quinta-feira, 10 de novembro de 2022

O preconceito: Até qual ponto é natural?



Série Ensaios: Sociobiologia



por Giuliano Tomasi, João S. Randi, Marcos Bigas, Murilo Araújo, Rafael Maciel e Ronald Santos

Acadêmicos de Ciências Biológicas e Psicologia




No dia 08 de maio de 2022 foi vinculada no portal G1 uma coletânea de notícias relacionada a casos de racismo. Dentre algumas notícias, uma chamou a atenção, por relatar o caso de uma mulher que associou o cabelo crespo de outra à transmissão de doenças. Ao considerarmos que ainda persistem situações como estas no vínculo social, é de se surpreender por ainda existir tais atitudes preconceituosas, irracionais e ignorantes, em vista de todo o desenvolvimento social e histórico correlato ao tema. Contudo, tais comportamentos apresentam um fundamento biológico que está relacionado diretamente com a origem de comunidades com maiores membros de uma determinada espécie ou que prevalecem de características mais atrativas para com seus semelhantes, refletindo em uma seleção entre as comunidades e os representantes de seus grupos sociais, a exemplo podemos considerar as aves em seu caráter de seleção sexual que equivalesse de diferentes atrativos como canto, coloração e dentre outras características, tornando-os mais atraentes e consideravelmente um padrão perante aquele grupo (Favretto, 2014), em que os indivíduos que não apresentam determinada características podem ficar isolados ou mesmo não passarem seu material genético para as próximas gerações, sendo notável uma homogeneização entre os grupos.

O preconceito pode ser interpretado sob três perspectivas: biológicas, etológica e psicológica. Para a psicologia o preconceito agrega um conceito, julgamento e/ou opinião que são formados antecipadamente, independente de conhecimento ou experiência sem conhecimento necessário sobre um determinado assunto ou fato, segundo o dicionário Michaelis, sem data disponível. Em outras palavras, trata-se de algo já previamente julgado.

Para Duekitt (1992) apud Crochík (1996), existem cinco formas de se entender teorias sobre o preconceito. A primeira, a interpretação psicanalista explica-o como uma forma de defesa quando há frustração, onde quem pratica preconceito necessitaria de um objeto para justificação da sua insatisfação. No segundo há uma perturbação do desenvolvimento de estruturas psíquicas, o que poderia tornar o indivíduo predisposto ao preconceito. O terceiro trata como fruto da socialização dos indivíduos adaptados a valores e normas. Já o quarto trata como conflito de entre interesses sociais diversos. Por fim, o último, busca explicar o preconceito como um problema cognitivo, onde para entender o mundo o indivíduo o simplifica, estereotipando-o. Para o autor, essa variedade de explicações se complementa entre si (Crochík, 1996).

Assim, podemos dizer que, sob o ponto de vista dos condicionantes psicológicos, o preconceito é um viés subjetivo sobre algo ou uma situação, baseada no modo de pensar e de vida, tendo relação com o processo de experiência de vida nas quais são incorporados valores, sentimentos e ideias e muitas vezes sem ter o conhecimento real do seu objeto de preconceito. Esta é a base do preconceito na qual um padrão mental de avaliação da realidade e expresso em atitudes (UFES, 2004).

O preconceito e a discriminação acompanham o processo de aglomeração dos seres sociais e das sociedades desde os primórdios. Este comportamento surge como uma forma de defesa e proteção, visando a sobrevivência do grupo. Pois, é mais vantajoso acolher seres do mesmo grupo, com características similares, do que seres com dimorfismos corporais (diferentes). Desta forma, categorizar, definindo o que é igual ou diferente, bom ou mau, amigo e inimigo, trará maior adaptação à espécie referida.


Estas interpretações estereotipadas, desenvolvidas pelo animal social, muitas vezes possui um caráter generalista, visto que, devido ao ambiente em que vivem, pequenos descuidos podem significar morte (Crochík, 1996). Desta forma, seres similares, mas que possuem uma característica difusa, eram tratados como não pertencentes ao mesmo grupo. Quando observamos a sociedade humana atual, podemos perceber que tais pensamentos discriminativos ainda estão presentes, podendo citar uma expressão muito utilizada por ocidentais, a de que “asiáticos são todos iguais”, onde fica clara a generalização imposta a toda a população asiática. O mesmo estende-se para outros grupos como pessoas que possuem tatuagens ou uma forma de se vestir diferente da considerada “normal” por grande parte da população (Crochík, 1996).

Quando o padrão de vida comunitário passou a dominar, tais estereótipos foram reforçados como forma de união e manutenção dos grupos, e novos foram criados com base nas experiencias de cada indivíduo e que agora eram compartilhados com seu grupo (Crochík, 1996).

Pode-se considerar o preconceito como um fator agregador para a formação de muitos grupos durante a evolução do ser humano, através do compartilhamento de um mesmo ideal, sendo que alguns impactaram diretamente a história, como a formação da Ku Klux Klan nos Estados Unidos da América e o partido Nazista na Alemanha, ambos pregando a supremacia de uma raça, assim subjugando as demais (Saldanhas, 2013).

Ao se fazer um recorte histórico percebe-se que o preconceito está presente em grande parte da história, seja ela como Lusofobia, por parte dos espanhóis durante as navegações de Fernando de Magalhães, a generalização dos povos fora do Império Romano, considerados povos “bárbaros”, ou as guerras travadas entre cristãos e pagãos durante as invasões nórdicas na Europa.

Apesar de possuir uma base biológica e intrínseca ao ser humano, o preconceito não pode mais ser aceito em sua forma natural nas sociedades atuais, visto que o ambiente a qual ocorre o desenvolvimento humano atual não é o mesmo de um passado muito distante. Mesmo sendo um fator decisivo na conformação do mundo contemporâneo, suas raízes como forma de defesa contra o estranho devem ser conhecidas para serem embotadas/controladas, para que formas exageradas não ganhem espaço dentro da sociedade.

Podemos até dizer que julgamos as pessoas pelo seu carácter, e não pela cor da pele. Mas o nosso cérebro, sem sombra de dúvida, e de maneira muito rápida, percebe a cor, a raça. Em cem milissegundos, a função cerebral já diverge de duas formas deprimentes, dependendo da raça do rosto, conforme mostrado em estudos de neuroimagem (OLSSON, 2005).

Além disso, as pessoas costumam julgar rostos neutros de indivíduos de outras raças como mais zangados do que os da mesma raça. Dessa forma, se os brancos veem o rosto de um negro numa velocidade subliminar, a amígdala ativa-se. Mas, se a imagem for exibida por um tempo suficiente para haver o processamento consciente, então o córtex cingulado anterior e o «cognitivo» CPFdl (Córtex Pré-Frontal dorso lateral) ativam-se e inibem a amígdala. É o córtex frontal quem exerce controle executivo sobre a resposta mais profunda e sombria da amígdala (RICHESON et al., 2003).

A nossa afinação para a raça também pode ser comprovada de outra forma. Mostre-se o vídeo de uma mão anónima a ser espetada por uma agulha e os voluntários apresentam uma resposta «sensório-motora isomórfica»: as suas próprias mãos ficam tensas, por empatia. Tanto em brancos quanto em negros, a resposta é embotada para mãos de outras raças; quanto maior o racismo implícito, maior o embotamento. De modo similar, entre voluntários de ambas as raças, houve maior ativação do (emocional) CPF medial ao considerar infortúnios ocorridos com membros da própria raça, por comparação com os sofridos por indivíduos de outra raça (AVENANTI, 2010).

A neurobiologia subjacente tem que ver com os Potenciais Relacionados com Eventos (PRE), que são alterações na atividade elétrica do cérebro induzidas por estímulos (conforme análise eletroencefalográfica). Rostos ameaçadores produzem uma alteração distintiva (chamada componente P200) na forma de onda dos PRE em menos de duzentos milissegundos. Entre indivíduos brancos, ver uma pessoa negra evoca uma forma de onda P200 mais forte do que ver uma branca, independentemente de a pessoa estar armada ou não. Então, alguns milissegundos depois, surge uma segunda e inibitória forma de onda (o componente N200), originada do córtex frontal, que sugere: “Vamos pensar um segundo sobre o que estamos a ver antes de disparar” (CORRELL, 2006).


Isso é tão deprimente, será que estamos fisicamente programados para temer alguém de outra raça, para processar o seu rosto como se fosse menos que um rosto, para sentir menos empatia? Não. Em primeiro lugar, há uma tremenda variação individual, não é a amígdala de todas as pessoas que se ativa em resposta a um rosto de outra raça, e essas exceções são instrutivas. Além disso, manipulações sutis podem alterar rapidamente a resposta da amígdala ao rosto do outro (LEDOUX, 1995).

Desta forma, ao contrário do senso comum, nós não nascemos seres tolerantes com todas as raças, somos programados para sentir menor empatia com indivíduos de outra cor. Contudo, esse não é o fim da linha, somos seres com cérebros extremamente plástico, com capacidade de mudança. Desta forma, com sucessivas experiências, em uma cultura tolerante, que priorize os direitos humanos, evidenciando que estes vieses preconceituosos não condizem com a realidade, é possível amenizar estes comportamentos. Tornando-nos seres mais tolerantes. Contudo, para isto, essencial que a hierarquia das comunicações neuronais priorize a interpretação e a modulação por parte do Córtex Pré-Frontal, em aposição à amígdala (SAPOLSKY, 2021).

Em consideração ao cenário supracitado, nós estudantes dos cursos de Ciências Biológicas e Psicologia, compreendemos que a relação entre a notícia abordada e as condicionantes dispostas a cerca dos contextos biológicos, etológicos e psicológicos, para com o tema preconceito, condizem a um fator complexo a ser discutido no intuito de julgamento da ação quando contrastado a parâmetros sociais, mas que estão efetivamente relacionados a um aspecto natural no âmbito biológico de cada ser vivo, visando estar averso ao diferente ou algo que não condiz ao natural em seu grupo social. Contudo, seguindo a dinâmica histórica e social abordada, o julgamento para a ação é completamente contraditório ao exposto acima, logo que observamos diferentes contextos que não foram momentos felizes socialmente. Sobretudo, acreditamos que seja relevante essa discussão desde que seja enquadrada em contextos pautáveis, mas que não sejam medidas para impunidade.

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