Série Ensaios:
Bioética Ambiental
Por Robiran dos
Santos Jr
Professor de
ciências e Biologia e mestrando em Bioética
“No dia
mundial da água (22/03) crianças da Escola Municipal São Cristóvão – Umuarama/
PR, realizaram atividades para a sensibilização dos pais, colegas e comunidade
escolar sobre o consumo consciente e a preservação das águas. Para comemorar o
dia mundial da água, os alunos realizaram atividades diferenciadas ao longo da
semana, tudo isso para lembrar da importância da preservação da água em nosso
planeta.”
Não é de hoje
que temos observado e falado que o mundo segue em direção a um colapso
ambiental, que já tem afetado as condições de vida e saúde da população em
todo o mundo. Só na esfera hídrica, por
exemplo, o Relatório
Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos em 2015,
prevê que o consumo de água nas últimas décadas, cresceu duas vezes mais do que
a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050. Assim, mantendo
os atuais padrões de consumo, em 2030 o planeta enfrentará um déficit no
abastecimento de água de 40% (UNESCO, 2015).
Não obstante,
o crescimento populacional humano está estimado em 80 milhões de pessoas por
ano, tendo como estimativa de chegar a 9,1 bilhões de habitantes em 2050, sendo
6,3 bilhões em áreas urbanas. A expectativa é que consequentemente esse
crescimento gerará um impacto na agricultura, que deverá produzir 60% a mais no
mundo e 100% a mais nos países em desenvolvimento até 2050 (UNESCO, 2015).
Obviamente que
essas questões geram consequências como a destruição de mais florestas e a
extinção de mais seres vivos pela ausência de seus refúgios naturais. Segundo
dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, a taxa de desmatamento da Amazônia
legal cresce gradativamente ano após ano, chegando a marca 7.893 km2 em
2016, a maior dos últimos 8 anos, representando um aumento de 21% em relação a
2015.
A destruição
dos ecossistemas naturais e o aumento da poluição têm levado também ao surgimento
de novas doenças e a decadência da vida em toda a sua pluralidade. Tudo em nome
de um dito “desenvolvimento”, livre de qualquer julgamento ético ou moral. Mas então
diante desse cenário caótico, o que podemos ou devemos fazer? Será que falta
informação à população ou aos governantes sobre o rumo das nossas ações?
Desde os anos
60, documentos oficiais vêm sendo produzidos sobre esta temática, relatórios e
tratados internacionais com a intensão de instruir ou orientar o mundo em
relação às práticas ambientais, destacando–se principalmente a Declaração
da ONU sobre o ambiente humano em 1972, a Carta de
Belgrado em 1975, a Conferencia
intergovernamental de Educação Ambiental em 1977 e o Relatório
de Brundtland em 1987, e na esfera nacional o Código
florestal em 1965, a Política
Nacional de Meio Ambiente em 1981, a constituição
Federal em 1988 e a Lei de
Educação Ambiental em 1999.
Há mais de 40
anos esses documentos vêm tencionando as reflexões sobre o tema do meio ambiente
e a Educação
ambiental mundialmente, no entanto, como vimos anteriormente, as
estimativas frente à forma de interação humana com o meio natural são
desastrosas. Utilizando ainda o motor de busca “google.com” com os descritores “Educação Ambiental” encontramos
3.400.000 resultados, aos quais dos 100 primeiro elencados pelo buscador, 70
resultados de alguma forma tentam instruir o interlocutor sobre as demandas das
problemáticas
ambientais.Então será mesmo que o problema está na falta de informação, no método de conduzir o interlocutor à questão da educação ambiental? Ou será que o problema é mais profundo, talvez em relação à concepção dos princípios que alicerçam os esforços em prol da causa ambiental.
Realizando uma análise crítica, logo percebemos que por vezes nos textos informacionais destacam-se as necessidades humanas e um paradigma categoricamente antropocêntrico na sua essência. De como devemos preservar nossas florestas, para que a nossa vida não seja prejudicada, ou como devemos repensar o nosso consumo da água, para que nós não tenhamos falta dela no futuro.
Será esse mesmo o caminho? Será que o caminho para sensibilização humana sobre o ato de cortar ou não cortar uma árvore em risco de extinção, perpassa apenas por considerar as necessidades humanas em detrimento a valoração de outras formas de vida?
E Afinal, as outras formas de vida deste planeta são intrinsecamente valorosas? O próprio termo “Recursos naturais” sugere uma visão utilitarista de propriedade, como se a natureza fosse um bem, ou patrimônio para nosso uso, o qual devemos explorar racionadamente de modo a não dar falta para as gerações futuras. Essa ideia famigeradamente antropocêntrica descarta quase que por completo o entendimento que a natureza é um ciclo de relações complexas interdependentes ao qual fazemos parte, como um dos elos nessa gama de inter-relações.
“O antropocentrismo como concepção dualista do mundo
funda-se na suposta separação real e objetiva entre o homem e natureza, corpo e
mente. Essa separação ocorre a partir de Sócrates (470/469 a.C.) que ao
elaborar uma teoria do conhecimento centrou sua reflexão na crença de um homem
portador de um projeto racionalista capaz de subjugar calculadamente a natureza
entendida como fenômeno irracional, fato que se consolidou no decorrer dos
tempos pelo fortalecimento cultural da ideia de superioridade humana.”
(FERREIRA & BOMFIM, 2010)
Ainda sobre o assunto
as autoras discorrem que seria necessária uma mudança de paradigma, de modo a
resgatar o ser humano como ser vivente que se identifica com tudo aquilo que
está vivo. E que a interação com a natureza poderia ser um caminho de resgate
do espaço ambiental e de resgate da sensibilidade para com a vida (FERREIRA & BOMFIM, 2010).
Ao fundamentar
uma concepção antropocêntrica em que apenas a vida humana e seus interesses são
valorizados em detrimento de outras formas de vida, poder-se-ia supor que essa
abordagem deixaria em segundo plano a apropriação de estímulos fundamentais
para o desenvolvimento de uma verdadeira consciência
ambiental, que considerasse genuinamente o bem-estar de outros seres vivos.Seguindo essa linha reflexiva poderíamos ainda indagar: que princípio poderia então fundamentar o amadurecimento de uma consciência ambiental que não considerasse apenas os interesses humanos?
Nesse sentido, em 1984 o Biólogo norte americano Edward O. Wilson apresentou ao mundo uma ideia que revolucionaria a compreensão da interação entre o homem e a natureza, a Biofilia. Segundo Wilson a Biofilia se descreveria como uma tendência inata do ser humano em se relacionar com outras espécies. Isso se justificaria em que nos últimos milhares de anos a espécie humana tem co-evoluido nesse sistema complexo de relações interespecíficas, chamado natureza (WILSON, 1984).
Segundo o
autor cada ser vivo desse planeta corresponde a uma pequena parte de uma rede
intrincada de correlações interdependentes altamente especializadas, que foi
construída após milhares de anos de seleção
natural e co-evolução. O ser humano é parte integrante desse longo processo
e as marcas dele estão vividamente impregnadas em seu corpo, mente e espírito,
como regras epigenéticas
do desenvolvimento (WILSON, 1993).
“afiliar-se com a vida é um processo no
desenvolvimento mental profundo e complicado. Em uma dimensão ainda substimada
na filosofia e na religião, no entanto a nossa existência depende dessa
propensão, nosso espírito esta tecido nela e a esperança surge em suas
correntes” (WILSON, 1984).
A
Biofilia poderia ser definida como uma tendência inata de focar-se na vida e
nos processos que envolvem a vida e a natureza. Ela surgiria como resultado da
interação com outros organismos durante muitos ciclos de vida, influenciando
diretamente na saúde mental, emocional e física do homem.
A valoração
social de parques, zoológicos, jardins botânicos, rios, lagos e paisagens
naturais, encontrariam explicação nesta hipótese, uma vez que trazem a sensação
de paz e tranquilidade. De igual forma, através da biofilia é possível entender
porque algumas pessoas arriscam suas vidas para salvar animais domésticos ou
selvagens, ou se dedicam tanto ao cultivo de jardins em suas residências
(WILSON, 1993).No entanto, apesar da tendência genética a essa afinidade, a biofilia depende de estímulos para que essa conexão persista. As experiências pessoais, sociais e culturais de um indivíduo, desde a primeira infância, são capazes de determinar suas perspectivas com o meio natural e sua interação com o mesmo. Nesse sentido, observa-se a necessidade de proporcionar o contato com a natureza, atividades que garantam experiências concretas a fim de estimular o desenvolvimento inato da biofilia.
Com o avanço
exponencial da civilização, a instrumentalização e a constante transformação do
seu meio através da mecanização e da revolução tecnológica, o ser humano
isolou-se cirurgicamente das paisagens naturais e da grande maioria dos
organismos que a compunham, conduzindo-o as problemáticas ambientais e à um
declínio da qualidade de vida (OLIVEIRA, 2002).
Assim
o presente ensaio apresenta a proposição da concepção intrínseca da biofilia
como princípio ético, que deveria fundamentar a educação ambiental. Uma vez que
os comportamento ditos pro-ambientais
que visam apenas satisfazer as necessidades humanas não são capazes conduzir a
sensibilização com outras formas de vida, processo fundamental para apropriação
de uma consciência ecológica genuína.
O
filósofo Arne Naess em
1973 também introduziu o conceito da “Ecologia Profunda”,
afirmando que o ambiente não deva ser preservado apenas em virtude da
importância do ser humano. Naess reforçou a tese de que o ser humano é parte
integrante e interdependente da biosfera, que deveria objetivar a convivência
harmônica com outras espécies e que toda a natureza possui um valor intrínseco
(NAESS, 1973)
Corroborando
com este posicionamento, Albert
Schweitzer, filósofo, alemão,
laureado em 1952 com o Prêmio Nobel da Paz, afirmou que um homem só seria
realmente ético, quando obedecesse ao dever que lhe é imposto de ajudar toda a
vida que fosse capaz de ajudar e se dar ao trabalho de impedir que se causem
danos a todas as coisas vivas. Segundo Schweitzer (1987), “Ele não pergunta se
esta ou aquela vida é digna de solidariedade enquanto dotada de valor
intrínseco, nem até que ponto ela é capaz de sentimentos. Para ele, a vida é
sagrada enquanto tal”.
Eu como
biólogo, professor e futuro bioeticista acredito que a formação da moralidade
ambiental é algo que deve ser estimulado para que ocorra. Resgatar a interação
direta com a natureza aparenta ser uma ferramenta fundamental de identificação
e sensibilização com a vida. A Hipótese da Biofilia de EO Wilson corrobora com
essa preposição uma vez que aponta para uma tendência inata do ser humano de se
relacionar com outras espécies de seres vivos, influenciando diretamente na sua
saúde mental, emocional e física. Acredito que para a construção de um
verdadeiro cidadão ecológico, consciente de seus direitos e deveres em relação
ao meio ambiente, talvez seja necessário olhar por um novo paradigma
filosófico, que possa compreender a Biofilia como um princípio ético a ser
considerado.
Este ensaio foi elaborado para o
grupo de pesquisa em Bioética Ambiental da PUC PR, baseando nas obras:
WWAP (United Nations World Water Assessment
Programme). Relatório mundial das Nações Unidas sobre desenvolvimento dos
recursos hídricos 2015: Água para um mundo sustentável. Itália, UNESCO, 2015".
http://www.inpe.br/ acesso em
14/03/2018 ás 21hrshttp://www.mma.gov.br/ acesso em 14/03/2018 ás 21hrs
FERREIRA, F. ; BOMFIM, Z. A. C. . Sustentabilidade Ambiental: visão antropocêntrica ou biocêntrica?. Ambientalmente sustentable , v. 1, p. 37-51, 2010.
WILSON, E. O. (1984). Biophilia. Cambridge: Harvard University Press.
WILSON, E. O. (1993) Biophilia and the Conservation Ethic. In: Kellert S. a Wilson E.O. (eds.): The Biophilia Hypothesis. Shearwater Books, Washington, D.C., pp.31–40.
OLIVEIRA, G. B. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Revista da FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.41-48, maio/ago. 2002.
Naess, Arne. 1973. ‘‘The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movement: A Summary.’’ Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy and the Social Sciences 16: 95–100.
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