segunda-feira, 5 de março de 2018

Zooterapia E O Princípio Da Responsabilidade: Breves Considerações Bioéticas


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Vanessa Carvalho

Advogada e Mestranda em Bioética

 



Na cidade de Umuarama, no noroeste do Estado do Paraná, a Associação Beneficente São Francisco de Assis (Hospital Cemil), na busca de promover o bem-estar dos seus pacientes, há aproximadamente 2 (dois) anos desenvolvem o projeto intitulado Cão Aumigo. Esse tipo de projeto é chamado de Cinoterapia, que visa promover o contato entre os pacientes e os cães, ou seja, nesse tipo de terapia é utilizado apenas os cães.

 

A colaboradora Adriana Silva Santos que trabalha na instituição e quem acompanha o desenvolvimento do projeto no setor de Humanização corroborou alguns dos benefícios vivenciados pelos envolvidos, quais sejam:
“Principalmente as crianças ficam encantadas com os animais. As crianças não conversavam e após a visita se sentiram à vontade para conversar com os profissionais de saúde do hospital. ”
“ Quando determinado senhor idoso viu o cão Armani (cão que fotos seguem anexo), ele ficou entusiasmado ao ponto de chama-lo pelo nome de seu próprio animalzinho de estimação, Zeus. ”
Enfatiza a mesma colaboradora, que os próprios funcionários do setor ficaram animados com a novidade, visto que, habitualmente as visitas ocorrem aos domingos, ou seja, após a rotina de 12 horas de plantão dos profissionais que ali trabalham, contribuindo para que o ambiente hospitalar seja o mais agradável possível.
                  Hodiernamente, observa-se que os animais e os seres humanos estão cada vez mais próximos, e, essas relações vêm se estendendo e contribuindo com a saúde e bem-estar de ambos.  Dentre as inúmeras relações estabelecidas entre as espécies destaca-se o uso de animais para finalidades terapêuticas, denominada de zooterapia.
          A zooterapia, aos poucos vem sendo inserida nas unidades de saúde para que contribua na recuperação das pessoas acometidas de alguma doença. Existe um estudo publicado na página online Rede Câncer, de julho de 2016, intitulada Terapia com cães reforça tratamento e ajuda na recuperação de pacientes de todas as idades que demonstram a eficácia e benefícios que um animal pode trazer aos pacientes internados por intermédio da zooterapia, que consiste no uso do animal como assistente na reabilitação da pessoa acometida por alguma doença, ou seja, ajuda psicologicamente e fisicamente.
Conforme expõe este estudo, os cães domésticos estão sendo utilizados de maneira satisfatória na reabilitação de pacientes de todas as idades, reforçando ainda, que o animal é o melhor medicamento para os pacientes que necessitam de internação.
No entanto, para que o contato entre o cão terapeuta e paciente ocorra, são impostos alguns procedimentos rotineiros pelo hospital para que o tutor do animal realize, ou seja, o animal que é o objeto dessa relação, acaba por permanecer totalmente vulnerável aos desejos dos humanos envolvidos.
Destarte, observa-se um posicionamento totalmente utilitarista por parte do hospital, em vez que utiliza do animal para a finalidade de proporcionar aos seus pacientes certo conforto, vendo o animal como objeto que permite atingir o fim desse desejo.
Enquanto isso, observa-se que o tutor do animal exerce um papel caridoso, de fazer uma boa ação, de ser solidário e o paciente encontra-se envolvido apenas pelo sentimento de afetividade, preocupando-se apenas em se satisfazer emocionalmente naquele momento.
Diante desse conflito, a bioética promoverá um diálogo entre agentes envolvidos, quais sejam, tutor do animal, instituição e paciente, onde ambos deverão ser ouvidos, expondo suas as necessidades, ou seja, se falam e percebem juntos a necessidade de avaliar o mal menor imposto ao animal.
No entanto, usar animais para tratar ou melhorar a condição que uma pessoa humana vive, se faz necessário observar algumas responsabilidades éticas e jurídicas das partes envolvidas, e principalmente, resguardar aquele que é objeto e ser vulnerável deste estudo, o próprio animal.
Neste sentido, Lucas Augusto da Silva Zolet (2016, p. 234-235) lecionou:
A partir dessa linha de pensamento, a obra de Jonas propõe um novo paradigma ético baseado na lacuna entre a força da previsão e o poder de agir, porque reconhecer as limitações humanas faz parte do processo de autocontrole necessário para a proteção da natureza. Assim, a questão destacada pelo autor versa sobre uma nova dimensão da ética, nunca antes considerada, capaz de pretender cuidado também com as gerações futuras (nova concepção de direitos e deveres). Aliás, o papel do Direito é destacado pelo autor uma vez que questões que até então não eram objeto de legislação ingressam na pauta jurídica, sobretudo para que possa existir um mundo para as próximas gerações. Essa perspectiva ética aponta para uma proposição de prática transgeracional. 

O estudo de Zolet descreve como Hans Jonas compreendia o princípio da responsabilidade, com o avanço das tecnologias e da capacidade humana em intervir na natureza, buscando traçar um novo modelo ético onde o ser humano repense suas ações sobre ela, mas, utilizando de valores ético morais que evitem danos ou que não sejam tão maléficos ao meio ambiente.

Neste sentido, as autoras Marta Luciane Fischer e Renata Bicudo Molinari (2016, p. 243,) lecionam:

A mudança de como a sociedade percebe o animal vem subsidiando a legislação, a qual passa também por uma reestruturação. Embora haja uma divisão filosófica entre visões abolicionistas e utilitaristas, é óbvia a mobilização de diferentes parcelas da sociedade levando a mudança de concepção do animal objeto do direito para o sujeito de direito. Desta forma, a construção de novos conhecimentos e reflexões a respeito do comportamento animal, dos parâmetros que permeiam a tutela responsável e a utilização do mesmo para o bem-estar dos homens devem ser amplamente discutidos.

               

Todavia, a ausência dessa análise bioética nesse contexto, podem trazer prejuízos irreversíveis a todos, pois, é um conflito evidente falarmos da vida animal como objeto de um contato que visa três fins distintos.

Embora essa situação pareça algo simplista, pode ocasionar responsabilidades civis e penais devidamente previstas em nosso ordenamento jurídico, bem como a elencada na Lei nº 9.605/1998, que em seu art. 32 dispõe:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

 

Destarte, observa-se que quando verificado que o animal está em situação prevista no artigo da Lei supracitada, qual seja, crime de maus tratos, surge assim a responsabilização da entidade e do seu tutor na esfera criminal.

Nesse entendimento, algumas medidas poderiam ser indicadas para amenizar ou causar um mal menor conforme concluiu os estudos das autoras Marta Luciane Fischer, Amanda Amorim Zanatta, Eliana Rezende Adami (2016, p. 192):

Para balizar com responsabilidade aplicando o princípio ético da precaução na tomada de decisão são necessários: a) estudos empíricos com avaliação de parâmetros físicos e mentais dos pacientes; b) consideração tanto dos benefícios quanto dos riscos; c) promoção da qualidade de vida para os animais sem prejudicar os resultados; d) não usar animais selvagens; e) animais de canis, abrigos ou abandonados devem ser apropriadamente selecionados e treinados; f) usar técnicas humanísticas de adestramento; g) garantir a possibilidade do animal de manter relação com seu tutor; h) a atividade deve ser aprovada por comitês de Bioética humana e animal; i) levar em consideração aspectos culturais e o momento histórico; j) refletir sobre a necessidade de diretrizes éticas e requerimentos regulatórios tanto da prática em si quanto da atuação de cada profissional, validação de protocolos de avaliação, análise dos custos e financiamentos e o bem-estar dos animais. A intermediação entre a terapia e os hospitais deve se dar através de comitês de Bioética, a qual deve ponderar todas as variáveis e projetar a melhor estratégia que leve em consideração o bem-estar de todos os envolvidos.

 

Outrossim, é papel da bioética promover esse diálogo, de forma prudente, demonstrando aos envolvidos que é preciso rever quais pacientes devem receber essa visita de cunho terapêutico, visto que, alguns pacientes ficam transitoriamente internados, não se fazendo necessário expor o cão ao processo de visita que é entendido como muito estressante, por ser preciso higienizá-lo e submetê-lo ao ambiente hospitalar. 

Assim, observa-se que a bioética estabelecerá um diálogo apropriado e adequado entre os atores, visando trabalhar cada caso concreto e as realidades em suas especificidades.

Eu como futura bioeticista acredito que apesar do estudo sugerido demonstrar como pode ser benéfico a utilização de animais para promoção do bem-estar humano, quando este carecer de um período de internação, é importante destacar que o animal não pode ser apenas o objeto que visa somente tal finalidade, visto que, o animal é ser dotado de sentimentos.

Deste modo, para o fim de resguardar o animal, sugiro que os animais que forem utilizados neste tipo de terapia, sejam de preferência, o animal da própria pessoa acometida de enfermidade, e não sendo possível utilizar o animal próprio, espero que seja o animal participante de projetos de zooterapia submetido por um tempo mínimo possível ao ambiente hospitalar.

As fotos foram cedidas e devidamente autorizadas pela família que participa do Projeto “Cão Aumigo”.

Agradeço a colaboração da funcionária Adriana Silva Santos da Associação Beneficente São Francisco de Assis (Hospital Cemil), pessoa responsável para acompanhar o desenvolvimento do projeto no setor de Humanização e comprometida com a causa da Bioética.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental do Programa PGB tendo como base as obras:

SGANZERLA, Anor. SCHRAMM. Fermin Roland. Fundamentos da Bioética: Série Bioética. Vol.3. Curitiba: Editora CRV, 2016.

BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 01 dez 2017.

FISCHER, Marta Luciane; AMORIM ZANATTA, Amanda; REZENDE ADAMI, Eliana. Una mirada de la bioética para la zooterapia. Revista Latinoamericana de Bioética, vol. 16, núm. 1, enero-junio, 2016. Disponível em: . Acesso em: 01dez 2017.

ZOLET, Lucas Augusto da Silva. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 16, n. 1, p. 233-239, jan./abr. 2016. Disponível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/viewFile/4623/2743>. Acesso em: 01 dez 2017.

 

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