quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Altruísmo: Apenas bondade ou um elemento etológico?

Série Ensaios: Sociobiologia

Por Bruna Becker; Deborah Eckermann; Juliana B. da Silva e Reinara R. de Souza.

Acadêmicas de Ciências Biológicas e Engenharia Agronômica






A jovem Anastasiya Tykha é uma médica veterinária que com seu marido conduziam um abrigo para animais de rua, com membros amputados e doentes na Ucrânia. A jovem foi fotografada ao tentar fugir do país com os animais após a intensificação da guerra e avanço das tropas Russas. Assolados pela falta de eletricidade, água, internet e alimento a permanência no local se tornou impossível, além dos seres humanos, muitos animais foram atingidos, sofreram muitos ferimentos, foram mortos e abandonados (veja a Notícia completa)

Muitas pessoas se mobilizaram para dar suporte para pessoas e animais, indo para a área de conflito para o resgate, contribuíram com o fornecimento de refúgio, alimentos, itens de higiene. Atos como esse, onde o comportamento de ajuda aumenta a aptidão direta do recebedor, reduzindo em simultâneo com a redução direta da aptidão do doador/colaborador, é denominado de altruismo .


Altruísmo é um comportamento de ajuda que aumenta a aptidão direta do recebedor e ao mesmo tempo reduz a aptidão direta do doador, do qual pode ser condicionado por elementos biológicos, etológicos e psicológicos. Esse comportamento pode por muitas vezes ter indiretamente o intuito da geração de aptidão indireta, por meio do reconhecimento de sua reputação e generosidade o que por esse motivo, possa a vir ser espelhado por outros indivíduos, os estimulando a se unirem ao mesmo propósito. Dessa forma, a jovem objetiva deter a aprovação do grupo a qual pertence e/ou acompanhe em suas redes com o intuito do recebimento da reciprocidade indireta, ou seja, obtenção da recompensa em aptidão de outros que testemunham sua boa ação, para que ela possa provar sua reputação social de "pessoa generosa" podendo ser objetivada para a detenção de doações, apoio financeiro e político para que, dessa forma possa ajudar mais animais, no seu resgate e em sua manutenção.

O elemento etológico citado anteriormente, diz a respeito da evolução de determinado comportamento e de acordo com a biologia evolutiva . O altruísmo tem sua base adaptativa, já que de acordo com o estudo de 1963 realizado por W.D.Hamilton (veja o estudo) do qual chamou de "egoísmo genético” entre animais aparentados, fazendo assim com que ele “cuide” do seu gene, por mais que não seja biologicamente seu filho. Em espécies de animais não-humanos, esse comportamento altruísta também é observado, intra e interespecífico, onde os animais possuem o mesmo objetivo, o aumento de sua reputação, generosidade, para serem bem vistos pelo seu grupo, com vistas a benefícios reprodutivos, outras para a substituição de filhos, adoção por animais com problemas de fertilidade, ou impossibilidade de se reproduzirem, ou que são filhos de outro animal mais próximos a eles, havendo inclusive disputa para determinar quem irá criar o animal que perdeu seus pais.

Um dos exemplos de adoção interespécie é o caso da gorila Koko nascida em 4 de julho de 1971 no zoológico de São Francisco, ela cuidou de diversos filhotes de gatos como mostra no blog “Conexão Planeta” (veja a História completa Koko). Outra possibilidade é que a ação da adoção é motivada por um dever de manutenção de um grupo que vive em sociedade. Visto que muitas vezes a proteção e alimentação depende de um número mínimo de indivíduos, a criação de outros indivíduos (mesmo que não sejam diretamente aparentados) seria vantajosa a longo prazo, por ajudar a manter a estabilidade, coesão e funcionalidade de um grupo, do qual o indivíduo que adota outro vai depender até o fim de sua vida.


O altruísmo tem também um contexto biológico, isso leva em conta os neurotransmissores presentes e também questões genéticas, como citado por exemplo no texto de Lencastre e Prieto (veja o estudo) no qual animais parentais possuem um nível mais elevado de ocorrência de fenômenos de altruísmo isso se deve as emoções ligadas no cuidado do filhote. Quando praticada a ação de “ajudar” o cérebro libera oxitocina, hormônio produzido pelo hipotálamo, também conhecido como “hormônio do amor”, do qual produz uma sensação prazerosa e por este motivo estimula a pessoa querer cada vez mais sentir essa sensação.

Com toda certeza a vivência própria do indivíduo influencia, como por exemplo questões ambientais e as próprias emoções, ou seja, o elemento psicológico, seja por fatores sociais e culturais como comunidades que incentivam a adoção e até por aprendizados, assim como citado pelo Jus Brasil do qual define a adoção pelo vínculo de filiação/cuidado de alguém, quando não há vínculo genético entre as partes (para mais informações: Site Jus Brasil) .

Em animais que não são tão agressivos, como por exemplo aves passeriformes, a simples presença de um filhote que precisa de cuidados e não tem nenhum adulto exercendo a função parental deve ser o suficiente para engatilhar uma reação em um adulto semelhante à que aconteceria se ele tivesse de fato um filhote consanguíneo, ocorrendo então a adoção.


Do ponto de vista profissional de futuras biólogas, esse processo é extremamente vantajoso para populações, pois proporciona sobrevivência para indivíduos órfãos. Estes não se desenvolveriam, o que seria uma perda de potencial para um grupo populacional. Além disso, é uma chance para que indivíduos estéreis (ou que por algum motivo não puderam reproduzir) desempenhem a função parental, que é de grande valor na formação de novos indivíduos. Conhecimentos adquiridos podem ser passados para o filhote adotado, que ainda terá o fator da variabilidade genética diferente de indivíduos próximos no grupo.

A adoção apesar de ser um tema em alta atualmente é uma prática muito antiga como citado no artigo de Dutra e Maux (veja o estudo) que a adoção já era realizada em 1250 a.C. Ainda que essa prática altruísta pareça ser “algo humano”, é um comportamento que ocorre também nos animais não humanos, como é possível observar em algumas aves e mamíferos, ocorrendo a “adoção” até mesmo de interespécies.

Nós como futuras biólogas e engenheiras agronômicas, acreditamos que o altruísmo é essencial para a sociedade humana e animal, como mostra a notícia, é possível observar fatores etológicos, psicológicos e biológicos para o comportamento de colocar o outro afrente de suas necessidades pessoais.





O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Biologia e Evolução do Comportamento Animal, tendo como base as obras:




DUTRA; Elza. e MAUX; Ana A. B. Adoção no Brasil, algumas reflexões. Estudos E Pesquisas Em Psicologia, Uerj, RJ, Ano 10, N.2, P. 356-37. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8959/6847

JORGE, Dilce R. Histórico e aspectos legais da adoção no Brasil. Revista Brasileira de Enfermagem, Abr. - Jun., 1975. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/BgBrdzpHrV5X4NvD7yBVZwP/?lang=pt

CARVALHO, Maria e CARVALHO, Gilson. Adoção: um ato de amor, 1998. Disponível em: http://repositoriosanitaristas.conasems.org.br/jspui/bitstream/prefix/224/1/Ado%C3%A7%C3%A3o%20-%20Um%20ato%20de%20amor.pdf

CALARGA, Allan R. Abandono materno de primatas não humanos. São Paulo, 2022. Disponível em: https://repositorio.butantan.gov.br/bitstream/butantan/4234/2/TCC_Allan%20Rodrigo%20Calarga.pdf

Alcock, J. (2009). Comportamento Animal. Porto Alegre: Artmed (tradução 2011)
NUNES, Mônica - Koko, a gorila treinada na linguagem dos sinais – e exemplo de empatia -, morre na Califórnia. Blog Conexão Planeta. Disponível em: https://conexaoplaneta.com.br/blog/koko-a-gorila-treinada-na-linguagem-dos-sinais-e-exemplo-de-empatia-morre-na-california/#fechar

LENCASTRE, Afonso; PRIETO, Marina. Bondade, Altruísmo e Cooperação. Considerações evolutivas para a educação e a ética ambiental. Revista Lusófona de Educação, 15 - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Portugal, 2010. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/349/34915599008.pdf

DIEHL; Alessandra. Altruísmo humano: uma construção social ou biológica?. Blog Artmed, 2019. Disponível em: https://blog.artmed.com.br/psicologia/altruismo-humano-construcao

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