sábado, 2 de maio de 2020

Possíveis impactos causados pelo isolamento (Covid-19) em espécies sociais.




Série Ensaios: Sociobiologia
por Ana C. Schieferdecker, Ana Paula Kubaski Benevides, Arthur Henrique Gomes de Oliveira, Fernanda C. Fracaro e Julia Caroline Prade de Souza Cabral.
Graduandos de Biologia da PUCPR





As mudanças na rotina provocadas pelo coronavírus (Covid-19), intensificou o desenvolvimento de problemas psicológicos, provocando a irritabilidade, mudanças de humor e insônia. Esta intensificação se deve a interrupção bruta da rotina, já que atualmente somos definidos pelo que fazemos, isto é, por todas as ocupações cotidianas. Ademais, o medo de ser contaminado e/ou perder entes queridos, sem poder ao menos se despedir, também ajudam nesse processo, sendo responsáveis pelo aumento de casos de ansiedade e depressão (EL PAÍS).
O fechamento de ambientes como restaurantes, bares e museus, locais que promovem a aproximação social, favorece o aumento de problemas como a ansiedade e a depressão, principalmente para aqueles que vivem sozinhos, posto que este fechamento diminui as relações e apoio social necessário já que esta é uma das necessidades básicas dos humanos (Brooks et al. 2020 & Markowitz, 2020), que somado ao isolamento social também acarreta em problemas econômicos, aumentando a taxa de desemprego intensificando a possibilidade de suicídios (Markowitz, 2020).
Tais mudanças vieram como forma de tentar prevenir ou mesmo amenizar os efeitos em escala global causados pela pandemia e Covid-19. Entretanto diversas destas medidas vêm sendo criticadas, pois, como a pandemia se estabeleceu de maneira heterogênea em diversos países, muitas que se fazem eficazes em alguns lugares não necessariamente funcionam em outros (Couto 2020). Além disso, diversos setores de governos, como o do próprio Brasil, tem tomado discursos e promovido medidas, que vão contra as medidas adotadas por países que obtiveram e/ou estão obtendo bons resultados no combate à pandemia Covid-19, bem como contra as orientações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, fazendo, então, com que muitos cidadãos fiquem confusos e angustiados acerca de qual recomendação seguir.
Essas atitudes fazem-nos questionar acerca das prioridades, o que está em jogo a estabilidade econômica ou vidas humanas? E para piorar empresários e influenciadores, tem utilizado essas declarações, para promover a saída de pessoas às ruas, como por exemplo o Shopping em Blumenau que após ser reaberto, fez com que o sistema de saúde da cidade registrasse forte aumento da contaminação da população.

O isolamento social e a intensificação de problemas psicológicos podem ser observados por meio de mudanças no comportamento alimentar dos indivíduos, como citado por Oliveira (2019), podendo refletir em um aumento ou diminuição drásticas no consumo de alimentos, em especial nos mais calóricos. Estas mudanças vêm como uma tentativa de minimizar as emoções negativas citadas anteriormente. A autora discorre, ainda, sobre o provável aumento de consumo de bebidas alcoólicas, sendo possivelmente explicado pela liberação do neurotransmissor dopamina, após à ingestão, este age no sistema nervoso central como uma recompensa, diminuindo os efeitos destas emoções negativas.
Essas condutas são plenamente compreensíveis se considerarmos os condicionantes biológicos do comportamento, uma vez que a exposição à situações de estresse é um processo natural e correspondente à um mecanismo de sobrevivência e adaptação dos seres-vivos, já que os seres humanos estão constantemente caminhando entre a homeostase. Neste processo o indivíduo, por algum motivo, sai do seu estado de “equilíbrio” o que acarreta em processos mentais e sensações relacionados à situações ruins, das quais deve buscar atingir o equilíbrio novamente. No entanto uma exposição prolongada à situações de estresse – transformando o eustresse no distresse - podendo alterar os ritmos biológicos, como a liberação de alguns hormônios, dificultando o processo de homeostase, podendo favorecer o surgimento de outros problemas de saúde (Barboza et al. 2011).
No cenário atual a situação de estresse é a pandemia do Coronavírus intensificando o desenvolvimento de problemas psicológicos, justamente pelas incertezas do que fazer, de quando vai passar e se tudo voltará a ser como era antes. Para resolver seus conflitos as pessoas buscarm o maior número de informações possíveis, como dito por Margins (2003) na tentativa de encontrar soluções para os estímulos externos que vêm proporcionando essa ocasião de estresse. A autora afirma, ainda, que diante a essas situações ocorre o aumento da liberação de neurotransmissores que o deixam em estado de alerta. Estes comportamentos são observados nos indivíduos neste período, com a necessidade de encontrar a culpa e/ou uma solução, além da presença de insônias que podem estar relacionadas a este estado de alerta.
 
As espécies sociais são conhecidas por formarem agrupamentos onde os membros podem obter uma base em suas questões como: alimentação, proteção, reprodução e apoio em momentos complexos, como o luto. Dentro do contexto da pandemia de Covid-19, o homem, que também faz parte destas espécies sociais, tem dificuldades para lidar com a complicada questão, tanto do isolamento de fontes de afetividade quanto na eminente perda de um parente querido/próximo, já que as condições atuais para este momento são completamente fora daquilo que é esperado no processo de luto, como os velórios, por exemplo.
A psiquiatra Carmen Moreno, em entrevista para o El País, considera o luto como um processo difícil de gerir, já que: “não se pode velar e existe uma espécie de congelamento da emoção. Os lutos complicados e prolongados aumentarão”. O fato de não poder haver velórios aos falecidos tende a atormentar seus parentes, porque as famílias e amigos têm a necessidade, biológica, etológica e psicológica, de “despedir-se” daqueles que de alguma forma tiveram presença e importância em suas vidas, partilhando o luto de forma aberta, apoiando-se os membros uns nos outros, ao longo deste processo (Mendonça, 2011). Mas com o isolamento social em meio a questão, esses membros familiares e também amigos não conseguem ter o apoio necessário de uns aos outros durante o processo, ocorrendo então a falta de um dos principais pontos dos agrupamentos sociais, que é o aconchego. A falta disso leva ao acúmulo de sentimentos/emoções relacionados ao processo, podendo ocasionar mudanças e distúrbios nos indivíduos.
Não somente os humanos sentem falta de sair de casa, deve-se deter um olhar especial aos animais de companhia como cães que também estavam acostumados a sair de casa, mas principalmente direcionar um olhar de empatia aos animais que nós mesmos interrompemos sua libertada. Cães que saem regularmente com seus tutores para ter um passeio diário, sentem à falta dessa rotina na quarentena. Este confinamento repentino pode agravar a saúde dos mesmos, fazendo com que a ansiedade e o estresse acumulem-se, podendo ocorrer a manifestação desses sentimentos através de problemas comportamentais. Além das mudanças em relação à passeios diários, a alteração na rotina de seus tutores estarem em casa, também deixa os animais estressados, caso os tutores não demostrem empatia, paciência em se relacionar com as necessidades de seus pets, afetando no bem-estar do animal.

Os animais confinados para atenderem as pessoas, seja na questão de companhia, serviços ou entretenimento tem vivido uma situação similar a que as pessoas estão sendo sujeitas, logo devem ser olhados com mais empatia. O comportamento de estresse, ansiedade e depressão pode ser explicado através da liberdade que as espécies evoluíram para ter. Ser livre e fazer o que bem entendem na hora que querem é um comportamento observado desde os animais. A falta da mesma pode levar a um estresse extremo. Quando o animal se sente encurralado sem poder sair de algum lugar ou situação, a primeira forma de sentimento expressado é a agitação por querer sair dali. Se isto não ocorrer, o sentimento vai acumulando, até virar estresse generalizado levando ao pânico. Quando algo que dá medo acontece, pode gerar inúmeras sensações ruins como insegurança, ansiedade e principalmente a depressão, fazendo com que o indivíduo queira ficar isolado sem a companhia de outros animais.
Comparando isto com os seres humanos, a depressão pode afetar vários fatores biológicos, etológicos e psicológicos, fazendo com que o indivíduo tenha uma saúde deteriorada e deixando-o cada vez mais triste, e em casos extremos, pode chegar ao suicídio. Com relação aos animais que vivem em cativeiro, como nos zoológicos por exemplo, esses sentimentos de estresse e depressão estão sempre presentes em suas vidas, pois no ambiente onde estão confinados não há novos estímulos para que haja impulsos nervosos incentivando a curiosidade dos animais, a realização de exercícios físicos, identificação de novos cheiros e prática das habilidades que cada espécie evoluiu para exercer, aumentando então as chances de o animal tornar-se obeso/sedentário, desenvolver problemas cardíacos e ter cortisol alto. Nessa questão, o enriquecimento ambiental (EA) pode ser uma grande alternativa para mitigar as consequências sofridas por esses animais, envolvendo estímulos físicos, alimentares e também sociais, por exemplo.
 
As situações que estão em ocorrência neste exato momento no mundo, fazem com que se reflita acerca do estilo de vida em que nós como sociedade levamos, e como o mesmo afeta diretamente muitas espécies de convívio próximos a nós, sejam elas de cunho doméstico ou mesmo em cativeiro. O fato de a atual pandemia causar diversos problemas de estresse, em animais domésticos, demonstra, como a “humanização”, e neste caso como a forma com que os tratamos, influencia diretamente na maneira com que os mesmos respondem a estímulos externos. No atual momento em que os seres humanos se encontram em uma situação atípica e de maior estresse devido a uma mudança brusca de rotina, seria mister que utilizássemos este tempo em casa, para refletir acerca de como lidamos com a nossa rotina, e como a mesma pode por muitas vezes, ser desgastante e não percebemos por estarmos envolvidos demais nela. Assim sendo, que a partir disso possamos redirecionar a forma com que iremos lidar com a nossa rotina, considerando algumas mudanças de hábitos como, tirar mais tempo livre a própria saúde mental, como precauções e revisões de protocolos sanitários como forma de precaução a novos surtos. Além de redirecionar, também, algumas atitudes que tomamos diante de outros seres, que muitas vezes mantemos confinados para nosso “entretenimento”, que esse momento sirva de reflexão sobre tais atitudes.

Este ensaio foi realizado para a disciplina de etologia, baseando-se nas obras citadas abaixo:
ACCO, A. PACHALY, J. R. BACILA, M. Síndrome do estresse em animais - revisão. Arq. ciên. vet. zool. UNIPAR, 2(1): jan/jul.,1999.
ASSIS, L.C (2020). O GLOBO. Pode passear com cachorro durante a quarentena?. Disponível em:<https://emais.estadao.com.br/blogs/comportamento-animal/pode-passear-com-cachorro-durante-a-quarentena/>.
BARBOZA, Katy Helen et al. Exercício físico promove tamponamento sobre o estresse: uma revisão. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício (RBPFEX), v. 5, n. 25, p. 1, 2011.
BROOKS, Samantha K. et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, 2020.
ALFAGEME, Ana. EL País. Um mundo de ansiedade, medo e estresse. Disponível em:<https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-04-20/um-mundo-de-ansiedade-medo-e-estresse.html>
FREIRE, M. C. B. (2010). Isolamento e sociabilidade no luto: a formação de redes sociais no ambiente cemiterial. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Brasil.<http://revista-redes.rediris.es/webredes/arsrosario/01-Freire.pdf>
FREIRE, N. Emtempo. Como os pets estão reagindo na quarentena? Fique atento. Disponível em:<https://d.emtempo.com.br/amazonas/198719/como-os-pets-estao-reagindo-a-quarentena-fique-atento>
MARCOWITZ, John. Virtual treatment and social distancing. The Lancet, 2020.
MENDONÇA,N. L. B. (2011). O luto como questão bioética. Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de mestre em Filosofia, na área de especialização em Bioética.
OLIVEIRA, Andreia et al. Da emergência de um novo vírus humano à disseminação global de uma nova doença—Doença por Coronavírus 2019 (COVID-19).
PEREIRA, Lilian Barbosa; ALMEIDA, A. R. V.; SOARES, Anísio Francisco. Enriquecimento ambiental para animais que vivem em cativeiro. Anais da IX Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão. Recife: UFRPE, 2009.
 VEIGAS, Jorge; GONÇALVES, Martinho. A influência do exercício físico na ansiedade, depressão e stress. Portal dos Psicólogos, p. 1-19, 2009.