Até onde somos responsáveis pela nossa sociedade?

Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Homero Luis de Aquino Palma
Médico e aluno especial no curso de mestrado em bioética da PUCPR


Em 12/06/2015 completaram-se 15 anos do sequestro do ônibus 174, como visto na reportagem vinculada na data de 11/06/15, com a seguinte chamada: Sequestro do ônibus 174 faz 15 anos; testemunhas relembram drama. Esta matéria publicada relata o quanto este sequestro impactou, e ainda segue impactando, a vida de muitas pessoas que vivenciaram direta e indiretamente aquele dia 12 de junho do ano 2000, onde o ônibus 174 foi sequestrado às 14:00 horas, no Jardim Botânico/RJ, sendo a ação televisionada ao vivo, terminando à noite com a morte de uma refém de 21 anos que estava gestante, além do sequestrador que faleceu por asfixia após ser preso. 




                Ao rememorar tal situação, lembro-me de muitos questionamentos acerca deste fato: Despreparo dos policiais durante a ação; Falta de segurança no transporte público; Morte de pessoas inocentes; Exposição excessiva da situação pela imprensa; Situação social do sequestrador, a qual levou o mesmo a cometer tal crime; dentre outros.... Uma vez levantadas estas questões, podemos observar as seguintes percepções:
                Quais fatores contribuíram para que o sequestrador tivesse a coragem de iniciar a ação? Dinheiro? Atenção? Falta de perspectiva? Alterações na percepção através do uso de drogas e/ou entorpecentes? Outros fatores?
                Com relação aos policiais, a falta de preparo dos mesmos é de responsabilidade de quem? Seus materiais de trabalho eram os mais adequados para a situação? De onde vieram as ordens para a ação? Alguém decidiu de forma individual determinada conduta?
                Lembrando do papel da imprensa, quem permitiu a presença dos repórteres ao redor do sequestro? Os profissionais estavam em risco no local? Se sim, decidiram permanecer por conta própria? Quem publica as imagens, estavam de acordo com aquela situação?          
   Analisando o contexto histórico do homem, na busca de analisar o nosso comportamento social e individual, podemos constatar que o ser humano sente necessidades e tem medos, portanto, não parece que somos, essencialmente, seres sociais, mas que nos fazemos de sociais a partir de nossas necessidades e para superar nossos medos. Admitindo isso podemos dizer que a sociedade humana está assentada sobre os pilares do medo e das necessidades. A vida em grupo pode favorecer a sobrevivência do indivíduo mais fraco e suscetível, protegendo-o de predadores e facilitando o acesso a alimentos e suporte nos problemas de seu cotidiano, em contrapartida, esta relação pode contribuir para a vida daquele indivíduo mais forte fazendo com que este explore o trabalho do mais fraco em troca de proteção. Para que isso aconteça de forma adequada, são necessárias regras de convívio para que a unidade se mantenha protegida. A perda de um dos indivíduos prejudica o grupo, sendo assim importante o acolhimento, proteção e aceite de cada um dos membros, além da confiança entre eles, fator este necessário à sobrevivência. No decorrer da história, observa-se a ampliação dos grupos, sendo estes agregados em comunidades, cidades, países, raças, credos, gêneros... O papel dos indivíduos nesses grupos durante os anos também se modificou, sendo hoje discutido o impacto social do número da população mundial e suas necessidades básicas de vida, as quais atualmente não estão mais atreladas somente a uma questão de sobrevivência. Essas divisões podem ter contribuído para que ocorresse o enfraquecimento do coletivo, uma vez que o fator principal inicial de proteção estava atrelado a confiança dos membros, a qual é dificultada pela heterogeneidade e tamanho desses grupos.
                            Alguns princípios éticos poderão ser discutidos entre nós visando retomar uma sociedade em que coexista um equilíbrio entre o individual e coletivo, harmonizando a convivência entre os diversos grupos e pessoas, levando em consideração as mudanças sociais e tecnológicas do mundo atual.
Utilizando-se da ética da Responsabilidade ou Ética do futuro, proposta por Jonas, podemos avaliar as nossas atitudes e decisões acerca das ações individuais e coletivas, pensando no hoje e no amanhã, para que de fato a sociedade siga no caminho da evolução. Para Jonas, a sobrevivência humana depende de nossos esforços para cuidar de nosso planeta e seu futuro. Prima pela prudência, cuidado e precaução, colocando a vida no conteúdo imperativo.
  Uma outra teoria ética que podemos analizar seria a proposta por Dussel, a chamada Ética da Libertação: Ao longo dos séculos foram criadas várias teorias visando conceituar a justiça, não havendo consenso até nossos dias sobre o seu conceito e efetividade. Através da Ética da Libertação é possível, não responder definitivamente a questão, mas encaminhar para um horizonte a sua concretização. A exclusão é grande fator de injustiças, conseqüentemente, uma teoria que pretenda a ruptura com a totalidade, onde excluídos são considerados apenas como estatística, tende a ser eficaz. Esta é a finalidade da ética da Libertação: romper com a ordem posta que desconsidera as pessoas excluídas, criando uma nova situação de inclusão.
A Ética da vulnerabilidade nos traz o seguinte conceito: Cada ser humano é uma pluralidade de estados físicos e de situações, com profundas diferenças quanto à sua capacidade para acolher e suportar ações externas. As diferenças nesta capacidade são a medida da vulnerabilidade que parte da diferença como um valor humano digno de respeito e de ponderação.
Como profissional da saúde, mais precisamente médico da Atenção Primária, porta de entrada do sistema de saúde, tive algumas experiências com os meus pacientes atendidos, fatos estes que me trouxeram uma visão diferenciada quanto ao conceito de saúde-doença, modificando o foco da atenção, que na maioria das vezes estava somente na questão biológica do paciente, para uma visão mais ampliada, onde o contexto cultural, educacional, social e espiritual dos pacientes sejam tão importantes quanto as patologias físicas.
                Neste pensamento da saúde mais ampla, entendo que vários fatores interferem na vida dos indivíduos, são os chamados determinantes sociais, como a falta de moradia, uma família, acesso à educação, dentre outras coisas que muitas pessoas da nossa sociedade não têm acesso, dificultando assim que encontrem um equilíbrio em sua saúde. Passamos ao lado de muitas dessas pessoas todos os dias, porém poucas delas são observadas como cidadãs por nós, e nos hospitais essa realidade não é diferente, seja por motivo de fuga dos profissionais e/ou como forma de proteção individual dos mesmos, que optam por identificar uma doença biológica, o quanto antes possível, para que logo aquele paciente receba alta e deixe de trazer sentimentos ruins como culpa, medo e desesperança para ele e para a equipe.
                Penso em alguns momentos, e se fizermos o contrário? Ao invés de rejeitarmos esses cidadãos, não deveríamos acolhe-los? Será que se nos interessarmos um pouco sobre a vida daquele paciente a nossa opinião mudará quanto ao nosso tipo de cuidado? No documentário  “Última parada 174” onde conta a história do Sandro, morador de rua que passou por muitas provações na vida, as quais culminaram para que o mesmo realizasse um sequestro no ônibus 174 e que aquele fosse seu último dia. Lembro-me que conheci o Sandro sabendo somente do final da sua história, sequestro, morte da vítima e do “bandido”, porém ao conhecer mais sobre a sua biografia, consegui vê-lo como um cidadão que possuiu poucas oportunidades em sua vida. Podemos observar que o Sandro era um excluído social o que o tornava um indivíduo vulnerável, sendo assim, todos nós (sociedade) responsáveis por realizar esforços para que outras pessoas, na mesma situação do protagonista, não sofram o que ele sofreu...
                Através deste olhar mais amplo, acredito que de fato todos somos responsáveis pela nossa sociedade, bem como temos papéis importantes na busca de uma vida mais justa e saudável para todos, na minha área, medicina, busco ver todos os pacientes como cidadãos, com suas histórias de vida e experiências, tentando contribuir de alguma forma para que aquele indivíduo se encontre com saúde, fazendo parte e sentindo-se parte da sociedade. E você, qual seria a sua responsabilidade?


Este Ensaio foi elaborado para disciplina de Temas de Bioética e Biologia do curso de Mestrado em Bioética tendo como base as seguintes obras:
-http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/especial-sobre-onibus-174-lembra-erro-de-pm-e-narra-vida-de-sandro.html
-http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/68/41a51.pdf
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_da_liberta%C3%A7%C3%A3o
-http://www.webartigos.com/artigos/o-ser-humano-o-individuo-e-o-grupo/16601/
-http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/ateprisau.html
-https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_da_liberta%C3%A7%C3%A3o
-http://www.folhadiaria.com.br/materia/28/125/saude/saude-social/a-saude-desumanizada#.VX3GyflViko
-http://rafabarbosa.com/ultima-parada-174-resumo-do-filme/

-PESSINI, L. & BERTACHINI, l.& BARCHIFONTAINE, Christian de P. Bioetica, cuidado e humanização. 3 volumes. Editora do Centro Universitario São Camilo & Ediçoes Loyola, são Paulo, 2014.