sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Espiritualidade - A Bioquímica da Fé

Série Ensaios: Sociobiologia

Por Bruna Los
Acadêmica do curso de Biologia

Minha fé me salvou, diz instrumentadora curada de câncer
Foi no mesmo ambiente onde, diariamente, ajuda a curar e a salvar vidas que a instrumentadora cirúrgica Neide Bratan passou por um dos momentos mais importantes de sua vida: a luta contra a morte. Diagnosticada com leucemia, após diversos ciclos de quimioterapia, Neide teve uma infecção generalizada. Para agravar seu quadro, ela ainda teve um sangramento interno no tórax que só pôde ser controlado após uma cirurgia às pressas. O quadro, dado por seus companheiros de trabalho, que diariamente acompanhavam sua batalha, não era bom. “Era um atestado de óbito”, disse a instrumentadora. Contrariando todos os prognósticos, Neide teve um resultado que, para os médicos, foi incomum. Para ela, um milagre. “Eu fui um milagre de Deus. Eu acredito que pela minha fé eu recebi a cura”, afirmou” (Jornal da Band, 2015)

Há várias pessoas, que como a Neide citada anteriormente, atribuem a cura de uma doença a orações, a fé, a Deus, ou qualquer outra entidade religiosa. Devido a isso vários estudos tentam elucidar qual é a importância da espiritualidade na cura das doenças.
Em formas mais evoluídas e conscientes de vida, o cérebro desenvolveu um nível de especialização, o sistema límbico, que permitiu que todo o organismo aprimorasse os seus sinais reguladores. O sistema límbico estabeleceu um mecanismo que converte os sinais de comunicação química em sensações que são sentidas em todas as células. A mente consciente consegue ler esse fluxo de sinais celulares que compõem toda a mente do corpo, e também gera as emoções por meio de emissões de sinais pelo sistema nervoso (Lipton, B. H., 2007). Cândace Pert, estudando os receptores-processadores de informações da membrana das células nervosas, descobriu que os mesmos receptores “neurais” estavam presentes na maioria (se não em todas) as células do corpo. Com base nisso chegou-se à conclusão de que a “mente” não se concentra apenas na cabeça, mas sim que está distribuída em moléculas sinalizadoras presentes no corpo todo (Lipton, B. H., 2007). Outra descoberta importante foi que por meio da autoconsciência, a mente pode usar o cérebro para gerar “moléculas de emoção” e agir sobre todo o sistema. Sendo assim, o uso apropriado da consciência pode tornar um corpo doente mais saudável, porém o controle inconsciente inapropriado das emoções pode causar muitas doenças (Lipton, B. H., 2007). Humanos e alguns mamíferos desenvolveram uma região especializada do cérebro, chamada córtex pré-frontal, que está associada ao pensamento, planejamento, tomada de decisões e que provavelmente é o centro do processamento da “autoconsciência”. A mente autoconsciente analisa todos os nossos comportamentos, avalia cada um deles e decide se deve modificá-los. Essa capacidade da mente consciente de se sobrepor aos comportamentos programados da mente inconsciente é o que nos permite ter livre-arbítrio (Lipton, B. H., 2007). A habilidade do cérebro humano de aprender é tão avançada que podemos adquirir determinadas percepções indiretamente, a partir da experiência de outras pessoas, quando aceitamos essas percepções como “verdades”, elas passam a ser consideradas nossas próprias “verdades”. O sistema de memória subconsciente capta e armazena todo tipo de percepção do ambiente sobre objetos e situações que ameacem a vida ou o corpo físico. Nossas respostas aos estímulos do ambiente são controladas pela percepção, porém nem todas as formas de percepção que temos são precisas. Desse modo podemos concluir que a percepção “controla” a biologia. “Um sinónimo adequado para esse tipo de percepção que controla o comportamento é a palavra crença. As crenças controlam a biologia!“ (Lipton, B. H., 2007).
O termo “espiritualidade” pode ser definido como um sistema de crenças que enfoca elementos intangíveis, que transmite vitalidade e significado a eventos da vida; é a propensão humana para encontrar um sentido de conexão com algo maior do que si próprio, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal. Religiosidade por sua vez envolve um sistema de culto e doutrina que é compartilhado por um grupo, e, portanto, tem características comportamentais e sociais específicas (Saad, M.; Masiero, D.; Battistella, L. R., 2001). A crença em aspectos espiritualistas é mais importante do que a comprovação da existência de tais conceitos, pois a crença em si pode mobilizar energias e iniciativas positivas, com potencial ilimitado para melhorar a qualidade de vida da pessoa, e consequentemente a sua saúde (Saad, M.; Masiero, D.; Battistella, L. R., 2001). Segundo o neurologista Jordan Grafman, os seres humanos são predispostos biologicamente a terem crenças, e uma delas é a religião. Para ele a religião é uma forma primitiva de crença que se baseia no que é desconhecido, e nasceu da nossa necessidade de entender o que estávamos vendo (Revista Época, 2009).
Em 2004, o geneticista Dean Hamer, publicou nos Estados Unidos o polêmico livro intitulado “O Gene de Deus”, no qual apresenta resultados de uma pesquisa onde afirma ter descoberto um conjunto de genes que tornaria o ser humano mais predisposto a ter experiências sensoriais, como acreditar em Deus e aderir a uma religião (Super Interessante, 2015). Nesse estudo, Hamer descobriu um grupo de genes chamado de VMAT2, que regula as monoaminas – um grupo de substâncias que engloba a dopamina, adrenalina e a serotonina – que possuem um papel fundamental na construção da realidade e dão significado as nossas experiências. Segundo o autor, há variações desse grupo de genes e por isso algumas pessoas são mais espiritualizadas e outras menos (Super Interessante, 2015). Para Jordan Grafman e Andrew Newberg, explicações únicas não são suficientes para elucidar a origem da fé em algo divino (Revista Época, 2009). Também não podemos deixar de considerar os fatores epigenéticos, onde o meio ambiente pode influenciar o comportamento das células sem modificar o código genético. Vários estudos mostram como a nutrição, estresse e emoções podem influenciar os genes ainda que não causem modificações em sua estrutura (Lipton, B. H., 2007).
Andrew Newberg, neurologista considerado o “pai” da neuroteologia ramo que investiga e procura entender a relação entre o cérebro e a teologia, e mais amplamente entre a mente e a religião (Newberg, A. B., 2010) – descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Suas pesquisas mostram que durante as práticas de meditação e prece, o lobo frontal fica mais ativo, e o lobo parietal menos. Como o lobo parietal é responsável pela noção de tempo e espaço, “desligá-lo” geraria a sensação de imersão no mundo e a de ausência de passado e futuro muitas vezes relatadas por religiosos. A maior atividade do lobo frontal, além de melhorar a memória, segundo vários estudos também estaria ligada à diminuição da ansiedade (Revista Época, 2009). Newberg afirma que a meditação e a oração ajudam a melhorar a relação consigo mesmo e com os outros, e que possivelmente alteram os níveis de serotonina e dopamina, que regulam nosso humor, nossa memória e o funcionamento geral de nosso corpo (Revista Época, 2009).
Algumas pesquisas mostram que a meditação também está associada a alterações na quantidade de massa cinzenta do cérebro. Um estudo mostrou que o cérebro de pessoas que meditam parece ser muito menos afetado pelo declínio normal natural da massa cinzenta relacionado à idade em comparação aos que não meditam (Luders, E.; Cherbuin, N; Kurth, F., 2015). Já em um outro estudo, as tomografias cerebrais de quem medita revelou algumas áreas com mais massa cinzenta, sendo o hipocampo uma delas (Hölzel, et al., 2011). Para o médico Craig Hassed isso ocorre possivelmente porque “quando uma pessoa está contínua e regularmente prestando atenção ao que está acontecendo ao seu redor (leia-se: estar atento através da meditação) o hipocampo está sendo envolvido, então, a longo prazo, um centro de memória mais saudável é o resultado.” (Buzzfeed, 2015).  Um outro estudo mostrou que a meditação pode reduzir a expressão de genes (como RIPK2 e COX2) envolvidos em processos inflamatórios, o que está correlacionado com uma recuperação física mais rápida em situações estressantes. O estudo fornece evidências de que as pessoas podem alterar a atividade gênica e assim melhorar sua saúde através do pensamento e do comportamento (Kaliman, et al., 2014).
Há vários relatos de pessoas que melhoram devido a “efeitos placebos”, acreditando que estão ingerindo um medicamento, mas na realidade é apenas uma pílula de açúcar. Em um estudo, o doutor Bruce Moseley dividiu seus pacientes que sofriam de artrite nos joelhos em três grupos, em dois dos três grupos ele aplicou duas técnicas cirúrgicas diferentes, e no terceiro grupo apenas simulou uma cirurgia. O resultado foi que todos os três grupos obtiveram melhoras. Após esses resultados, Moseley declarou que suas habilidades de cirurgião não trouxeram nenhum benefício para seus pacientes, que o único efeito em todas elas foi o placebo. “Qualquer coisa é possível neste mundo desde que sua mente queira. A mente é capaz de verdadeiros milagres” (Lipton, B. H., 2007).
Sam Harris, filósofo e doutor em neurociências, mostra em seu novo livro Waking Up, que é possível chegar à transcendência sem se aproximar da essência divina, através de técnicas como meditação, respiração, etc. Para Harris seguidores de todas as religiões e/ou credos e aqueles que não possuem fé alguma tem os mesmos tipos de experiências espirituais. Em sua visão, a espiritualidade é um processo de descoberta de algumas coisas sobre a natureza da consciência por meio da introspecção, sendo assim uma experiência mental. “A espiritualidade não é importante apenas para ter uma boa vida. Ela é importante para entender a mente humana” (Revista Veja, 2014).
Segundo James Lovelock, autor de “A hipótese de Gaia”, a Terra e todas as suas espécies constituem um único organismo vivo e interativo. Partindo desse pressuposto, cada proteína em nosso organismo é um complemento físico-eletromagnético de algo no ambiente. Como somos feitos de proteína, logo somos feitos à imagem do ambiente, seja esse ambiente chamado de universo ou como muitos gostam de chamar: Deus (Lipton, B. H., 2007).

 “Quando um feixe de luz branca atravessa um prisma, sua estrutura cristalina a refrata e distribui, fazendo com que ela se transforme em um espectro semelhante a um arco-íris. As cores que compõem a luz branca são vistas em separado devido à sua frequência individual. Se o processo for revertido, ou seja, se projetarmos um espectro com as cores do arco-íris por meio de um cristal, as frequências de cada uma delas vão se recombinar e formar um facho de luz branca. Agora, imagine que a identidade de cada ser humano é a frequência individual de uma das cores do espectro. Se eliminarmos propositalmente uma delas, ou seja, se retirarmos uma das cores de que "não gostamos" e tentarmos fazer o restante passar pelo prisma, o resultado não será mais luz branca. Por definição, a luz branca é composta de todas as frequências juntas. Muitos espiritualistas preveem o retorno da Luz Branca ao planeta e imaginam que virá na forma de um indivíduo como Buda, Jesus ou Mohamed. De acordo com minha recente descoberta da espiritualidade, imagino que a Luz Branca somente retornará ao planeta quando os seres humanos reconhecerem uns aos outros como frequências individuais de suas cores. Enquanto continuarmos matando ou depreciando as pessoas das quais "não gostamos", como se estivéssemos destruindo uma simples frequência do espectro em um laboratório, jamais conheceremos a Luz Branca. Nossa missão é proteger e cuidar de cada frequência humana para que o espectro de Luz Branca possa voltar a brilhar.” (Lipton, B. H., 2007).

Como formanda em Biologia, acredito que a espiritualidade independente de ter uma base religiosa ou não, é importante para nos conhecermos e entendermos melhor como tudo a nossa volta funciona. Acredito que quando passamos a entender que fazemos parte de algo maior, chamado universo, começamos a mudar nossa maneira de pensar e agir, pois sabemos que tudo que fazemos poderá nos trazer consequências.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Etologia II, baseando-se nas obras:

Buzzfeed [online] (2015) Disponível em >>http://www.buzzfeed.com/gyanyankovich/isto-n-o-que-acontece-com-seu-cnrebro-quando-voco#.gud1O18jBe<< Acesso dia 01 de Set. 2015.

Hölzel, B. K., Carmody, J., Vangel, M., Congleton, C., Yerramsetti, S. M., Gard, T., et al. (2011) Mindfulness practice leads to increases in regional brain gray matter density. Psychiatry Res. Jan 30; 191(1): 36–43.

 

Jornal da Band [online] (2015) Disponível em: >> http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/noticia/100000745972/cura-pela-fe.html<< Acesso dia 01 de Set. 2015.

 

Kaliman, P.; Álvarez-López, M. J.; Cosín-Tomás, M., Rosenkranz, M. A., Lutz, A., Davidson, R. J. (2014) Rapid changes in histone deacetylases and inflammatory gene expression in expert meditators. Psychoneuroendocrinology 40, 96—107.

Lipton, B. H., (2007) A biologia da crença. Ed. Butterfly. São Paulo.

Luders, E.; Cherbuin, N; Kurth, F., (2015) Forever Young(er): potential age-defying effects of long-term meditation on gray matter atrophy. Front. Psychol., 21 January.

Newberg, A. B. (2010) Principles of Neurotheology. Ashgate Science and Religion Series).


Revista Super Interessante [online] (2015) Disponível em >>http://super.abril.com.br/cultura/espiritualidade-a-genetica-da-fe<<. Acesso em 01 de Set. 2015.
Revista Época [online] (2009) Disponível em >>http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI64993-15224,00-A+FE+QUE+FAZ+BEM+A+SAUDE.html<<. Acesso em 01 de Set. 2015.
Revista Veja [online] (2014) Disponível em >> http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-espiritualidade-sem-deus/<< Acesso em 01 de Set. 2015.
Saad, M.; Masiero, D.; Battistella, L. R. (2001) Espiritualidade baseada em evidências. Acta Fisiátrica 8(3): 107-112.




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