudo, não basta deixar o problema apenas à cargo do Estado. Conversar com familiares e vizinhos para planejar a carona solidária, utilizar e zelar pelos meios de transportes público, aproveitar deslocamentos curtos até o local de destino para fazer uma caminhada ou mesmo andar de bicicleta, sair de casa um pouco mais cedo para evitar horários de pico, podem ser ações simples que podem ser aplicadas no cotidiano a fim de reduzir a problemática já existente. Cabe a nós refletir sobre nossos atos e as consequências que estes irão acarretar para com as gerações que estão por vir.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Fundamentos da Bioética do curso de Mestrado em Bioética da PUCPR, e teve como base as seguintes obras:

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999;
HOSSNE, William Saad et al. Bioética aos 40 anos: reflexões a partir de um tempo de incertezas. Rev. Bio£thikos: Centro Universitário São Camilo, São Paulo, v. 2, n. 4. p. 130-143, 2010;
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006;
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Coleção 70 textos filosóficos. Lisboa: Edições 70, 2007.

No Rio, Lula diz que pobres também devem ter carros. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1521008-5601,00-NO+RIO+LULA+DIZ+QUE+POBRES+TAMBEM+DEVEM+TER+CARROS.html. Acessado em: 20 de julho de 2015;
Frota de veículos cresce 119% em dez anos no Brasil, aponta Denatran. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2011/02/frota-de-veiculos-cresce-119-em-dez-anos-no-brasil-aponta-denatran.html. Acessado em: 20 de julho de 2015;



Até onde somos responsáveis pela nossa sociedade?

Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Homero Luis de Aquino Palma
Médico e aluno especial no curso de mestrado em bioética da PUCPR


Em 12/06/2015 completaram-se 15 anos do sequestro do ônibus 174, como visto na reportagem vinculada na data de 11/06/15, com a seguinte chamada: Sequestro do ônibus 174 faz 15 anos; testemunhas relembram drama. Esta matéria publicada relata o quanto este sequestro impactou, e ainda segue impactando, a vida de muitas pessoas que vivenciaram direta e indiretamente aquele dia 12 de junho do ano 2000, onde o ônibus 174 foi sequestrado às 14:00 horas, no Jardim Botânico/RJ, sendo a ação televisionada ao vivo, terminando à noite com a morte de uma refém de 21 anos que estava gestante, além do sequestrador que faleceu por asfixia após ser preso. 




                Ao rememorar tal situação, lembro-me de muitos questionamentos acerca deste fato: Despreparo dos policiais durante a ação; Falta de segurança no transporte público; Morte de pessoas inocentes; Exposição excessiva da situação pela imprensa; Situação social do sequestrador, a qual levou o mesmo a cometer tal crime; dentre outros.... Uma vez levantadas estas questões, podemos observar as seguintes percepções:
                Quais fatores contribuíram para que o sequestrador tivesse a coragem de iniciar a ação? Dinheiro? Atenção? Falta de perspectiva? Alterações na percepção através do uso de drogas e/ou entorpecentes? Outros fatores?
                Com relação aos policiais, a falta de preparo dos mesmos é de responsabilidade de quem? Seus materiais de trabalho eram os mais adequados para a situação? De onde vieram as ordens para a ação? Alguém decidiu de forma individual determinada conduta?
                Lembrando do papel da imprensa, quem permitiu a presença dos repórteres ao redor do sequestro? Os profissionais estavam em risco no local? Se sim, decidiram permanecer por conta própria? Quem publica as imagens, estavam de acordo com aquela situação?          
   Analisando o contexto histórico do homem, na busca de analisar o nosso comportamento social e individual, podemos constatar que o ser humano sente necessidades e tem medos, portanto, não parece que somos, essencialmente, seres sociais, mas que nos fazemos de sociais a partir de nossas necessidades e para superar nossos medos. Admitindo isso podemos dizer que a sociedade humana está assentada sobre os pilares do medo e das necessidades. A vida em grupo pode favorecer a sobrevivência do indivíduo mais fraco e suscetível, protegendo-o de predadores e facilitando o acesso a alimentos e suporte nos problemas de seu cotidiano, em contrapartida, esta relação pode contribuir para a vida daquele indivíduo mais forte fazendo com que este explore o trabalho do mais fraco em troca de proteção. Para que isso aconteça de forma adequada, são necessárias regras de convívio para que a unidade se mantenha protegida. A perda de um dos indivíduos prejudica o grupo, sendo assim importante o acolhimento, proteção e aceite de cada um dos membros, além da confiança entre eles, fator este necessário à sobrevivência. No decorrer da história, observa-se a ampliação dos grupos, sendo estes agregados em comunidades, cidades, países, raças, credos, gêneros... O papel dos indivíduos nesses grupos durante os anos também se modificou, sendo hoje discutido o impacto social do número da população mundial e suas necessidades básicas de vida, as quais atualmente não estão mais atreladas somente a uma questão de sobrevivência. Essas divisões podem ter contribuído para que ocorresse o enfraquecimento do coletivo, uma vez que o fator principal inicial de proteção estava atrelado a confiança dos membros, a qual é dificultada pela heterogeneidade e tamanho desses grupos.
                            Alguns princípios éticos poderão ser discutidos entre nós visando retomar uma sociedade em que coexista um equilíbrio entre o individual e coletivo, harmonizando a convivência entre os diversos grupos e pessoas, levando em consideração as mudanças sociais e tecnológicas do mundo atual.
Utilizando-se da ética da Responsabilidade ou Ética do futuro, proposta por Jonas, podemos avaliar as nossas atitudes e decisões acerca das ações individuais e coletivas, pensando no hoje e no amanhã, para que de fato a sociedade siga no caminho da evolução. Para Jonas, a sobrevivência humana depende de nossos esforços para cuidar de nosso planeta e seu futuro. Prima pela prudência, cuidado e precaução, colocando a vida no conteúdo imperativo.
  Uma outra teoria ética que podemos analizar seria a proposta por Dussel, a chamada Ética da Libertação: Ao longo dos séculos foram criadas várias teorias visando conceituar a justiça, não havendo consenso até nossos dias sobre o seu conceito e efetividade. Através da Ética da Libertação é possível, não responder definitivamente a questão, mas encaminhar para um horizonte a sua concretização. A exclusão é grande fator de injustiças, conseqüentemente, uma teoria que pretenda a ruptura com a totalidade, onde excluídos são considerados apenas como estatística, tende a ser eficaz. Esta é a finalidade da ética da Libertação: romper com a ordem posta que desconsidera as pessoas excluídas, criando uma nova situação de inclusão.
A Ética da vulnerabilidade nos traz o seguinte conceito: Cada ser humano é uma pluralidade de estados físicos e de situações, com profundas diferenças quanto à sua capacidade para acolher e suportar ações externas. As diferenças nesta capacidade são a medida da vulnerabilidade que parte da diferença como um valor humano digno de respeito e de ponderação.
Como profissional da saúde, mais precisamente médico da Atenção Primária, porta de entrada do sistema de saúde, tive algumas experiências com os meus pacientes atendidos, fatos estes que me trouxeram uma visão diferenciada quanto ao conceito de saúde-doença, modificando o foco da atenção, que na maioria das vezes estava somente na questão biológica do paciente, para uma visão mais ampliada, onde o contexto cultural, educacional, social e espiritual dos pacientes sejam tão importantes quanto as patologias físicas.
                Neste pensamento da saúde mais ampla, entendo que vários fatores interferem na vida dos indivíduos, são os chamados determinantes sociais, como a falta de moradia, uma família, acesso à educação, dentre outras coisas que muitas pessoas da nossa sociedade não têm acesso, dificultando assim que encontrem um equilíbrio em sua saúde. Passamos ao lado de muitas dessas pessoas todos os dias, porém poucas delas são observadas como cidadãs por nós, e nos hospitais essa realidade não é diferente, seja por motivo de fuga dos profissionais e/ou como forma de proteção individual dos mesmos, que optam por identificar uma doença biológica, o quanto antes possível, para que logo aquele paciente receba alta e deixe de trazer sentimentos ruins como culpa, medo e desesperança para ele e para a equipe.
                Penso em alguns momentos, e se fizermos o contrário? Ao invés de rejeitarmos esses cidadãos, não deveríamos acolhe-los? Será que se nos interessarmos um pouco sobre a vida daquele paciente a nossa opinião mudará quanto ao nosso tipo de cuidado? No documentário  “Última parada 174” onde conta a história do Sandro, morador de rua que passou por muitas provações na vida, as quais culminaram para que o mesmo realizasse um sequestro no ônibus 174 e que aquele fosse seu último dia. Lembro-me que conheci o Sandro sabendo somente do final da sua história, sequestro, morte da vítima e do “bandido”, porém ao conhecer mais sobre a sua biografia, consegui vê-lo como um cidadão que possuiu poucas oportunidades em sua vida. Podemos observar que o Sandro era um excluído social o que o tornava um indivíduo vulnerável, sendo assim, todos nós (sociedade) responsáveis por realizar esforços para que outras pessoas, na mesma situação do protagonista, não sofram o que ele sofreu...
                Através deste olhar mais amplo, acredito que de fato todos somos responsáveis pela nossa sociedade, bem como temos papéis importantes na busca de uma vida mais justa e saudável para todos, na minha área, medicina, busco ver todos os pacientes como cidadãos, com suas histórias de vida e experiências, tentando contribuir de alguma forma para que aquele indivíduo se encontre com saúde, fazendo parte e sentindo-se parte da sociedade. E você, qual seria a sua responsabilidade?


Este Ensaio foi elaborado para disciplina de Temas de Bioética e Biologia do curso de Mestrado em Bioética tendo como base as seguintes obras:
-http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/especial-sobre-onibus-174-lembra-erro-de-pm-e-narra-vida-de-sandro.html
-http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/68/41a51.pdf
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_da_liberta%C3%A7%C3%A3o
-http://www.webartigos.com/artigos/o-ser-humano-o-individuo-e-o-grupo/16601/
-http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/ateprisau.html
-https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_da_liberta%C3%A7%C3%A3o
-http://www.folhadiaria.com.br/materia/28/125/saude/saude-social/a-saude-desumanizada#.VX3GyflViko
-http://rafabarbosa.com/ultima-parada-174-resumo-do-filme/

-PESSINI, L. & BERTACHINI, l.& BARCHIFONTAINE, Christian de P. Bioetica, cuidado e humanização. 3 volumes. Editora do Centro Universitario São Camilo & Ediçoes Loyola, são Paulo, 2014.

Animais Usados para Entretenimento: “diversão” a que preço? – Uma abordagem Bioética levando em conta a Igual Consideração de Interesses entre os seres


Série Ensaios: Ética Animal

Por Camila Veltrini, Maria Fernanda Turbay Palodeto e Sabrina Buziquia
Mestrandas no Curso de Pós-Graduação em Bioética


Em 2000, a Folha Online noticiou que um menino de 6 anos foi devorado por leões. Ele estava assistindo a apresentação do circo e no intervalo foi com seu pai e sua irmã tirar fotos com alguns animais e no trajeto de volta, ao passar ao lado da jaula dos leões, um dos animais colocou suas patas para fora da jaula e arrastou o garoto para o interior do compartimento onde ele e os demais animais de sua espécie eram mantidos.





Meses depois do ocorrido, a justiça determinou que os pais do garoto deveriam ser indenizados pela fatalidade. Tal ação, a primeira vista, parece justa, mas infelizmente não trará a criança de volta para sua família, nem solucionará o trauma do pai e irmã do garoto que presenciaram uma cena chocante e lastimável.
A notícia citada lembra várias outras que veicularam em nossos meios de comunicação, como o tigre que comeu o braço do menino em um zoológico no Paraná ou a baleia que matou sua treinadora durante o espetáculo que fazia em um parque na Flórida.
O comportamento agressivo dos animais choca e assusta o público, mas poucas pessoas percebem o quanto estes animais, utilizados para entreter o público, podem estar sofrendo. A utilização de animais para este fim cria sérios problemas que vão desde o comprometimento do bem-estar do animal até a preservação de sua espécie. O abuso da indústria do entretenimento é quase injustificável quando esta reflete uma crença de que os animais não-humanos existem para serem explorados em benefício da diversão humana. Assim, tornam-se atuais as palavras de James Anthony Froude, que em 1986 disse: “Animais selvagens e silvestres jamais matam por esporte. O homem é o único ser para quem a tortura e a morte de suas criaturas-companheiras é motivo de diversão em si”.
As preocupações relacionadas aos animais não humanos submetidos ao entretenimento (touradas, circos, zoológicos, aquários, programas de televisão) vem aumentando e legislações, ainda que de forma branda e com pouca fiscalização, estão sendo adaptadas levando em conta o interesse dos animais em não sofrer.
Durante séculos animais foram usados para espetáculos em manifestações de lazer e suposta cultura, levando, inclusive, a extinção de algumas espécies. Era comum manter animais aprisionados, juntamente com escravos, para serem exibidos. No século XVI, aristocratas criavam e colecionavam animais selvagens, pois representava riqueza e poder. Expedições eram organizadas para capturar animais exóticos, os quais eram mantidos em condições precárias e, muitas vezes, não sobreviviam ao cativeiro. Provavelmente, o uso de animais em circos, zoológicos, rinhas, rodeios, entre várias outras formas de entretenimento, são resquícios dos costumes e tradições implantados há séculos, objetivando o lazer sem levar em consideração o direito constitucional dos animais e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que veda qualquer maltrato ou utilização destes seres como forma de divertimento.
A Lei 9.605/98, disciplinam os maus tratos contra animais e o novo Código Penal prevê punições àqueles que, de alguma forma, causarem mal aos animais não-humanos, mesmo assim, as penas são bastante brandas, e seu conteúdo focado nos interesses humanos.
Para os filósofos utilitaristas, a senciência é o parâmetro da igualdade moral que define a constituição dos seres dignos de respeito (FELIPE, 2008). Assim, humanos e não-humanos dotados de órgãos sensoriais, portanto, seres sencientes, passam pela mesma agregação de valor que os torna sujeitos-de-suas-vidas (FELIPE, 2001).
Um dos principais nomes que defendem esse princípio é Peter Singer, ele assume a defesa dos animais propondo que consideremos os interesses sencientes como parâmetro para julgar quem é digno, ou não, de consideração ética. Em relação a seres capazes de sentir dor e de sofrer, seja humano ou não-humano, existe o interesse em comum em não sentir dor e não sofrer (SINGER, 2013).
 O princípio ético que deve reger as interações humanas com não-humanos, no entender de Singer, é o da igual consideração de interesses, independentemente de quem o tenha. Para ele, a única característica moralmente relevante para determinar quem deve ser considerado igual nesse sentido, é a capacidade de ter interesses. Sendo assim, se o animal é dotado de um sistema nervoso que o torna vulnerável a estímulos dolorosos, esse deve ser o parâmetro segundo o qual os humanos devem julgá-lo (FELIPE, 2008).
Sabe-se que humanos dispõe da capacidade de expressão de seus juízos, e por isso podem fazer política e elaborar concepções éticas, já os animais não. Nisso, porém, não há qualquer superioridade humana, porque ser dotado de certas racionalidades não é mérito moral, apenas algo que distingue a natureza desta espécie das demais naturezas animais.
 Nesse sentido, o confinamento e o isolamento de animais não-humanos representa uma das formas mais brutais de violência, justamente por não aparecer como realmente é. Aprisionados e confinados, animais não-humanos são destituídos do senso de provimento que lhes é próprio, o da liberdade de buscar seu próprio bem a seu próprio modo.
Nós como futuras bioeticistas acreditamos que questões em que não existe consenso moral, como a utilização de animais para entretenimento, devem ser amplamente discutidas. O fato de existir como lazer ou manifestação cultural a utilização de seres vivos, os expõe a maus tratos e ao desrespeito de seus direitos. O homem possui sim direito ao lazer e cultura, mas deve ser garantida para todos os animais (humanos e não-humanos) uma vida digna, sem sofrimento. Sendo assim, a senciência e o princípio da igual consideração de interesses devem ser avaliados no convívio do homem com os demais animais, fazendo com que a moralidade, a ética e o respeito norteiem a conduta humana.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina Fundamentos da Bioética, se baseando nas obras:
FELIPE, S. T. Da igualdade. Peter Singer e a defesa ética dos animais contra o especismo. Philosophica, 17/18, p. 21-488, 2001.
FELIPE, S. T. Ética biocêntrica: tentativa de superação do antropocentrismo e do sencientismo éticos. ethic@-Florianópolis, v. 7, n. 3, p. 1-7, 2008.

SINGER, P. Ética Prática. Martins Fontes, ed. 1, 2013.