terça-feira, 13 de março de 2018

Experimentação Animal e o Princípio da Não Maleficência


Série Ensaios: Bioética Ambiental


Por Mauro Seigi Hashimoto
Graduado em Direito e Mestrando do PPGB

No ano de 2013, foi veiculado fortemente na mídia através de notícias e reportagens, a questão da experimentação animal, os abusos e maus tratos que diversos tipos de animais sofrem em nome do avanço científico, como foi o caso do laboratório do Instituto Royal. Muitos cientistas asseguram que a substituição de animais nas pesquisas científicas ainda não é possível, contudo, diversos outros cientistas trabalham em alternativas viáveis para não mais utilizar animais na experimentação. Cinco anos após estes fatos, podemos ter na pesquisa científica procedimentos que visem o bem-estar animal, utilizando o princípio da não maleficência?


A utilização de animais em pesquisa é tão antiga quanto nossa história científica. Por volta de 550 a.C. na Grécia Antiga, já dissecava animais para o estudo anatômico comparando os órgãos humanos com os de outros animais. Com o passar do tempo o uso de animais em estudos científicos cresceu absurdamente, no séc. XVII, Descartes concluiu que animais eram simples máquinas, meros autômatos, e que a dor estava relacionada a existência da alma, algo único em seres humanos. Assim todos os outros animais desprovidos de alma não sentiam dor e nem tinham emoções, seus gritos e grunhidos quando vivisseccionados eram como se fossem o ranger de uma máquina (ROCHA, 2004).
No séc. XX a vivissecção se tornou uma prática comum na área médica, assim percebemos que o uso de animais em pesquisas é tão antigo que se enraizou na própria cultura da pesquisa, ou seja, tentar extirpar esta prática é mexer com algo que até então tinha se tornado comum e moralmente aceitável em nossa sociedade. Contudo as discussões éticas sobre a utilização de animais em pesquisa ganharam força, o uso de animais nos experimentos já não é um consenso entre os pesquisadores, assim a comunidade científica tem buscado formas de reduzir ou substituir o uso de animais.
   
    No Brasil, a experimentação animal é regulamentada pela lei nº 11.794/98, conhecida como Lei Arouca, que regulamentou o uso de animais (vertebrados) em experimentos científicos, criando o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA, e orientou a constituição de Comissões de Ética no uso de Animais – CEUAs. Restringindo o uso de cobaias apenas para pesquisas que tenham como finalidade melhorar e prolongar a vida do ser humano, permitindo também o uso de animais em experimentos que testem a segurança e eficácia de fármacos desenvolvidos para o tratamento de doenças, em ambos os casos as pesquisas devem prezar pelo bem-estar do animal utilizado.
Internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais – UNESCO – ONU de 1978, no art. 8º declara que “a experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência, médica, científica, comercial ou qualquer outra. E as técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas”. Vale ressaltar que esta declaração é referendada por diversos países e o Brasil é um dos seus signatários.
         Assim a Bioética torna-se essencial nesta discussão, percebe-se que os direitos dos animais têm ganhado força, a mobilização de ativistas e de organizações que buscam a proteção dos animais em relação a experimentação animal se intensificam quando são divulgados casos de maus tratos e negligencia das normas e preceitos éticos por partes de empresas e laboratórios de pesquisa. Visando o posicionamento do bem-estar animal, questionamos se é possível na experimentação, não causar um mal ao animal utilizado na pesquisa, isto é, será possível a aplicação do princípio da não maleficência?
A não maleficência, é um princípio da bioética principialista de Beauchamp e Childres, as origens desse princípio está relacionado com a tradição hipocrática: “primeiramente, não causar danos” (primum non nocere), ou seja, não devemos infligir mal ou dano, tendo um caráter de proteção (Neto, 2014).
        
Então como não causar mal ou danos aos animais que são utilizados em experimentos? Acreditamos que esta possibilidade perpassa também pela aferição da dor e sofrimento do animal, visto que geralmente os animais em pesquisa passam por procedimentos estressantes e no final da pesquisa muitas vezes acabam sendo sacrificados. Novas alternativas podem ser encontradas na experimentação animal, e os pesquisadores devem agir com responsabilidade. Contudo a curto prazo parece ser muito difícil não utilizar mais os animais, já que a princípio todo avanço no conhecimento de áreas como a fisiologia e farmacologia dependeram de estudos com animais, de certa forma a Lei Arouca mesmo que imperfeita, alia-se a proteção dos animais.
A legislação brasileira tem avançando mesmo que lentamente no sentido de proteger os animais em pesquisa, priorizando o planejamento do experimento utilizando o menor número possível de animais a fim de evitar o estresse, a dor e o sofrimento desnecessário do animal.
 Eu como bacharel em Direito e futuro Bioeticista acredito que devemos fomentar o diálogo, e a bioética tem muito a contribuir com a questão, o fim da experimentação animal parece ainda distante, por isso não devemos nos encobrir com a justificativa da necessidade e ficarmos inertes frente a problemática.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental do PPGB da PUCPR, tendo como base as obras:

BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Principles of biomedical ethics. 6 ed. New York, Oxford: Oxford University Press, 2009.
BONELLA, A. E. Animais em laboratório e a lei Arouca. Scientlae Studia, São Paulo, v. 7, n. 3, p. 507-514, 2009.
BRASIL. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm>. Acesso em: 11 mar 2018.
CARVALHO, A. L. L.; WAIZBORT, R. Sobre cães, vivissecção e darwinismo: uma história da Biologia e de seus dilemas éticos. Acta Scientiae, Canoas, v.16, n.2, p.200-236, maio/ago. 2014.
Declaração universal dos direitos dos animais. UNESCO, ONU,1978. Disponível em <http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf>. Acesso em: 11 mar 2018
GUIMARÃES, M. V.; FREIRE, J. E. C.; MENEZES, L. B. Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil. Rev. Bioét. n.24, v.2, p.217-224, 2016.
NETO, R. D. Primum Non Nocere: uma discussão sobre o princípio da não-maleficiência no principialismo. 2014. 216f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Filosofia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.
PETRY, F. B. Princípios ou virtudes na bioética? Controvérsia. v.1, n.1, p. 49-65, jan/jun. 2005.
ROCHA, E. M. Animais, homens e sensações segundo Descartes. Kriterion, Belo Horizonte, nº 110, p. 350-364, dez./2004.

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