Série Ensaios: Sociobiologia
Por Letícia Schleumer, Luiz Sowek, Nayra Prado, Tainá Picolotto e Vinicius Batista.
Graduandos do curso de Biologia e Psicologia na PUCPR.
Nas cidades de Harrisburg e Olympia, Pensilvânia, nos Estados Unidos, refletindo um padrão que também tem sido presenciado no Brasil, quatro mil pessoas protestaram contra a quarentena sugerida pela OMS para prevenção do COVID-19, afirmando que isso vai contra o direito da liberdade, usando como escudo a afirmação que os Estados Unidos é “o país da liberdade”. Especialistas previram que a consequência seria um novo surto epidêmico nas regiões (Veja, 2020).
Analisando esse cenário é possível identificar três pontos específicos: mobilizações anti-quarentena, população pró-quarentena e entidades públicas evitando aumentar o número de casos da Covid-19. Os dois últimos grupos agem sob a premissa do bem-comum, sustentados por estudos que validam a necessidade de se manter a quarentena para prevenir cenários catastróficos no país. Os indivíduos que aceitam a norma são privados de sua liberdade em detrimento do bem-estar da coletividade.
Tais padrões estão presentes em várias espécies que exibem comportamentos baseados em complexas organizações grupais. Segundo Zimerman (1999) “grupo” é definido como uma unidade social formada por dois ou mais indivíduos que se identificam uns com os outros formando uma mentalidade comum, e perseguindo um objetivo comum. Um grupo trabalha através de uma “supressão do Eu” em prol da coletividade (FREUD, 2011).
A obediência às autoridades deve-se a vida em sociedade. Para estar em sociedade certas regras devem ser respeitadas, beneficiando todos. Evolutivamente obedecer tais normas garante a vida em grupo, facilitando a busca de alimentos, proteção, e garantindo a sobrevivência. Já a desobediência pode vir a afetar o equilíbrio social. Muitas espécies usam como punição a expulsão do indivíduo, que então precisará sobreviver sozinho. O não cumpridor da regra também estimula a ira dos que aceitam as normas, já que seguir regras garante benefícios, mas também compromete parte do livre arbítrio. Freire e Neto (1988) apontam que os sujeitos humanos tendem a obedecer a figuras quais reconheçam a autoridade, se assemelham aos seus valores pessoais. Quando isso não acontece, surge a desobediência. Sentimento de injustiça à determinada ordem também podem ser um fator que leva à desobediência (Calixto & de Carvalho, 2017).
Mas, a forma como as regras nascem, são estruturadas, respeitadas ou descumpridas estão intimamente relacionadas com as características provenientes de nossa natureza animal. As principais semelhanças entre animais humanos e não humanos quanto ao comportamento em grupo são encontradas na forma como a hierarquia é dividida, em como as regras são estabelecidas e no motivo delas existirem, e até a forma de comunicação não verbal realizada entre os membros em relação aos padrões sociais. Em grupos de chimpanzés por exemplo, movimentos corporais como gestos (agressivos ou pacíficos) entre o grupo, é algo comum e as regras estabelecidas são feitas a partir de um indivíduo de alto grau hierárquico, visando certo equilíbrio de “direitos e deveres” entre os membros, buscando o bem-estar da comunidade. Mas, será que as sociedades animais escolhem o bem-comum unicamente por seu valor moral dentro das culturas ou apenas seguem certo instinto? Na verdade existe outro fator que permeia as decisões tomadas dentro de um grupo, o afeto.
O que mantém um grupo unido não se resume a ideias que combinam, ou medo de um líder, ou apenas a garantia das sobrevivências, mas sim o laço afetivo criado entre os membros. O afeto é demonstrado pelo toque, pelo carinho, pelo cuidado e atenção, criando o apreço e a intenção de manter o próximo protegido e acolhido. Biologicamente, no momento que se demonstra ou recebe afeto, acontece uma inundação de hormônios como dopamina, serotonina, endorfinas e ocitocina (hormônios relacionados ao bem estar, felicidade, amor, paixão, e vínculos emocionais), que reforçam o comportamento criando uma espécie de ‘feedback positivo’.
Na notícia apresentada, os indivíduos que aceitam as regras, provavelmente o fazem por sentimentos heterogêneos, envolvendo não apenas aspectos morais, mas também a sensação de que a atitude será responsável por prevenir e manter seguras as pessoas de seu círculo afetivo. Quanto aos indivíduos que defendem o fim da quarentena, não se pode dizer que eles não possuem círculo afetivo. Talvez, suas decisões e prioridades sejam baseadas no individualismo, demonstrando um menor poder de consciência coletiva. Outro problema existente está relacionado com a liderança, no caso, a falta dela. Quando um grupo possui uma liderança fraca, que não demonstra empatia e afeto, seus seguidores também passam a apresentar comportamentos parecidos.
É de simples entendimento o motivo da dualidade das atitudes humanas em algumas situações. Em países que possuem um grande número de habitantes, culturas diversas e costumes variados, influenciar e regular o comportamento da população é mais complexo do que em países com menor número de habitantes. Em nossas sociedades as “entidades reguladoras” são de âmbitos extremamente variados (leis jurídicas, dogmas religiosos, instituições de ensino, imposições sócio culturais, sistemas familiares, entre outros) e as razões pelas quais os indivíduos são impulsionados a descumprir uma norma, são complexas, envolvendo questões culturais, posicionamentos políticos, ponderações internas. Porém, são justamente as questões culturais que influenciam o aprendizado, e são as experiências que fazem com que as sociedades busquem uma forma de se autorregular, estabelecendo normas que irão orientar o indivíduo em relação ao impacto de suas decisões na vida do próximo. Ao final, o bem coletivo continua a ser o melhor norte a ser seguido, pois visa minimizar o sofrimento do maior número de indivíduos possíveis.
Dentro desse contexto, nós, alunos cursando os últimos períodos dos cursos de Biologia e Psicologia, como analisadores do comportamento animal humano e não humano, entendemos que a atitude dos protestantes que buscam o fim da quarentena não parece refletir o bem estar comum, e sim uma espécie de satisfação passageira e superficial de alguns grupos, infelizes com o comprometimento de sua “liberdade”, indicando um posicionamento egoísta. Tal situação pode estar sendo alimentada pela falta de competência em realizar complexas atividades humanas, como a possibilidade de elaborar raciocínios longos e atemporais, criar hipóteses futuras, simular e aprender com os erros cometidos por outros grupos, ou, apenas pela dificuldade de lidar com a mais básica das emoções presente nas espécies animais que compartilham afeto e a empatia.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina
de etologia, baseado nas obras:
FREUD,
Sigmund. Obras Completas, Vol. 15:
Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920-1923). São
Paulo: Companhia das Letras, 2011.
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