Série Ensaios: Ética Animal
Por Camila Veltrini, Maria
Fernanda Turbay Palodeto e Sabrina Buziquia
Mestrandas no Curso de Pós-Graduação em
Bioética
Em 2000, a
Folha
Online noticiou que um menino de 6 anos foi
devorado por leões. Ele estava assistindo a apresentação do circo e no
intervalo foi com seu pai e sua irmã tirar fotos com alguns animais e no
trajeto de volta, ao passar ao lado da jaula dos leões, um dos animais colocou
suas patas para fora da jaula e arrastou o garoto para o interior do
compartimento onde ele e os demais animais de sua espécie eram mantidos.
Meses depois do ocorrido, a justiça determinou que os pais do
garoto deveriam ser indenizados pela fatalidade. Tal ação, a primeira vista,
parece justa, mas infelizmente não trará a criança de volta para sua família,
nem solucionará o trauma do pai e irmã do garoto que presenciaram uma cena
chocante e lastimável.
A notícia citada lembra várias outras que veicularam em nossos
meios de comunicação, como o tigre que comeu o braço do menino em um zoológico
no Paraná ou a baleia que matou sua treinadora
durante o espetáculo que fazia em um parque na Flórida.
O comportamento
agressivo dos animais choca e assusta o público,
mas poucas pessoas percebem o quanto estes animais, utilizados para entreter o
público, podem estar sofrendo. A utilização de animais para este fim cria
sérios problemas que vão desde o comprometimento do bem-estar do
animal até a preservação de sua espécie. O abuso
da indústria
do entretenimento é quase injustificável quando
esta reflete uma crença de que os animais não-humanos existem para serem
explorados em benefício da diversão humana. Assim, tornam-se atuais as palavras
de James
Anthony Froude, que em 1986 disse: “Animais
selvagens e silvestres jamais matam por esporte. O homem é o único ser para
quem a tortura e a morte de suas criaturas-companheiras é motivo de diversão em
si”.
As preocupações relacionadas aos animais não humanos submetidos ao
entretenimento (touradas, circos, zoológicos, aquários, programas de televisão)
vem aumentando e legislações, ainda que de forma branda e com pouca
fiscalização, estão sendo adaptadas levando em conta o interesse dos animais em
não sofrer.
Durante séculos animais foram usados para espetáculos em
manifestações de lazer e suposta cultura, levando, inclusive, a extinção de
algumas espécies. Era comum manter animais aprisionados, juntamente com
escravos, para serem exibidos. No século XVI, aristocratas criavam e colecionavam
animais selvagens, pois representava riqueza e
poder. Expedições eram organizadas para capturar animais exóticos, os quais
eram mantidos em condições precárias e, muitas vezes, não sobreviviam ao
cativeiro. Provavelmente, o uso de animais em circos, zoológicos, rinhas,
rodeios, entre várias outras formas de entretenimento, são resquícios dos
costumes e tradições implantados há séculos, objetivando o lazer sem levar em
consideração o direito constitucional dos animais e a Declaração Universal dos
Direitos dos Animais, que veda qualquer maltrato
ou utilização destes seres como forma de divertimento.
A Lei
9.605/98, disciplinam os maus tratos contra
animais e o novo Código
Penal prevê punições àqueles que, de alguma
forma, causarem mal aos animais não-humanos, mesmo assim, as penas
são bastante brandas, e seu conteúdo focado nos
interesses humanos.
Para os filósofos utilitaristas, a senciência é o parâmetro da igualdade moral que define a constituição dos
seres dignos de respeito (FELIPE, 2008). Assim, humanos e não-humanos dotados
de órgãos sensoriais, portanto, seres sencientes, passam pela mesma agregação
de valor que os torna sujeitos-de-suas-vidas (FELIPE, 2001).
Um dos principais nomes que defendem esse princípio é Peter Singer, ele assume a defesa dos animais propondo que consideremos os
interesses sencientes como parâmetro para julgar quem é digno, ou não, de
consideração ética. Em relação a seres capazes de sentir dor e de sofrer, seja
humano ou não-humano, existe o interesse em comum em não sentir dor e não
sofrer (SINGER, 2013).
O princípio ético que deve
reger as interações humanas com não-humanos, no entender de Singer, é o da igual
consideração de interesses, independentemente de
quem o tenha. Para ele, a única característica moralmente relevante para
determinar quem deve ser considerado igual nesse sentido, é a capacidade de ter
interesses. Sendo assim, se o animal é dotado de um sistema nervoso que o torna
vulnerável a estímulos dolorosos, esse deve ser o parâmetro segundo o qual os
humanos devem julgá-lo (FELIPE, 2008).
Sabe-se que humanos dispõe da capacidade de expressão de seus
juízos, e por isso podem fazer política e elaborar concepções éticas, já os
animais não. Nisso, porém, não há qualquer superioridade humana, porque ser
dotado de certas racionalidades não é mérito moral, apenas algo que distingue a
natureza desta espécie das demais naturezas animais.
Nesse sentido, o
confinamento e o isolamento de animais não-humanos representa uma das formas
mais brutais de violência, justamente por não aparecer como realmente é.
Aprisionados e confinados, animais não-humanos são destituídos do senso de
provimento que lhes é próprio, o da liberdade de buscar seu próprio bem a seu
próprio modo.
Nós como futuras bioeticistas acreditamos que questões em que não existe consenso moral, como
a utilização de animais para entretenimento, devem ser amplamente discutidas. O
fato de existir
como lazer ou manifestação cultural a utilização de seres vivos, os expõe a
maus tratos e ao desrespeito de seus direitos. O homem possui sim direito ao
lazer e cultura, mas deve ser garantida para todos os animais (humanos e
não-humanos) uma vida digna, sem sofrimento. Sendo assim, a senciência e o
princípio da igual consideração de interesses devem ser avaliados no convívio
do homem com os demais animais, fazendo com que a moralidade, a ética e o
respeito norteiem a conduta humana.
O presente ensaio foi
elaborado para a disciplina Fundamentos da Bioética, se baseando nas obras:
FELIPE, S. T. Da
igualdade. Peter Singer e a defesa ética dos animais contra o especismo. Philosophica,
17/18, p. 21-488, 2001.
FELIPE, S. T. Ética
biocêntrica: tentativa de superação do antropocentrismo e do sencientismo
éticos. ethic@-Florianópolis, v. 7, n. 3, p. 1-7, 2008.
SINGER, P. Ética Prática.
Martins Fontes, ed. 1, 2013.
Por sermos a raça dominante, aquela com o intelecto avançado, deveríamos zelar pelas espécies que estão subjugadas a nós. Mas é um negócio problemático pensarmos que tanta gente se diverte e lança popularidade sobre essas formas de entretenimento, como touradas, circos com animais, rinhas, etc. Acredito que deveríamos ter evoluído um pouquinho mais, depois de tanto tempo de existência.
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