Série Ensaios: Bioética Ambiental
por Daniel Pepes
Athanásio
Músico e Mestrando
em Bioética
Há
aproximadamente 12 mil anos se inicia a relação entre os seres humanos e os
animais domésticos. Mas a forma dessa relação se alterou durante a história de
diversas formas e com diferentes problemas, uns superados e outros novos
aparecendo, como é o caso da HUMANIZAÇÃO DE ANIMAIS.
Quando se adquire
um animal se inicia um relacionamento que é estrutural, é logístico, mas também
é afetivo, e nesse relacionamento afetivo podem ocorrer faltas e excessos. A
Humanização não é só uma questão estética: roupinha, cabelo, pintar unha do
cachorro e etc. Mas é um processo sentimental que se expressa no tratamento do
animal de forma humanizada. Um dos motivos de a humanização ocorrer apontado
por especialistas é o advento da cidade e a sua “verticalização”. Quando o
animal vivia com o humano no campo, preservava sua autenticidade de animal, sua
autonomia de ir e vir, mas agora, precisamos encaixar (muitas vezes
literalmente) o animal na nossa selva de pedra. As pessoas também se sentem
isoladas, chegam no seu apartamento depois de um dia cheio no qual mais uma vez
se notou o quão difícil é viver e conviver com o ser humano, e nesse panorama o
animal é alternativa frente a dificuldade ou simplesmente frente a solidão
mesmo, a carência.
Resumidamente, a
humanização ocorre quando o ser humano busca no animal alguma coisa além
daquilo que a sua condição de animal pode oferecer. Para um ser humano já é
tarefa impossível suprir toda a carência de uma pessoa, quem dirá para um
animal. Além disso, a relação com um animal não pode querer ser encaixada na
forma que o humano desejar, mas sim na forma que a natureza do animal requer:
se é um cachorro vai latir, fazer xixi, coco, querer correr, socializar com
outros animais, se sujar e etc... Privar o animal de atividades de animal
para que ele se adeque ao meu modo de ser é o resumo do que significa a
humanização. Esse processo acarreta consequências, danos que se expressam
em problemas psicológicos, físicos e sociais tanto para o animal quanto para o
ser humano.
Porém, nessa
relação só encontramos um agente moral: o ser humano, pois o animal é mero
paciente. Cabe ao humano, como questão ética, a percepção em relação aos problemas
dessa relação e a mudança. Importante é ressaltar que a humanização não ocorre
como um mal radical, ou seja, não há intenção de causar dano, é mero vazio de
pensamento que faz com que, por muito gostar e zelar, se exceda e acabe
errando. Por isso a importância de se falar do tema para que os erros se tornem
conhecidos, percebidos e consequentemente evitados. Para que a pessoa humana
que errava por desconhecimento possa ter subsídios para compreender a situação
e assim ter a potencialidade de mudar.
Decorrente de
todo afeto que o animal tem a capacidade de oferecer há uma resposta natural e
boa do ser humano que é o desenvolvimento de um enorme afeto pelo animal. Dada
a existência desse enorme afeto por aquele indivíduo, se torna muito complicado
e difícil assumir que o mesmo não é “alguém”, no sentido de dizer que não é
gente, não é uma pessoa. E por que?
A tradição
filosófica da ética que sempre se construiu de forma absolutamente
antropocêntrica até a modernidade, ou seja, dotado de dignidade apenas se
encontrou o ser humano, e todo o resto do reino vivo estava fora da esfera
ética. O que acaba por mudar com filósofos e pensadores modernos, dentre eles
os icônicos nomes de Hans Jonas com o princípio responsabilidade e Van
Rensselaer Potter com a visão da bioética Global. Essas novas abordagens
colocam o ser humano como responsável também pela vida não humana. Mas quero
atentar para o fato de que toda essa tradição talvez tenha deixado ainda essa
essência marcada em nós, de que ao chamar algum ser vivo de “pessoa” logo significa absolutamente o
mesmo que atribuir dignidade a esse
ser, que antes apenas era “coisa”,
mas agora é “alguém”. Justamente por
que na tradição ética só quem foi considerado digno eram os indivíduos da
espécie humana: as pessoas. Somente
esses eram “alguéns”, o resto seriam
coisas, e a ética é feita de alguém para alguém.
Motivo pelo qual, quem não é simpatizante das
causas ecológicas ou se encontra na esfera mais conservadora se irrita quando
algum animal é chamado de “alguém” ou “pessoa”. E pelo mesmo motivo encontra-se
uma grande barreira para as pessoas que têm demasiado afeto e identificação com
o animal de precisar admitir que não é uma “pessoa”,
por que parece a mesma coisa que admitir que não merece dignidade ou respeito. Uma questão que deveria apenas
se tratar de uma mera classificação técnica biológica de espécie (dizer se é
humano ou não: “pessoa” ou “não pessoa”) se torna uma classificação ética
(dizer se tem dignidade ou não). Esse apontamento sobre a incongruência da
classificação de dignidade pode ser observado nos argumentos do filósofo
utilitarista Peter Singer, que critica a validação da dignidade baseada na
espécie. Não querendo aqui entrar no mérito da questão discutida por Singer,
mas apenas apontando que ela se baseia na tradição que sempre encontrou
dignidade apenas na espécie humana, por isso dizer “pessoa” significa dizer
“espécie humana” que logo significa dizer ter relevância ética.
A Humanização de
animais é um problema que precisa ser vigiado pela Bioética por ser um problema
diretamente envolvido com o ambiente, seja ecologicamente quando se trata de
proteger a integridade da vida animal, mas também na saúde do humano que se
relaciona com esse animal e que altera o ambiente de ambos. Inclusive, o modo
de agir e interagir com os pets, acarreta, conforme citado, vários problemas
que desembocam para a área da saúde. Os problemas atuais são complexos e exigem
análises complexas, multidisciplinares e não setorizadas, pois o problema não se
dá em um viés, mas é um acúmulo de fatores de diferentes esferas do
conhecimento. A multidisciplinaridade da Bioética é essencial para enxergar um
problema sem cair na armadilha de fraciona-lo e reduzi-lo.
Deixar de
humanizar não significa de maneira alguma deixar de amar o animal. Deve se
encontrar o equilíbrio. Procurar construir uma relação na qual o pet nos
identifique como líder, mantendo a hierarquia, amando o animal, até o ver como
parte da família, mas entendendo-o como animal, não como gente. Esperando dele
tudo que ele possa oferecer na sua animalidade, e aquilo que não puder, que
seja buscado nos relacionamentos interpessoais. Por que se assim não for,
conforme já citado, consequências à saúde do animal e do humano também podem
ocorrer. Conforme explicado, as vezes o processo de humanização ocorre por
conflitos internos do humano que projeta no animal a redenção dos seus
problemas afetivos, e isso não é saudável para ninguém. Por outro lado, o relacionamento com animal
pode sim ser uma forma de melhora da inteligência emocional, e pode ser sim
benéfico para a saúde tanto do ser humano quanto do animal, os problemas se
encontram nos excessos. Pedindo ajuda ao grande filósofo grego Aristóteles
vemos que o problema são os extremos e a virtude está no meio termo no qual se
entende o significado de ser de cada um e se consegue reconhecer e tratar o
animal como animal, entendo que isso não é diminuir seu valor, mas dar o valor
que é autêntico para aquele ser no seu modo de ser.
O presente ensaio foi produzido para disciplina de Bioética ambiental, tendo como base as obra:
O presente ensaio foi produzido para disciplina de Bioética ambiental, tendo como base as obra:
1.
As
consequências de se humanizar os animais de estimação. Blog: Meus Animais, 2018. Disponível em: <https://meusanimais.com.br/as-consequencias-humanizar-os-animais-estimacao/> Acesso em: agosto/2018.
2.
FISCHER,
Marta Luciane et al. Da ética ambiental à bioética ambiental: antecedentes,
trajetórias e perspectivas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.24, n.2, abr.-jun. 2017, p.391-409.
3.
Humanização
dos animais é responsável por crescimento do mercado PET. Estadão, São Paulo, 13 de fev. de 2017. Seção: Economia e Negócios.
Disponível em:
Acesso em: agosto/2018.
4.
JONAS,
H. O Princípio Responsabilidade:
Ensaio de uma Ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro:
Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.
5.
POTTER,
V.R. Bioética: ponte para o futuro.
São Paulo: Edições Loyola; 2016.
6.
Sociedade
Brasileira de Psicanálise Integrativa – SBPI. A humanização de animais. 2017. (14m35s). Disponível em:
Acesso em: agosto/2018.
7.
VINES,
Juliana. Especialistas alertam sobre tratamento humanizado aos animais de
estimação. Folha de São Paulo, São
Paulo, 05 de out. de 2010. Disponível em:
Acesso em: agosto/2018.
Uma análise muito bem feita sobre o tema e um fechamento imponente. Apesar de meu cachorro ser meu filho, e de tentar deixar que ele mantenha os hábitos/instintos animais, muitas vezes peco por excesso de zelo e de nãos.
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