Espiritualidade: uma luz no fim do túnel?


Série Ensaios: Sociobiologia

Por Nicoly Subtil de Oliveira
Acadêmica do Curso de Biologia da PUCPR

"Eu me ergui e fui puxada por essa luz”, descreve a professora Rita Isabel Rohr. “Tinha um túnel, bem longe, e aquela luz me puxava. Era uma luz tipo um sol, não era uma luz qualquer, era uma luz muito forte, que soltava raios para tudo que era lado, e tinha muita força aquela luz. Eu cheguei ao fim do túnel, e atrás da luz tinha um espaço muito grande, com uma luminosidade tão estranha, tão bonita, que não dá para explicar. Eu não consigo comparar com uma coisa bonita que tem aqui na Terra hoje para dizer como era bonito lá.”

           
Assim como o caso desta professora, muitos outros casos de Experiência de Quase Morte (EQM) são relatados em hospitais. Apesar de estas experiências serem algo real para essas pessoas e, em grande parte, ocasionarem em um motivo para a mudança de comportamento, nos valores e nas crenças de diversas pessoas, como a ciência entende isso?
            A EQM é definida como um estado alterado de consciência que inclui uma experiência emocional e um conteúdo estereotipado (Fenwick, 2013). Estes estados próximos da morte referem-se a experiências profundas, onde as pessoas que vivenciam isto acreditam que deixam seus corpos e viajam para outra dimensão (Greyson, 2007). Segundo a medicina, estas experiências acontecem devido a mudanças químicas no cérebro. Existem estudos que demonstram que existe um último lampejo de explosão de atividade cerebral nos últimos minutos de vida, por isso esses relatos podem estar relacionados com a perda de consciência da pessoa, porém com um mínimo de atividade cerebral ainda.
Tem-se como características específicas de quem sobreviveu a uma EQM a incapacidade de expressar um sentimento através de palavras, ouvir o anúncio da própria morte, sentimentos de paz, ouvir ruídos, ver um túnel, sentir-se fora do corpo, encontrar-se com seres não físicos, realizar uma revisão da vida, retornar à vida, contar aos outros sobre a experiência, consequência da experiência que a pessoa viveu, ter novas visões da morte e comprovação de conhecimentos não adquiridos por meio da percepção normal (Greyson, 2007). Os efeitos posteriores a vivencia são, na maioria das vezes, permanentes. A pessoa passa a apreciar melhor a vida, ter maior espiritualidade/ fé, menos medo da morte e menores níveis de competitividade e materialismo (Von Haesler & Beauregard, 2013).
Em um estudo médico realizado, 30 dos 58 pacientes que disseram que tinham tido EQM, não estavam em perigo de morte. Ou seja, estas experiências de quase morte não estão relacionadas apenas com o perigo médico apresentado, mas com o estado físico mental e do corpo. Existem casos relatados em que pacientes com diabetes relataram a EQM após uma significativa baixa de açúcar no sangue (hipoglicemia), os pacientes estavam em estado de sono e apresentaram movimentos rápidos do olho, demonstrando um estado comum de quando sonhamos (Mobbs & Watt, 2011).
Vários estudos têm sido feitos para entender este fenômeno; mas ainda estamos longe de poder entender o que realmente acontece. Em outro estudo feito com pacientes que tinham tido a experiência de quase morte, 50% relataram a sensação de estarem mortos, 24% disseram ter tido a experiência fora do corpo, 31% falaram que passaram por um túnel e 32% disseram ter encontrado pessoas falecidas. Não existe um padrão para estas experiências, ao mesmo tempo em que algumas pessoas relatam todas as características já apresentadas, outras relatam apenas uma ou duas. Isto dificulta o seu entendimento, mas é certo que existem diversas explicações para isto.
O professor Alexander de Almeida da UFJF, em uma entrevista, explica que pode estar relacionada à falta de oxigênio no cérebro e a pessoa passa a desencadear alucinações; ou também pode ser em um período próximo a morte e a pessoa comece a fantasiar como mecanismo de defesa. O neurocientista Kevin Nelson, autor do livro The Spiritual Doorway in the Brain – a Neurologist’s Search for the God Experience, conta que a cada segundo o cérebro regula a quantidade de sangue que circula nele, então se o fluxo diminui, o cérebro aciona mecanismos que controlam a passagem entre os estados de consciência porque encara isto como uma crise, e nesses momentos podem acontecer reações como paralisia e alucinações. Em uma linguagem mais química, Jansen (1990; 1997) propõe que a cetamina é um modelo para a EQM, ou seja, a cetamina é capaz de reproduzir estas experiências através do bloqueio dos receptores no cérebro pelas neurotransmissões glutamatérgicas, mediadas pelo receptor de N-metil-D-aspartato (NMDA).
O que chama atenção nas pessoas que vivenciam essa experiência de quase morte é a mudança de comportamento e pensamento sobre valores. A maioria dos casos ocorridos relata que as pessoas passam a ter outra visão de morte, tem menos medo de viver e até aumentam a espiritualidade.
Dr. George Vaillant, autor do livro Fé: evidências científicas, defende que a espiritualidade é uma força positiva na evolução humana. O autor ainda relata que para essa força positiva existem três tipos diferentes de evolução: a seleção natural dos genes ao longo de milênios; a evolução cultural de ideias sobre o valor da vida humana ao longo da história documentada; e o desenvolvimento da espiritualidade durante a vida de cada indivíduo. Nossa espiritualidade acontece no cérebro, na nossa capacidade inata para emoções como o amor, a esperança, a alegria, o perdão e a compaixão; sentimentos selecionados pela evolução que se localizam em uma parte do cérebro diferente daquela onde se encontram as crenças religiosas dogmáticas, relata o Dr. Vaillant.
A espiritualidade pode ter duas dimensões: a horizontal, em que a pessoa é movida pela experiência de doação de si mesma e de fraternidade por meio do contato mais íntimo com si próprio, com a natureza, a arte, a poesia, ou qualquer outro valor visando o bem-estar social, a solidariedade, o cuidado, a tolerância, etc. E a dimensão vertical, onde a pessoa acredita em Deus (Poder Superior). As duas dimensões podem estar ligadas ou não (Moberg & Brusek, 1978). É importante deixar claro que a espiritualidade e religião estão relacionadas, mas são termos independentes. Uma pessoa não precisa pertencer a uma religião para alcançar um nível espiritual (Guerrero et al, 2010).
Quando se fala dos benefícios da espiritualidade, o efeito placebo é citado. Acredita-se que uma terapia pode trazer sentimentos positivos. Alguns pesquisadores até falam que certos rituais podem afetar os sistemas endócrino e imunológico (Valla, 2000). Como estratégia de sobrevivência no mundo social, a espiritualidade pode ser vista como uma forma de amenizar os problemas diários, acreditando que é possível superar cada um; de valorizar e aproveitar mais a vida, porém com cautela; de buscar novas experiências para chegar a felicidade plena; entre outros.. Com a ajuda de rituais, é possível chegar a uma paz interior, acalmar os pensamentos e até chegar a tão desejada felicidade.
Eu como formanda em Biologia, acredito que apesar de todas as pesquisas já realizadas, a experiência de quase morte é, na maioria das vezes, uma questão de interpretação pessoal; pode-se vê-la como um acontecimento da vida ou da química do cérebro da pessoa, que pode estar em risco de morte ou não. O importante é que as pesquisas continuem sendo realizadas para que possa ser explicado o que realmente acontecem nesses momentos e se isso pode levar a algum risco ao cérebro após a experiência. Porém, acredito também que mesmo que seja descoberta a razão para esses acontecimentos, a espiritualidade ainda seria um motivo a levar-se em questão, pois de certa forma, a espiritualidade deixa a pessoa mais calma, tranquila e feliz, além de que se unida com a religiosidade, a pessoa tem mais cuidado com si mesma, com as coisas e com a busca da felicidade.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Etologia II, baseando-se nas seguintes obras:
FENWICK, P. As experiências de quase morte (EQM) podem contribuir para o debate sobre a consciência? (2013). Rev Psiq Clín, v. 40 (5), p. 203-207.
G1. Brasileiros que quase morreram contam ter visto luzes e até Jesus. Disponível em: <http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2011/09/brasileiros-que-quase-morreram-contam-ter-visto-luzes-e-ate-jesus.html>. Acessado em 18 de Setembro de 2015.
GREYSON, B. Experiências de quase-morte: implicações clínicas. (2007). Rev. Psiq. Clín, v. 34, supl. 1, p. 116-125.
GUERRERO, G.P., ZAGO, M.M.F., SAWADA, N.O. & PINTO, M.H. Relação entre espiritualidade e câncer: perspectiva do paciente. (2010). Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília/ DF, v. 64 (1), p. 53-59.
JANSEN, K. L. R. Neuroscience and the Near-Death Experience: roles for the NMSA - PCP receptor, the sigma receptor and the endopsychosins. (1990). Medical Hypotheses, v. 31, p. 25-29.
JANSEN, K. L. R. The Ketamine Model of the Near-Death Experience: a central role for the N-Methyl-D-Aspartate receptor. (1997). Journal of Near-Death Studies, v. 16, p. 5- 26.
MOBBS, D. & WATT, C. There is nothing paranormal about near-death experiences: how neuroscience can explain seeing bright lights, meeting the dead, or being convinced you are one of them. (2011). Trends in Cognitive Sciences, v. 15, n. 10, p. 447-449.
Moberg, D. O. & Brusek, P. M. (1978). Spiritual well being: A neglected subject in quality of life research. Social Indicator Research, v. 5, p. 303-323.
VAILLANT, G. E. Fé: evidências científicas. (2010). Editora Manole, Barueri/ São Paulo.
VALLA, V.V. Globalização e saúde no Brasil: a busca da sobrevivência pelas classes populares via questão religiosa. (2000). Trabalho de Congresso. Disponível em: . Acessado em 23 de Setembro de 2015.
VON HAESLER, N. T. & BEAUREGARD, M. Experiências de quase morte em parada cardíaca: implicações para o conceito de mente não local. (2013). / Rev Psiq Clín, v. 40 (5), p. 197-202.