Compaixão, Mas Ainda Sem Sabor - Como a carne artificial pode salvar o mundo?

Série Ensaios: Ética Animal


Por Silvia Moro Conque Spinelli e Mariel Mannes
Mestrandos em Bioética, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

 “Em uma manhã de primavera comum em Columbia, no estado norte-americano do Missouri, Ethan Brown está no meio de uma cozinha comum rasgando uma tira frango. “Olhe para isso”, diz ele. “É incrível!”. Em torno dele, um punhado de trabalhadores robustos de uma fábrica de alimentos do Centro-Oeste do país se inclina e acena com aprovação. http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/”

Cerca de 80% das terras do mundo são usadas para a alimentação de animais que vivem em confinamento, e não para produzir o alimento que vai direto à mesa. Ex: 0,5 kg de carne cozida requer: 298 mt de terreno; 27 kg de ração; 211 lt de água; 4000 BTU’s de energia. O consumo de carne não só devora os recursos, mas também cria resíduos.
A bovinocultura  é um dos principais destaques do agronegócio brasileiro no cenário mundial. O Brasil é dono do segundo maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças. Além disso, desde 2004, assumiu a liderança nas exportações, com um quinto da carne comercializada internacionalmente e vendas em mais de 180 países.
O rebanho bovino brasileiro proporciona o desenvolvimento de dois segmentos lucrativos. As cadeias produtivas da carne e leite. O valor bruto da produção desses dois segmentos, estimado em R$ 67 bilhões, aliado a presença da atividade em todos os estados brasileiros, evidenciam a importância econômica e social da bovinocultura em nosso país.
A suinocultura  também vem apresentado um impacto considerável na economia brasileira. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de produção de carne suína, com 3,1 milhões de toneladas por ano. O país vem se destacando nos últimos anos como um dos principais produtores e exportadores mundiais desta carne.
Em relação a avicultura, atualmente o Brasil é o líder na produção de carne de aves. A taxa de crescimento de produção da carne de frango, por exemplo, deve alcançar 4,22%, anualmente, nas exportações, com expansão prevista em 5,62% ao ano. No processo de produção artificial, o animal aparece apenas como um doador de células-tronco. Depois de coletadas, sem risco à vida do bicho, elas são convertidas em célula musculares e cultivadas em um biorreator com substâncias e vitaminas que estimulam o crescimento do tecido. O resultado final é um bolo de carne moída e não um pedaço de bife, mas ainda assim é carne, só muda o formato", diz a cientista. Dependendo da espécie do animal doador, tem-se uma porção de carne de boi, de frango ou porco. 

Só porque a carne é produzida artificialmente não quer dizer que seja vegetariana. À primeira vista até parece ser, no entanto, apesar de ser possível extrair células estaminais sem matar os animais, o processo poderá continuar a implicar a morte dos doadores, por questões de eficiência. Além disso, para produzirem as primeiras tiras de carne artificial, os investigadores juntaram, numa solução com nutrientes, plasma de fetos de bovinos e células estaminais, que se multiplicam, sob a forma de células do músculo dos animais doadores. Ao envolver ingredientes de origem animal, este processo não é vegetariano nem muito menos vegano. Nunca será vegano na medida que tem como base células estaminais que têm que ser sempre retiradas aos doadores do reino animal. Como esse processo não implica a morte do doador, substituindo a solução envolvente até pode ser que no futuro possa vir a ser vegetariano.A carne in vitro também guarda outra peculiaridade - seu conteúdo nutricional pode ser controlado de modo se a ter um alimento sem gordura alguma ou com algum tipo de gordura saudável, como o ômega 3, presente em peixes como atum e salmão. Por si só, esse já seria um bom motivo para a carne de laboratório cair nas graças de muita gente que sofre com problemas de hipertensão e excesso de peso, condições que normalmente exigem alimentação mais frugal, sem os excessos de uma mesa farta de bifes suculentos. Cada porção tem o equivalente a uma porção de carne de frango, mas com 0% colesterol. 1 kg de carne de frango requer 3,5 kg de ração e 30 lt de água. A mesma quantidade requer apenas 0,5 kg de ingredientes e 2 lt de água. Os estudiosos afirmam que se você considerar as condições em que a carne é produzida, como os animais são tratados e a quantidade de resíduos envolvida, verá que a carne artificial é viável. A carne cultivada em laboratório  usaria 99,7% menos terra, 94% menos emissão de gases de efeito estufa. Se comparar a fábrica de carne artificial  com as políticas secretas de matadouros industriais, a diferença será gritante.  Atualmente, a produção da carne animal vem recebendo grande apoio por meio de programas governamentais de financiamento, o que favorece a produção cada vez maior, afim de atender a um consumo de um consumidor que em sua grande maioria, vive nas grandes metrópoles.

O consumo humano de carne animal é uma prática milenar, onde o abate era para o próprio consumo, e não para a comercialização. Também a relação entre o ser humano e o animal era uma relação de dependência, visto que o animal era domesticado para o serviço e servia também para a alimentação, com o leite e a carne. Porém, atualmente, com a concentração nas grandes cidades, esta relação passou a acontecer de outra forma, onde o animal criado para o abate tornou-se um mero fornecedor de alimento, e para atender a grande demanda, altos investimentos vem sendo feito por indústrias na busca pela produção de carne em um tempo cada vez menor. Brown, um dos pesquisadores, classifica a criação de animais para a produção de carne como obsoleta e inimiga do ambiente. Um quinto das emissões globais de gases do efeito estufa está ligado à prática, que também consome muita água. É, portanto, uma maneira muito ineficiente  de transformar vegetais em proteína. Só aproveita 15%. Em laboratório, o aproveitamento é muito maior.  “Não há tanta diferença entre a carne artificial com a carne de animais, visto que galinhas de granja não são tratadas realmente como animais. Elas são máquinas que transformam insumos vegetais em peito de frango” afirma Brown. A justificativa do autor, segue dizendo que: “Nós nunca seremos capazes de imprimir um coração exatamente como ele é, e não precisamos fazer isso. O que precisamos é criar um órgão que funcione tão bem como o coração, e isso podemos fazer. E o mesmo serve para a carne. O que se coloca na boca não é a carne real, mas podemos imprimir um mesmo valor nutricional, o que é considerar um tipo de carne diferente.  Nós pensamos nas características que a carne tem e que nós queremos reproduzir. A partir daí, procuramos maneiras alternativas de desenvolvê-las em laboratório de um modo mais eficiente. http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/ Caso o experimento se torne economicamente viável, pode ser que se acabe ou diminua drasticamente com os rebanhos comerciais no mundo. Isso, em teoria, proporcionaria mais terras livres para se plantar e reflorestar, diminuiria o consumo indireto de água e também haveria um corte gigante na emissão de gás metano pelos animais e de CO2 pelo desmatamento irregular.

 Nós como futuros bioeticistas acreditamos que o consumo exagerado de carne vai muito além da reflexão sobre a forma cruel e desumana que os abatedouros realizam seus trabalhos: hoje, consumir carne ou não, é uma questão de sustentabilidade. Tomado isoladamente, o gesto individual de diminuir o consumo de carne não tem resultado objetivo mensurável, mas quando é uma postura adotada por muitos, influi objetivamente nas condições do planeta.



Este Ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética do curso de Mestrado em Bioética tendo como base as seguintes obras:

 Como a carne artificial pode salvar o mundo?. Disponível em: http://hypescience.com/a-carne-artificial-pode-salvar-o-mundo/ Acesso em 11 de maio de 2015.
 Produção de Carne Artificial. Disponível em http://www.centrovegetariano.org/Article-585-Carne%2BArtificial.html Acesso em 05 de agosto de 2015.


Produção de Carne animal. Disponível em http://www.agricultura.gov.br/animal. Acesso em 11 de agosto de 2015.