Série Ensaios: Ética
Animal
Por Houda
Izabela de Oliveira, Michele
Ribeiro Vieira de Mello e Rosel Antônio Beraldo
Mestrandos em Bioética pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná
No último
dia 10 de junho de 2015, a Revista Veja, em sua edição 2.429, ano 48, nº 23,
publicou uma reportagem especial com o título: A casa agora é deles. A matéria
aponta para os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas[1]
(IBGE) de 2013 sobre o número das famílias brasileiras que criam animais em
seus lares.
Causa
espanto que atualmente a cada 100 famílias no Brasil, 44 criam cachorros e 36
têm filhos. Sendo 52 milhões de cães e 45 milhões de crianças. Contudo é válido
ressaltar que a reportagem aponta crianças até 14 anos de idade, porém esse
número tende a diminuir, pois esta faixa etária já pertenceria aos
adolescentes. Na reportagem também são apresentados dados de outros países emergentes
nesse campo como por exemplo o Japão que hoje tem cerca de 22 milhões de
animais contra 16 milhões de crianças e dos Estados Unidos com 48 milhões de
cães e 38 milhões de crianças. Esses três países juntos movimentam na
atualidade um mercado bilionário tanto em termos de animais quanto de produtos
especializados tais como cremes, shampoo, pasta de dente entre outros.
Os motivos abordados pela matéria e
que não se esgotam neles mesmos são os de ordem demográfica, ou seja, estão
nascendo menos crianças no Brasil hoje (e isso tende a se acentuar num futuro
próximo, acarretando também um aumento de pessoas idosas), entretenimento[2],
preenchimento de vazios deixados pela partida dos filhos em busca de trabalho e
realização profissional em outros locais e o alto custo na criação de filhos
(como se manter um cachorro custasse pouco dinheiro). Para se ter um filho[3]
é necessário dispor de espaço considerável, carinho, ternura, acolhida, saber
relevar seus gritos e choros, enfim um preço que precisa ser pago pelos pais,
mas que infelizmente muitos não querem aceitar, já um animal (fixemos em nossa
mente um cão ou um gato) dependendo do porte é possível adaptá-lo na
infraestrutura que a pessoa possui e também porque eles não reclamam, não
choram, não brigam, dentre outras coisas mais.
Nos dias atuais tornou-se comum ter
em casa animais para entreterem seja uma criança, seja um adulto, o mais
incrível é que na grande maioria dos lares muitas pessoas moram sozinhas, a
reportagem aponta que somente a nível de Brasil cerca de 35% de pessoas
residindo sozinhas[4]
hoje e para isso criar um animal torna um meio do indivíduo se relacionar
afetivamente, haja vista que o dinheiro que poderia ser gasto com um filho ou
outra pessoa qualquer, esses moradores solitários então gastam com seus
animais.
A reportagem ainda ressalta que os
atuais mercados dos pets estão em expansão, eles desconhecem a crise que se
abate sobre o Brasil (não esquecer que essa reportagem é do dia 10/06/2015). O
Brasil apresenta-se hoje no 2º lugar no ranking de faturamento[5],
em 2014 foram R$ 16 bilhões de reais, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Outro ponto relevante é que este gasto é muito superior ao gasto com bebês ou
com a saúde, a mesma reportagem ressalta que cuidar desses animais não sai nada
barato.
O mercado de pets[6]
está num constante crescimento, ofertando serviços variados e especializados
para os cães, tais como: ração gourmet, SPA, ioga e tv a cabo própria para os
caninos. E um grande avanço na medicina veterinária também é amplo e variado,
um enorme complexo clínico dirigido a esses bichos está à disposição deles tais
como: cardiologistas, oncologistas, endocrinologistas[7]
e intensivistas. Já estão amplamente disponíveis exames de sangue, raio-x,
ultrassom, tomógrafo, ecocardiógrafo e diversas vacinas. A perspectiva de vida
do cão também aumentou, atualmente este animal pode viver em média 18 anos.
Após a exposição destes dados,
abordaremos apenas alguns problemas identificados na reportagem e que suscitam
dúvidas, temores e indignação. Ao longo dos anos o cão passou por um intenso
processo de transformação, tornando-se assim no melhor amigo do homem, ocorreu
o que os entendidos chamam de humanização[8]
dos animais. Para Christina
Malm[9]
(professora da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais),
humanização é o excesso dos cuidados
com os animais. Segundo a veterinária “posso tratar meu animal com todo o
carinho, mas não devo esperar que ele se comporte como um ser humano”.
Outro
fator é que a indústria pet que percebeu na humanização dos animais domésticos uma
ótima oportunidade de crescimento econômico. Assim, passou a incentivar as
pessoas para criarem animais de estimação em detrimento dos filhos. Pois o
custo é menor se comparado ao de uma criança e os cuidados são diferentes, não
havendo necessidade de estrutura física, atenção com os horários das
alimentações e educação. Com isso as
pessoas estão optando por não terem filhos (e quando os tem é já com uma idade
considerável) e sim animais de companhia. Entretanto essa opção está aumentando
sobremaneira a humanização. Ressaltamos que a escolha entre criança e animal
não deve ser comparada, pois eles são diferentes e consequentemente os
sentimentos serão outros. Portanto, se não houver o excesso de cuidados, de
humanização nos questionamos se não seria possível ter os dois (animais e
filhos). Outra consideração é em relação
ao status de ter um animal com alto
valor de compra e de raça. Pois se a intenção é ter e cuidar de um animal,
existe esta distinção entre adotar ou comprar um animal. Contudo, se o animal
não tiver as características relevantes que o mercado impõe, ele não suprirá a
necessidade imposta.
Os animais assim como os humanos
também têm prazo de validade, nascem, crescem e morrem, não poderia ser
diferente, acontece que hoje mais do que em qualquer outra época e isso a
reportagem deixa claro é que algumas pessoas escolhem esses animais apenas para
entreterem os seus dias e no mais das vezes preencher vazios, sendo um
interesse puramente próprio, egoísta e quase nunca em prol do animal. Desta
maneira, quando o animal já não é mais interessante para a pessoa ocorre o
abandono do mesmo ou em outras palavras, ocorre o seu descarte puro e simples.
Com todo o excesso de cuidado, a
humanização pode vir a trazer malefícios aos animais, acabam por perder a sua
essência. Os animais começaram a ter aparências humanas e a desenvolverem
doenças que antes não tinham, tais como: crises de ansiedade, roem unhas, perda
do apetite em decorrência do stress e muitas vezes sendo necessário o uso de
medicamentos, criando assim um círculo extremamente perigoso para ambos os
lados.
Para o teólogo brasileiro Leonardo
Boff[10] o
cuidado não deve ser uma ética de princípios e normas que defendem direitos,
mas uma ética da virtude que suscita atitudes e forma caráter que sustentam a
conscientização ecológica e cultural sobre transformação da sensibilidade pela
vida. Não são normas culturais, são regras de conduta expressas em valores e
atitudes, para os quais é necessário educar-se, é urgente rever as atitudes que
atende para as leis naturais. Esse cuidado deveria no mais das vezes se tornar
uma verdadeira cultura que permeasse toda a sociedade e não uma parte dela
apenas.
Na mesma toada, a Laudato Si reforça
que um “antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado. Quando
o ser humano se coloca no centro acaba por dar prioridade absoluta aos seus
interesses contingentes e tudo o mais se torna relativo” (LS 122).
Sugere-se assim uma justa medida,
mais especificamente aquela abordada por Aristóteles, pois entende-se a necessidade
de buscar um meio termo na convivência entre homem e animal. Assim não sendo
necessário escolher entre um e outro, mas buscando o equilíbrio nas relações e
nos cuidados.
O presente ensaio foi
elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética, tendo como base as obras:
ALVARENGA,
Bianca; RITTO, Cecília: A casa agora é
deles. Revista Veja, edição 2429, ano 48, nº 23, 10/06/2015. Editora Abril.
p 68-77.
FISCHER,
Marta: Fundamentos da bioética: um
pouquinho de bioética ambiental.
FRANCISCO,
Papa: Encíclica Laudato Si.
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