domingo, 21 de dezembro de 2025

Amor incondicional

Por Thierry Lummertz 


O

rio que

corre em mim

é amor incondicional.

Assim como o rio que corre,

incondicionalmente, levando o

líquido da vida para todos os seres

desse planeta, sem esperar nada em troca,

o meu amor pela natureza é puro, leve, como

o amor divino por todos nós. A água é o próprio amor

diluído, uma molécula simples que está em tudo e em todos.

Essa água não é minha, nem sua, nem de ninguém. Apenas é o

lembrete do amor da mãe natureza para seus seres viventes nela.

Quando olhamos a terra de fora, é possível perceber que não existem

muros que separam a natureza do que somos. Portanto, a água flui, traspassando as pedras, sem fronteiras, resiliente aos obstáculos, simplesmente se deixando ir, na direção que o caminho a conduz. Não de forma impensada, mas consciente que esse é o melhor caminho. Ela é transparente em sua verdade, porém aberta a novas possibilidades, podendo se moldar a situações e lugares. Ela, humildemente, sabe a sua importância e cada gota de água sabe seu propósito, unindo-se a um fluxo de água maior e maior, sendo cachoeira, riacho ou correnteza. Então, todas elas juntas, iluminando o caminho, rolam em uma sonora e constante coreografia, para o extraordinário oceano. Na imensidão das águas profundas se abriga ainda mais vida, numa delicada dança, que equilibra toda a biosfera. Águas profundas que nos fazem mergulhar no profundo do nosso ser e buscar o amor mais puro pelos nossos irmãos e os moradores desse grande ecossistema, que funciona num fluxo de energia, neste e em outros mundos, no passado, presente e futuro, que construímos aqui e agora, para que a vida continue para além do universo. Meu amor é correnteza que flui para a unidade, abençoada pelo grande e infinito Universo, que nos presenteia todos os dias com uma oportunidade de aprendermos uns com os outros e cumprir nossa jornada nessa experiência física e conectada.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Ser Água: um jeito de existir no mundo


por Nayara Lemasson Tortato
Pibic-Jr PUCPR

Ser água, pra mim, vai muito além de ser líquida ou transparente. É quase um jeito de existir no mundo. A água não briga com o espaço que tem, ela simplesmente ocupa, se molda, escorre, vira onda, sossega, tempestade… e continua sendo água. Quando penso nisso, lembro do jeito que eu me sinto nadando, como se meu corpo e a água conversassem em silêncio. E é daí que nasce minha ideia de ser água: ser livre, ser leve e, ao mesmo tempo, ser forte. Quando eu entro na piscina, parece que tudo encaixa. A água me puxa pra perto, esfria a pele, acalma a mente e dá aquela sensação de que o mundo lá fora fica em pausa por alguns minutos. Cada braçada vira um passo que eu dou dentro de mim mesma. Tem dias que nado rápido, quase como se estivesse correndo de alguma coisa. Tem dias que vou devagar, só sentindo a água passar pelos meus braços, como quem aprende a respirar de novo. E é nesse balanço que eu percebo o quanto a água me ensina. Ela não tem medo de mudar de forma, de virar chuva, gelo, vapor. Ela não pede desculpa por ser forte quando precisa ou por ser tranquila quando é o momento. E eu tento ser assim também: flexível sem perder meu jeito, firme sem ser dura, suave sem me apagar. A água me mostra que até quando tudo pesa, ainda tem como flutuar. Mesmo quando a vida parece fundo demais, existe sempre um jeito de seguir em frente, nem que seja contornando o obstáculo. No fim, ser água é entender que a vida não é uma linha perfeita, reta e controlada. É correnteza, é curva, é movimento. É cair, levantar, evaporar e voltar à terra. É encontrar força na adaptação e paz no fluxo. Quando eu nado, eu me lembro disso: que eu posso seguir, posso mudar e ainda continuar sendo eu. Ser água é ser liberdade, é ser coragem, é ser movimento. E, de algum jeito bonito, é exatamente assim que eu quero viver.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

O lugar onde o mundo sonha em nós



por Marta Luciane Fischer



Os sonhos sempre me intrigaram. Viver e lembrar dessa outra dimensão foi, durante muito tempo, um desafio para mim, embora houvesse algo profundamente intuitivo que insistia em dizer que ali existia uma mensagem a ser decifrada. Alguns sonhos eram assustadores, outros reveladores, outros acolhedores. Há um, em especial, que atravessou o tempo sem perder nitidez: eu tinha cerca de quatro anos e caminhava por uma vila, subindo uma rua de paralelepípedos, de mãos dadas com Jesus. A imagem permanece viva, não como lembrança difusa, mas como experiência plena, quase corporal. Por um período da vida, passei a retratar meus sonhos em desenhos e a refletir sobre eles; reverberavam por dias, semanas, às vezes meses. Mais recentemente, comecei a registrá-los em áudio e depois a passá-los para a escrita, como se fosse necessário atravessar conscientemente uma barreira entre o que chamo de consciente e inconsciente para que essa comunicação pudesse, de algum modo, me situar no mundo. Esse movimento despertou uma curiosidade mais ampla sobre o que são os sonhos, de onde vêm e por que, em certos contextos, parecem tão centrais, enquanto em outros se tornam quase irrelevantes. Do ponto de vista biológico, hoje sabemos que sonhar é uma função regular do cérebro humano, fortemente associada ao sono REM, embora também ocorra em outras fases do sono. Estudos clássicos e contemporâneos em neurociência demonstram que a produção de sonhos é automática e recorrente: quando indivíduos são privados de sono REM, ocorre posteriormente um rebote onírico, indicando que o cérebro preserva ativamente essa função mesmo sob condições adversas. Não há evidência de que populações modernas sonhem menos em termos neurofisiológicos; o que mudou foi a relação com o sonho e, sobretudo, a capacidade de lembrá-lo e elaborá-lo simbolicamente.
A distinção entre sonhar e lembrar do sonho é central. Sonhar é um processo contínuo; lembrar é um evento contingente, dependente da ativação coordenada de sistemas de memória episódica, linguagem e atenção, especialmente envolvendo o hipocampo e regiões do córtex pré-frontal. Durante o sono REM, essas áreas apresentam atividade reduzida, o que explica por que sonhos vívidos tendem a se dissipar rapidamente ao despertar. A recordação está fortemente associada a microdespertares espontâneos durante ou logo após o REM, algo cada vez mais raro em rotinas marcadas por alarmes, privação de sono, hiperconectividade digital, uso de álcool e psicofármacos. Assim, a sensação moderna de “não sonhar” decorre, em grande parte, da degradação da arquitetura do sono, amplamente documentada por estudos epidemiológicos e pela Organização Mundial da Saúde. Há, contudo, um componente cultural decisivo. Em sociedades modernas, os sonhos foram progressivamente privatizados, medicalizados ou descartados como irrelevantes. Fora de contextos terapêuticos específicos, raramente são compartilhados ou interpretados coletivamente. Mesmo a psicanálise, ao recolocar o sonho no centro da vida psíquica, restringiu sua leitura ao espaço clínico, desvinculando-o de uma função social mais ampla. Pesquisas em psicologia cultural mostram que, embora as pessoas continuem sonhando, tendem a classificar seus sonhos como “estranhos”, “sem sentido” ou “apenas coisa da mente”, refletindo um regime cultural que desautoriza o sonho como forma legítima de conhecimento. Onde o sonho não importa socialmente, ele não é lembrado; onde importa, ele é narrado, escutado e elaborado, como demonstram estudos transculturais com populações indígenas e tradicionais.
Esse deslocamento cultural também transformou o conteúdo e o sentido do que se chama “sonho”. Atualmente quando perguntamos a alguém qual é o seu sonho, geralmente é uma expectativa individualista, geralmente de difícil realização e envolvendo saciamento de necessidades materiais. É a mercantilização do sonho. Nas cosmologias antigas — egípcias, africanas, asiáticas e ameríndias — o sonho não era estruturado em torno do desejo individual ou de aspirações futuras. Sonhava-se com relações, advertências, alianças, doenças, guerras, territórios e responsabilidades. No Egito Antigo, por exemplo, os sonhos eram considerados mensagens objetivas enviadas pelos deuses e interpretadas por especialistas; manuais de oniromancia, como o Papiro Chester Beatty III, integravam sonho, medicina, política e religião em um mesmo sistema de conhecimento (Assmann, Death and Salvation in Ancient Egypt). Em muitas sociedades africanas, o sonho era espaço de encontro com ancestrais e divindades, orientando rituais, diagnósticos e decisões coletivas, sem a separação moderna entre subjetivo e objetivo (Mbiti, African Religions and Philosophy,). Nas tradições asiáticas, o sonho também ocupou lugar central. Na China clássica, textos como o Zhougong Jie Meng articulam o sonho à harmonia cosmológica do qi, enquanto o taoismo questiona radicalmente a fronteira entre vigília e sonho, como no célebre relato de Zhuangzi que sonha ser uma borboleta. Na Índia, os sonhos aparecem nos Vedas e nos Upanishads como um dos estados fundamentais da consciência, essenciais para compreender a natureza do eu e a ilusão do mundo fenomênico, mais ligados ao conhecimento e à libertação do que à previsão do futuro.
Entre povos ameríndios, essa concepção relacional do sonho atinge talvez sua expressão mais radical. Em muitas cosmologias indígenas das Américas, o sonho é uma experiência ontologicamente real, na qual a alma se desloca e entra em relação com espíritos, animais-pessoa, ancestrais e entidades territoriais. Entre os Achuar, sonhar é literalmente ver e escutar outros seres em um plano contínuo ao da vigília, orientando decisões práticas como caça, cura e guerra. Eduardo Viveiros de Castro descreve o sonho como trânsito perspectivista, no qual o sonhador pode assumir o ponto de vista de outros seres, o que exige cuidados rituais e validação coletiva (A inconstância da alma selvagem). Entre povos norte-americanos, como os Ojibwa, os sonhos-visão estruturavam pactos éticos duradouros entre humanos e espíritos guardiões, moldando a própria pessoa ao longo da vida (Hallowell, Ojibwa Ontology). De forma transversal, os sonhos ancestrais indígenas articulavam três dimensões fundamentais: epistemológica, ao produzirem conhecimento legítimo sobre o mundo; ontológica, ao revelarem a continuidade entre os planos visível e invisível; e ética, ao orientarem condutas, alianças e cuidados com o território. Diferentemente das leituras psicanalíticas modernas, que tendem a reduzir o sonho à expressão simbólica do inconsciente individual, as cosmologias indígenas compreendem o sonho como evento relacional, situado e politicamente relevante, inserido em redes de reciprocidade entre humanos, ancestrais e não humanos.
Essa concepção permanece viva em muitas comunidades contemporâneas e tem sido reconhecida, inclusive, como um desafio epistemológico às ciências modernas, ao propor outras formas de produção de conhecimento e de relação com o real, como discutido por autores ligados à antropologia da ontologia e à etnopsicologia indígena (Kopenawa & Albert, A queda do céu). O contraste com a modernidade é profundo. A partir do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Científica, experiências não replicáveis como os sonhos tornaram-se epistemologicamente suspeitas. O sonho foi progressivamente confinado ao domínio da mente, da imaginação ou da patologia, primeiro pela filosofia moderna, depois pela psicologia e pelas neurociências. Não se trata de negar o valor dessas abordagens, mas de reconhecer que elas produziram um empobrecimento da autoridade pública do sonho, transformando-o em experiência privada, sem relevância ética ou coletiva. Como mostram autores como Walter Benjamin e Bruno Latour, esse processo revela menos um avanço natural da razão e mais a imposição histórica de um regime específico de conhecimento, que separa sujeito e mundo, fato e valor, humano e não humano (O narrador e Jamais fomos modernos,). Talvez retomar a escuta dos sonhos, como experiência biológica, cultural e ética, seja também um gesto bioético cotidiano. Não no sentido de romantizá-los ou absolutizá-los, mas de reconhecer que eles expressam modos de relação com o mundo que a modernidade tentou silenciar. Sonhar continua sendo universal; lembrar, narrar e atribuir sentido ao sonho é uma escolha histórica e cultural. E essa escolha diz muito sobre como concebemos a nós mesmos, o conhecimento e as formas legítimas de habitar o mundo.

 


domingo, 14 de dezembro de 2025

Eu sou o Rio e o Rio sou Eu

                              Por Marta Luciane Fischer


É preciso ter sonhos para viver? É preciso ter um propósito? A vida só vale a pena se for vivida? Se eu sou o rio e o rio sou eu, o que sinto ao entrar no rio é o mesmo que ele sente ao eu entrar nele? Há algum tempo, tenho pensado muito sobre esse entrelaçamento entre o que é ser e o que a água é. Se é possível encontrar uma relação entre o que sou e o que é a água. É impressionante como uma molécula tão simples representa a vida em multidimensões, e como observar a água atentamente pode, de alguma forma, nos ajudar a entender a nós mesmos e o sentido da vida. Num primeiro momento, pensei que Eu era o Rio, a água carregada de história, dores e amores, que passava por mim ativando processos bioquímicos que animavam meu corpo. Era Eu. Mas depois entendi que Eu não era a água em si, mas o Substrato que acolhia essa água enquanto ela passava por mim. Sim, eu sou a água, mas enquanto ela está acolhida pelo meu substrato, que é infinitamente menor que ela, mas cujos contornos, dureza, texturas e turbidez possibilitam que essa água se movimente mais rápido ou mais devagar, que seja mais cristalina ou escura, que comporte mais ou menos vida, que se demore mais ou menos por aqui. Tal como a água, o Substrato também é mutável, mas tem raízes, tem história, tem acúmulos e erosões que dão sentido ao rio. Então, ser rio não é apenas ser, há uma ação no moldar desse substrato que acolhe a água, há decisões sobre o que, como e onde acumular os detritos que vêm de um fluxo ancestral e experiencial. Há decisão em ser pedra, areia ou argila e impactar na expressão da água que por aqui passa. Mas essa água também impacta o substrato, pois, de onde vem, traz suas experiências. Ser rio é ser substrato raso e também profundo. O rio passa por cima, entra abaixo e acima do substrato. O rio passa liquefeito, congelado ou gasoso. O rio passa doce ou salgado. Às vezes, o rio pode ser represado e suas águas não seguem em uma única direção, mas se multiplicam em formas de expansão. Eu, ser que respira, também sou o rio que respira, contrai e expande as águas nas margens, mudando o contorno desse substrato e deixando-o, algumas vezes, irreconhecível. Há momentos em que estamos tão aptos a receber a água de outros rios que nos transformamos em um Mar, que também pode se moldar conforme substratos maiores, coletivos, que são rochas que aguentam a expressão turbulenta das águas ou areia que, no fluxo de agregar e desagregar, comporta o ritmo das águas. Posso ser rio, lago ou mar; superficial, subterrâneo ou voador. 

E tudo é tão simples em uma complexidade capaz de revelar, nas faces das águas, todas as faces da subjetividade humana. E tão perfeitamente composto, tal qual a sinfonia gerada no universo com os movimentos cósmicos. Na busca da nossa integridade e de um sentido para tudo o que sentimos, nos afastamos da resposta que está em e ao nosso redor. Seria eu um ser diferente se, apenas respirando, fosse aquele que procura um sentido para sua respiração? Será isso consequência dos trajetos dos nossos próprios substratos, que precisam colapsar para se reintegrar? Nosso início foi uma gotinha no oceano que abrigou poeiras de estrelas, permitindo que seus entrelaçamentos formassem tantas formas de vida que nem conseguimos contar. A memória desse momento é replicada milhões, bilhões, trilhões de vezes em um corpo que, assim como a gota de água, abriga inteligência e gera coletividade em meio à individualidade. Essa compreensão de que sou o substrato que respira e é Rio, não é uma excentricidade nem exclusividade. Trilhões antes de mim encontraram o sentido do seu Rio, até de uma forma mais genuína, pura e autêntica. Hoje, integro esse conjunto de seres que não querem apenas ser moléculas agregadas e movimentadas no fluxo entorpecente, mas que aceitam, sem vitimização, sentir o que o Rio sente quando é estagnado, quando é ferido pelas feridas de outros rios, quando é contaminado por sentimentos que não são seus, quando é explorado como um serviçal dedicado sem reconhecimento, quando é silenciado, ofuscado, injuriado e injustiçado por reagir à altura do dano que lhe é imposto. Hoje, me sinto mais humana porque me sinto mais rio, me sinto dolorida, mas menos solitária. E entendo que o sentido da vida é, sim, o sentido do Rio, mas que o Substrato que sou dá sentido a esse sentir.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A natureza que nos percebe, quando o silêncio se torna voz: humanos e não humanos em deliberação



Por Cristiano Chiaramonti


Refletir sobre deliberação implica reconhecer que pensar a Bioética Ambiental significa admitir que humanos e não humanos compartilham histórias, influências e destinos interligados. A antropóloga Anna Tsing oferece uma chave preciosa para compreender esse entrelaçamento possível de ser transposto para uma Bioética Ambiental interdisciplinar e complexa. Ao apresentar as assembleias como fundamento para a compreensão de agrupamentos abertos que formam teias de relações possíveis. Para Tsing, assembleias não são apenas encontros eventuais, elas são processos vivos, espaços onde diferentes formas de vida, humanas e não humanas se transformam mutuamente, produzindo histórias que extrapolam a soma das partes envolvidas. São encontros que se tornam acontecimentos se modificando por meio de uma contaminação de saberes mutuamente retroalimentado no processo. Essas assembleias deslocam certezas unilaterais e retiram o humano e os não humanos do centro exclusivo de decisão, arrastando para dentro de si todos os elementos que compõem e sustentam a vida planetária, revelando que não há domínio estritamente unilateral capaz de se sustentar sozinho a diversidade. Esse deslocamento nos ajuda a revisitar uma das críticas mais intensas feitas por Tsing, a crença no progresso ilimitado, corroborado por Van Potter em sua obra Bioética Global. Por séculos, naturalizamos a ideia de que sempre haverá algo maior, melhor e mais avançado à frente, como se a história da diversidade da vida fosse uma estrada linear na qual humanos e os não humanos individualmente iluminam todos os demais. A sobrevivência por meio de interesses individuais, sejam eles humanos ou não humanos, maximizados pelo próprio interesse individual, acabam tirando proveito dos encontros, se mantendo inalterados enquanto núcleo de saberes, pode-se dizer que tanto a Economia quanto a Ecologia se tornaram campos férteis para o progresso como expansão individual, perdendo a relação dos encontros por meio das contaminações de verdades. Essa noção, profundamente antropocêntrica seja pela via Econômica e ou Ecológica, fracassa diante da realidade contemporânea e de suas múltiplas crises socioambientais. Insistir que o progresso, entendido como crescimento permanente e individual, é o único caminho possível nos impede de enxergar a complexidade das relações que sustentam a vida planetária. 
Na tentativa de romper essa narrativa, é preciso observar as assembleias compostas por humanos e não humanos com outro olhar. As crises ambientais, rios contaminados, cidades sufocadas, florestas devastadas, espécies extintas, são fenômenos isolados da sociedade, decisões individuais de desenvolvimento, que são constituídas por crises sociais. Toda mudança climática e ou ambiental corresponde a um modo de organizar a vida planetária marcada por decisões desiguais, exploração e individualismo. A natureza, embora muitas vezes silenciosamente, responde a essas crises sociais de maneira persuasiva, o silêncio de um rio poluído é uma forma de resposta, o silêncio de uma floresta devastada é um aviso, o silêncio de uma espécie extinta é um grito tardio, as enchentes em grandes cidades e o aquecimento global são respostas silenciosas às crises socias contemporâneas. Esses silêncios são vozes, são narrativas que revelam as escolhas humanas e os limites do modelo vencedor baseado na dominação individual. A natureza não está morta, ela está silenciada, e esse silêncio revela o estado de adoecimento compartilhado entre a sociedade humana e não humanos. Pensar a relação da sobrevivência, nesse sentido, exige abandonar a ideia de conquista e expansão individual como precursores da vida. Historicamente, sobrevivência foi associada a vencer, dominar, crescer, mas Tsing convida a contemplar outra perspectiva, a sobrevivência como colaboração, como entrelaçamento de diferenças que produz aquilo que ela chama de contaminação. A contaminação, em sua concepção, não é algo negativo e sim um processo pelo qual diferentes formas de vida se transformam quando se encontram. Humanos e não humanos abrem espaço uns para os outros, suas verdades, saberes e modos de existência se contaminam, gerando diversidade, novas possibilidades e novas narrativas. Assim, sobreviver não é permanecer puro, isolado ou autossuficiente como a ideia de desenvolvimento individual nos permite pensar. Sobreviver é permitir-se ser transformado, é depender, interagir, relacionar-se, e na ausência dessa colaboração mútua, da contaminação dos saberes entre humanos e não humanos, a morte biológica, ecológica, simbólica torna-se inevitável. Quando interesses individuais, humanos ou não humanos, são maximizados a partir do isolamento, as relações deixam de gerar transformações. 
A Economia e a Ecologia, cujo radical “eco” vem de oikos, que significa casa/lar, tornaram-se, paradoxalmente, campos férteis para a perpetuação da lógica do progresso individual. Perdeu-se a percepção dos encontros, das trocas, das contaminações que sustentam a vida no planeta Terra. Para Tsing, nada na vida planetária acontece por decisões isoladas. O que realmente sustenta o mundo em que vivemos, são os encontros essa combinação instável e criativa de seres diferentes que compõem assembleias vivas e dinâmicas. São esses encontros, e não os planejamentos unilaterais dos humanos e ou dos não humanos, que produzem as condições de continuidade da vida. A ilusão da autonomia, humana ou não humana, nos afasta do reconhecimento mais básico, ninguém sobrevive sozinho. Nem florestas, nem fungos, nem animais, nem cidades, nem sociedades humanas. Todas as formas de vida dependem dessa contaminação contínua que produz diversidade, resiliência e adaptação. Assim, compreender que a natureza nos percebe, e que seu silêncio também é voz, é reconhecer que estamos todos envolvidos em um mesmo tecido vivo. Um tecido em constante transformação, feito de encontros, trocas, conflitos e colaborações. Um tecido que pede menos desenvolvimento e mais relação, menos controle e mais escuta, menos individualidade e mais assembleias. A vida no planeta emerge dessas interações, e é nelas que reside a capacidade para enfrentar as crises do nosso tempo. Humanizar a natureza é insuficiente, naturalizar os humanos também, o convite é outro, deliberarmos juntos, humanos e não humanos, em uma assembleia ampliada da vida, onde o silêncio deixa de ser ausência e se torna presença, uma presença que orienta, questiona, convoca e transforma. As florestas são concebidas e transformadas por processos de contaminação de saberes entre humanos e não humanos, não é algo estático. Davi Kopenawa, xamã Yanomami, defende a floresta porque a conhece intimamente, são suas palavras que devo ouvir, e não apenas as certezas do pensamento humano.