quinta-feira, 16 de maio de 2019

Agressão: Estudo de caso sobre o segurança que matou um jovem asfixiado em um supermercado


Série Ensaios: Sociobiologia



 Por Adrielly Kucek Freitas, Caynã Nicholas Souza, Gabriele Ferreira Moro, Henrique Wuicik Franco e João Batista dos Santos Neto, Leandro Taborda da Rocha.

Formandos em Ciências Biológicas







No mês de fevereiro de 2019, um rapaz de 19 anos foi morto por um segurança de um Supermercado Extra, localizado na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.  Segundo a equipe de vigilância do mercado, o jovem teria tentado roubar a arma do segurança e, por isso, o funcionário do estabelecimento aplicou um golpe no rapaz conhecido como “mata-leão”, a fim de imobilizá-lo.






Vários clientes do supermercado ficaram ao redor do segurança que estava em cima do jovem, alertando-o que estava sufocando o rapaz e pedindo para interromper o golpe. Contudo, outros funcionários da segurança apareceram no local, com um objetivo maior de impedir gravações do caso, enquanto o vigilante continuou sufocando o jovem, que morreu posteriormente no Hospital Lourenço Jorge, após duas paradas cardiorrespiratórias.

Esse episódio repercutiu por diversos meios de comunicação, sendo pauta de reportagem em grandes jornais, como o G1, Folha de São Paulo e R7 . O Extra declarou em uma nota que os seguranças envolvidos no caso foram imediatamente afastados e que repudia quaisquer atos de violência em seus mercados.

Dessa forma, a atitude do segurança do mercado Extra demonstra uma reação agressiva, já que, conforme Niehoff (1999), a agressão é definida como o comportamento que se utiliza de força física ou verbal em resposta a uma percepção de ameaça. Assim, pode-se notar que o funcionário reagiu de forma agressiva porque o jovem tentou pegar a sua arma, tornando-se uma ameaça para o vigilante.

Segundo Queiroz (2009), pesquisas acerca do comportamento agressivo são divergentes quanta a crença de que a agressão possui influência inata ou instintiva, ou se é simplesmente um comportamento aprendido. Além disso, o fenômeno da agressão é estudado por diferentes perspectivas teóricas, tendo contribuições de maior destaque para esse comportamento nas áreas do behaviorismo, da aprendizagem social e, por fim, da etologia (Kristensen et. al, 2003).

Uma das principais abordagens etológicas refere-se ao “instinto da agressão”, proposto por Lorenz (1966), o qual esclarece que esse instinto não pode ser considerado um princípio diabólico que tem como intuito a destruição e a morte, porém deve ser analisado como um contribuinte da preservação e organização da vida (Kristensen et. al, 2003). Além disso, a agressividade poder variar de acordo com a escassez de recursos, sendo que há maior cooperação entre indivíduos se há uma quantidade maior de recursos em determinado ambiente (Câmara, 2018). Ainda há outra contribuição da etologia que se diz respeito à definição de diferentes classes de comportamento agressivo, como a apresentada por Moyer (1976).

Condicionantes biológicos, por sua vez, também podem colaborar na compreensão do comportamento agressivo, já que para ocorrer esse fenômeno é necessário um substrato neurobiológico para conciliar os diversos componentes neuronais e motores dos atos agressivos (Saver et al., 1996, Kristensen et. al, 2003). Características biológicas, como instintos, impulsos ou forças inatas (drives), predisposições genéticas, luta reflexa, hormônios e mecanismos de neurotransmissão estão relacionados ao comportamento agressivo (Kristensen et. al, 2003). Além disso, há outros fatores que influenciam a ação agressiva, como o sexo do indivíduo, temperamento da pessoa, experiência prévia de ação agressiva, condicionamento ideológico (político, religioso, etc.), ambiente de desenvolvimento, padrões de interação familiar, entre outros (Câmara, 2018).

Existem pontos muito conflitantes nesse caso. Condicionantes biológicos podem ser usados para justificar ou amenizar a situação, tendo em vista que neurotransmissores e até mesmo o instinto agressivo frente a uma situação de descontrole estão ligados em casos semelhantes. Mas até que ponto esse tipo de comportamento é aceitável na sociedade em que vivemos? É mesmo possível amenizar a situação levando em consideração esses fatores biológicos? Seria compreensível se ainda fossemos uma espécie inconsciente de  próprios atos, em que o instinto predomina e não soubéssemos aprender a controlá-los?

É fato que a intenção do segurança não fosse o óbito da vítima, e que naquele momento fatores biológicos e do meio (como a pressão das pessoas que estavam em volta) estavam envolvidos, mas a partir do momento em que se sabe que o dever dele não era matar, somente acalmar a situação de forma racional, é inadmissível que se perdesse o controle dessa maneira, tendo o segurança que arcar com as consequências de seus atos e tendo a punição merecida.

No debate realizado em sala foram levantadas algumas questões relacionando os fatores biológicos – hormônios principalmente – que em situação de estresse podem se tornar um fator determinante para a tomada de decisões. Trabalhos com segurança envolvem atenção constante a qualquer situação que possa representar risco aos que o profissional deve proteger, bem como a si mesmo. A versão vinculada pela imprensa relata que o jovem teria tentado pegar a arma do segurança. Tal situação deixa o corpo em alerta, descarga de adrenalina, junto ao cortisol acumulado no sangue pelo exercício da profissão e ainda a testosterona podem ter levado o segurança a uma tomada de decisões equivocada.

Contudo ainda existem versões menos difundidas que o rapaz poderia na verdade estar tendo um princípio de ataque epilético, que foi mal interpretado pelo segurança quando o jovem foi lhe pedir auxílio e o segurança acabou entrando em confronto agonístico com o jovem.

É sabido que a agressão não está diretamente relacionada ao ataque físico em si e sim à ameaça. Uma disputa física é muito dispendiosa de energia e pode ainda deixar sequelas, portanto, as coisas tendem a ser resolvidas antes do combate físico, seja por comparação de tamanho, rugidos para mostrar vitalidade, e somente em último caso, a luta de fato. Um cachorro que rosna antes de atacar somente rosna pois não tem certeza se dá conta do confrontado, primeiro, ameaça e mostra sua vitalidade, para somente em último caso atacar, se tivesse certeza que pode vencer no combate atacaria sem hesitar. Mesmo quando há luta, ela é breve, justamente por ser dispendiosa. Sendo assim, é possível afirmar que a seleção natural atua sobre as espécies fazendo com que os indivíduos que reconhecem uma derrota rapidamente continuem propagando seus genes. Isso pois a energia que seria gasta tentando vencer um competidor mais apto pode sem empregada na busca de recursos ou pares sexuais menos disputados.

Remontando os primórdios da vida em sociedade humana, as fêmeas – como acontece em muitos outros grupos animais – ficava responsável pelos cuidados com a prole, enquanto os machos faziam trabalhos “braçais”, como a caça, principalmente. Logo, ao longo do tempo enquanto os homens dependiam de sua força, vigor e estratégias de luta, as mulheres dependiam de sua sensibilidade, atenção e cuidado. Juntos se mantiveram, por milhares de anos, dando continuidade à espécie humana, sendo selecionados ao longo do tempo. Mesmo que hoje haja uma discussão com relação à equidade de direitos entre os sexos, que não necessariamente uma mulher precise cuidar da prole enquanto o homem provém recursos para a criação dos filhos, essas qualidades de acordo com o sexo selecionadas ao longo de milhões de anos ainda se mantêm entre os humanos atuais.

Com isso é possível afirmar que etologicamente, homens são mais agressivos. Foi discutido que haveriam outras maneiras de lidar com a situação sem a aplicação do golpe, visto que o segurança apresenta certa autoridade sobre cidadãos comuns, estava armado e ainda apresentava um porte maior que a do jovem que faleceu. Ou seja, em todos os quesitos aqui postos o segurança apresentava vantagem sobre o jovem. Isso pode justificar o porquê do ataque, não hesitou, pois, sabia que era mais forte. Além de que o segurança ainda contava com o amparo de outro colega de profissão, que estava, por assim dizer dando cobertura, logo o indivíduo não somente se sentiu seguro para efetuar a agressão mas também sentiu que estava executando sua função como funcionário.

Infelizmente todos os atos que aconteceram convergiram na morte de um jovem, o fato é que tem um ponto importante a se abordar na questão da técnica que foi empregada pelo segurança. No caso, o agressor derrubou o jovem no chão, que acabou batendo a cabeça bruscamente, técnica que não é usual e responsável para a neutralização da possível ameaça, após isso o segurança foi ao chão para “conter” a ameaça aplicando um golpe do Jiu-Jitsu conhecido como Mata-Leão, que foi a técnica que acabou sendo letal, visto que foi aplicada de uma forma errônea, pois o segurança ao invés de manter suas costas no solo, aplicando a técnica correta cortando a circulação da jugular, ele se apoiou sobre as costas do rapaz fazendo com que o mesmo ficasse pressionado contra o chão, fato que impediu que o jovem pudesse mexer sua caixa torácica e logo, respirar. Fato que culminou na morte do rapaz devido à falta de oxigenação do cérebro e outros órgãos visto que a oxigenação do pulmão do indivíduo fo suspendida com o golpe sem técnica, sendo ainda que o segurança permaneceu sobre o corpo do jovem por muito tempo além do que poderia, culminando no óbito do agredido

Entretanto, a discussão que se forma a partir da argumentação biológica dos atos do segurança é: “ Então ele estava certo? ”. Não, esses profissionais com a função de nos proteger, apesar de estarem expostos ao estresse constante, devem estar preparados para tomar decisões difíceis e agir em situação de risco sem pôr a sua nem a vida dos outros em risco. O caso é apenas mais um capítulo do extenso livro de abusos contra a população, seja da polícia, guarda municipal ou até mesmo seguranças de supermercados.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, tendo como base as obras....

Câmara, F. P. (2018). Comportamento agressivo. Psychiatry on line Brasil. Disponível em: https://www.polbr.med.br/2018/03/02/comportamento-agressivo/.

Kristensen, C. H., Lima, J. S., Ferlin, M., Flores, R. Z., & Hackmann, P. H. (2003). Fatores etiológicos da agressão física: uma revisão teórica. Estudos de psicologia (Natal). Vol. 8, n. 1 (jan./abr. 2003), p. 175-184.

Lorenz, K. (1966). On aggression. Nova York: Hartcourt, Brace & World.

Moyer, K. E. (1976). The psychobiology of aggression. Nova York: Harper & Row.

Niehoff, D. (1999). The biology of violence. Nova York: Free Press.

Queiroz, R. da S (2009). Agressividade humana: contribuições da Psicologia Evolucionista e da Antropologia. OTTA, E; YAMAMOTO, M. E. Psicologia Evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 127-132.

Saver, J. L., Salloway, S. P., Devinsky, O., & Bear, D. M. (1996). Neuropsychiatry of aggression. In B. S. Fogel, R. B. Schiffer & S. M. Rao (Orgs.), Neuropsychiatry (pp. 523-548). Baltimore: Williams & Wilkins.


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