Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Vanessa Carvalho
Advogada e Mestranda em Bioética
Na cidade de
Umuarama, no noroeste do Estado do Paraná, a Associação Beneficente São
Francisco de Assis (Hospital Cemil), na busca de promover o bem-estar dos seus
pacientes, há aproximadamente 2 (dois) anos desenvolvem o projeto intitulado
Cão Aumigo. Esse tipo de
projeto é chamado de Cinoterapia,
que visa promover o contato entre os pacientes e os cães, ou seja, nesse tipo
de terapia é utilizado apenas os cães.
A colaboradora Adriana Silva Santos que trabalha na
instituição e quem acompanha o desenvolvimento do projeto no setor de Humanização
corroborou alguns dos benefícios vivenciados pelos envolvidos, quais sejam:
“Principalmente as crianças ficam encantadas com os animais.
As crianças não conversavam e após a visita se sentiram à vontade para
conversar com os profissionais de saúde do hospital. ”
“ Quando determinado senhor idoso viu o cão Armani (cão que
fotos seguem anexo), ele ficou entusiasmado ao ponto de chama-lo pelo nome de
seu próprio animalzinho de estimação, Zeus. ”
Enfatiza a mesma colaboradora, que os próprios funcionários
do setor ficaram animados com a novidade, visto que, habitualmente as visitas
ocorrem aos domingos, ou seja, após a rotina de 12 horas de plantão dos
profissionais que ali trabalham, contribuindo para que o ambiente hospitalar
seja o mais agradável possível.
Hodiernamente,
observa-se que os animais e os seres humanos estão cada vez mais próximos, e,
essas relações vêm se estendendo e contribuindo com a saúde e bem-estar
de ambos. Dentre as inúmeras relações
estabelecidas entre as espécies destaca-se o uso de animais para finalidades terapêuticas,
denominada de zooterapia.
A
zooterapia,
aos poucos vem sendo inserida nas unidades de saúde para que contribua na
recuperação das pessoas acometidas de alguma doença. Existe um estudo publicado
na página online Rede Câncer, de julho de 2016, intitulada Terapia com cães
reforça tratamento e ajuda na recuperação de pacientes de todas as idades que
demonstram a eficácia e benefícios que um animal pode trazer aos pacientes
internados por intermédio da zooterapia, que consiste no uso do animal como
assistente na reabilitação da pessoa acometida por alguma doença, ou seja,
ajuda psicologicamente e fisicamente.
Conforme
expõe este estudo, os cães domésticos estão sendo utilizados de maneira
satisfatória na reabilitação de pacientes de todas as idades, reforçando ainda,
que o animal é o melhor medicamento para os pacientes que necessitam de
internação.
No entanto, para que o contato entre o cão terapeuta e
paciente ocorra, são impostos alguns procedimentos rotineiros pelo hospital
para que o tutor
do animal realize, ou seja, o animal que é o objeto dessa relação, acaba por
permanecer totalmente vulnerável
aos desejos dos humanos envolvidos.
Destarte,
observa-se um posicionamento totalmente utilitarista
por parte do hospital, em vez que utiliza do animal para a finalidade de
proporcionar aos seus pacientes certo conforto, vendo o animal como objeto que
permite atingir o fim desse desejo.
Enquanto
isso, observa-se que o tutor do animal exerce um papel caridoso,
de fazer uma boa ação, de ser solidário e o paciente encontra-se envolvido
apenas pelo sentimento de afetividade, preocupando-se apenas em se satisfazer
emocionalmente naquele momento.
Diante
desse conflito, a bioética
promoverá um diálogo entre agentes envolvidos, quais sejam, tutor do animal,
instituição e paciente, onde ambos deverão ser ouvidos, expondo suas as
necessidades, ou seja, se falam e percebem juntos a necessidade de avaliar o
mal menor imposto ao animal.
No
entanto, usar animais para tratar ou melhorar a condição que uma pessoa humana
vive, se faz necessário observar algumas responsabilidades éticas
e jurídicas
das partes envolvidas, e principalmente, resguardar aquele que é objeto e ser
vulnerável deste estudo, o próprio animal.
A partir dessa linha de pensamento,
a obra de Jonas propõe um novo paradigma ético baseado na lacuna entre a força
da previsão e o poder de agir, porque reconhecer as limitações humanas faz
parte do processo de autocontrole necessário para a proteção da natureza.
Assim, a questão destacada pelo autor versa sobre uma nova dimensão da ética,
nunca antes considerada, capaz de pretender cuidado também com as gerações
futuras (nova concepção de direitos e deveres). Aliás, o papel do Direito é
destacado pelo autor uma vez que questões que até então não eram objeto de
legislação ingressam na pauta jurídica, sobretudo para que possa existir um
mundo para as próximas gerações. Essa perspectiva ética aponta para uma
proposição de prática transgeracional.
O
estudo de Zolet descreve como Hans Jonas compreendia o princípio da responsabilidade, com o avanço das tecnologias e da capacidade humana em
intervir na natureza, buscando traçar um novo modelo ético onde o ser humano
repense suas ações sobre ela, mas, utilizando de valores ético morais que
evitem danos ou que não sejam tão maléficos ao meio ambiente.
Neste
sentido, as autoras Marta Luciane Fischer e Renata Bicudo Molinari (2016, p.
243,) lecionam:
A mudança de como a sociedade
percebe o animal vem subsidiando a legislação, a qual passa também por uma
reestruturação. Embora haja uma divisão filosófica entre visões abolicionistas
e utilitaristas, é óbvia a mobilização de diferentes parcelas da sociedade
levando a mudança de concepção do animal objeto do direito para o sujeito de
direito. Desta forma, a construção de novos conhecimentos e reflexões a
respeito do comportamento animal, dos parâmetros que permeiam a tutela
responsável e a utilização do mesmo para o bem-estar dos homens devem ser
amplamente discutidos.
Todavia,
a ausência dessa análise bioética nesse contexto, podem trazer prejuízos
irreversíveis a todos, pois, é um conflito evidente falarmos da vida animal
como objeto de um contato que visa três fins distintos.
Embora
essa situação pareça algo simplista, pode ocasionar responsabilidades civis e
penais devidamente previstas em nosso ordenamento jurídico, bem como a elencada
na Lei nº 9.605/1998, que em seu art. 32 dispõe:
Art. 32. Praticar ato de abuso,
maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um
ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem
realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins
didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto
a um terço, se ocorre morte do animal.
Destarte,
observa-se que quando verificado que o animal está em situação prevista no
artigo da Lei supracitada, qual seja, crime de maus tratos,
surge assim a responsabilização da entidade e do seu tutor na esfera criminal.
Nesse
entendimento, algumas medidas poderiam ser indicadas para amenizar ou causar um
mal menor
conforme concluiu os estudos das autoras Marta Luciane Fischer, Amanda Amorim Zanatta,
Eliana Rezende Adami (2016, p. 192):
Para balizar com responsabilidade
aplicando o princípio ético da precaução na tomada de decisão são necessários:
a) estudos empíricos com avaliação de parâmetros físicos e mentais dos
pacientes; b) consideração tanto dos benefícios quanto dos riscos; c) promoção
da qualidade de vida para os animais sem prejudicar os resultados; d) não usar
animais selvagens; e) animais de canis, abrigos ou abandonados devem ser
apropriadamente selecionados e treinados; f) usar técnicas humanísticas de
adestramento; g) garantir a possibilidade do animal de manter relação com seu
tutor; h) a atividade deve ser aprovada por comitês de Bioética humana e
animal; i) levar em consideração aspectos culturais e o momento histórico; j) refletir
sobre a necessidade de diretrizes éticas e requerimentos regulatórios tanto da
prática em si quanto da atuação de cada profissional, validação de protocolos
de avaliação, análise dos custos e financiamentos e o bem-estar dos animais. A
intermediação entre a terapia e os hospitais deve se dar através de comitês de
Bioética, a qual deve ponderar todas as variáveis e projetar a melhor
estratégia que leve em consideração o bem-estar de todos os envolvidos.
Outrossim,
é papel da bioética promover esse diálogo, de forma prudente, demonstrando aos envolvidos que é
preciso rever quais pacientes devem receber essa visita de cunho terapêutico,
visto que, alguns pacientes ficam transitoriamente internados, não se fazendo
necessário expor o cão ao processo de visita que é entendido como muito
estressante, por ser preciso higienizá-lo e submetê-lo ao ambiente
hospitalar.
Assim,
observa-se que a bioética estabelecerá um diálogo apropriado e adequado entre
os atores, visando trabalhar cada caso concreto e as realidades em suas
especificidades.
Eu
como futura bioeticista acredito que apesar do estudo sugerido demonstrar como
pode ser benéfico a utilização de animais para promoção do bem-estar humano,
quando este carecer de um período de internação, é importante destacar que o
animal não pode ser apenas o objeto que visa somente tal finalidade, visto que,
o animal é ser dotado de sentimentos.
Deste
modo, para o fim de resguardar o animal, sugiro que os animais que forem
utilizados neste tipo de terapia, sejam de preferência, o animal da própria
pessoa acometida de enfermidade, e não sendo possível utilizar o animal
próprio, espero que seja o animal participante de projetos de zooterapia
submetido por um tempo mínimo possível ao ambiente hospitalar.
As fotos foram cedidas e devidamente autorizadas pela
família que participa do Projeto “Cão Aumigo”.
Agradeço
a colaboração da funcionária Adriana Silva
Santos da Associação Beneficente São Francisco de Assis (Hospital Cemil),
pessoa responsável para acompanhar o desenvolvimento do projeto no setor de
Humanização e comprometida com a causa da Bioética.
O presente ensaio foi elaborado para
disciplina de Bioética Ambiental do Programa PGB tendo como base as obras:
SGANZERLA, Anor. SCHRAMM. Fermin
Roland. Fundamentos da Bioética:
Série Bioética. Vol.3. Curitiba: Editora CRV, 2016.
BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, e dá outras providências. Disponível em:
. Acesso em: 01 dez
2017.
FISCHER, Marta Luciane; AMORIM
ZANATTA, Amanda; REZENDE ADAMI, Eliana. Una mirada de la bioética para la
zooterapia. Revista Latinoamericana de
Bioética, vol. 16, núm. 1, enero-junio, 2016. Disponível em:
. Acesso em: 01dez
2017.
ZOLET, Lucas Augusto da Silva. O
princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
Revista Jurídica Cesumar - Mestrado,
v. 16, n. 1, p. 233-239, jan./abr. 2016. Disponível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/viewFile/4623/2743>. Acesso em: 01 dez 2017.
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