segunda-feira, 22 de junho de 2015

Enriquecimento Ambiental Como Conduta Ética Na Manutenção De Animais Cativos

Série Ensaios: Ética Animal

Por Caroline Trevizan
Bióloga e Acadêmica do Curso de Especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental 

Através do Conselho Federal de Medicina Veterinária foi noticiado que o Conselho Nacional de
Controle de Experimentação Animal (Concea) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação aprovou, no dia 27 de fevereiro, uma nota explicativa sobre a Resolução Normativa nº17, que trata do reconhecimento no Brasil de métodos alternativos validados baseados no princípio dos 3 R’s, que visam a substituição, redução ou refinamento do uso de animais em atividades de pesquisa no país.
Em vigor desde julho de 2014, a Resolução nº 17 foi aprovada com a intenção de assegurar o bem-estar animal, a dignidade e o respeito à vida. 
Na Europa a experimentação animal tornou-se frequente entre os séculos XVI e XVIII (Neves et al., 2013), no século XX as questões sobre ética na utilização animal se intensificaram. Porém, apesar de todo o esforço da comunidade científica a fim de reduzir ou substituir sua aplicação, não foi possível abandoná-la (Cesarino, 2011), já que os modelos animais utilizados permitem que o pesquisador desenvolva estudos de fenômenos biológicos, ou do comportamento animal (FAGUNDES; TAHA, 2004).

A regulamentação brasileira sobre o uso de animais em pesquisa científica e atividade de ensino, teve aplicação na Lei Arouca nº 11.794 (SOUSA et al., 2013), esta norma regulamenta as atividades em todo o território nacional (NEVES  et al., 2013), é a primeira legislação brasileira que regulamenta a experimentação animal, estabelecendo práticas de pesquisas que visem o bem-estar animal, pela redução do sofrimento e do número de espécimes utilizados, agregando o uso dos 3 R’s, definindo que os animais sentem dor e necessitam de cuidados especiais (REGIS, 2010). O princípio dos 3  R’s foi descrito por William M. S. Russel e Rex. L. Burch no ano de 1959, em um trabalho chamado de Principles of humane experimental technique, em que estabeleceram o uso deste método em pesquisas com animais. Os 3R’s significam replace (substituição), reduce (redução) e refine (refinamento) (SHIMADA et al., 2012). Entre as práticas descritas como refinamento está o enriquecimento ambiental, caracterizado por todas as modificações que podem ser feitas em protocolos de pesquisa, capazes de reduzir a incidência ou gravidade do medo, dor ou desconforto dos animais durante situações experimentais. Também descrito como toda e qualquer alteração em procedimentos que visem minimizar o sofrimento, durante toda a vida do animal, visando uma melhora do seu bem-estar. Evidências científicas comprovam que modificações nos alojamentos de animais de laboratório podem resultar em grandes benefícios, para o bem-estar animal e para suas funções biológicas, como o fornecimento de materiais para ninho, objetos que permitam refúgio e brinquedos (LAPCHIK et al., 2009).

O enriquecimento ambiental age na diminuição do estresse, e no aumento do bem-estar, atua na aceitação pública da criação, por adequar o manejo a padrões éticos aceitáveis, estimula o repertório comportamental normal, reduz a taxa de mortalidade e eleva a taxa reprodutiva (BOERE, 2001).    É um dos principais fatores que influenciam o bem-estar animal, descrito como a manutenção do animal em boas condições de saúde física e mental, é a garantia de que o animal tenha suas necessidades atendidas, como acesso a alimento e água, conforto, melhorias ambientais e prevenção de doenças infecciosas (YOUNG, 2003), considerando as necessidades fisiológicas e etológicas, exige que os ambientes possam satisfazer as necessidades o mais próximo quanto do habitat natural (SHIMADA et al., 2012), sendo obtido por dispositivos artificiais ou pelo controle do ambiente (LAPCHIK et al., 2009). Os resultados do enriquecimento ambiental atuam em vários critérios que podem ser alterados em relação ao comportamento dos animais de laboratório, como a atenuação do nível de excitabilidade diante procedimentos de manipulação no laboratório; melhora nas condições de saúde, decréscimo dos níveis de agressão intra-específica; diminuição dos níveis circulantes de hormônios associados ao estresse; menor incidência de perda de filhotes por infanticídio, canibalismo e negligência; diminuição da frequência de comportamentos estereotipados; maior taxa de sucesso na reprodução, e melhora no comportamento social (REINHARDT, 2006).

Manter animais em cativeiro requer o dever ético de proporcionar saúde física e mental. Neste quesito o enriquecimento ambiental atua como ferramenta para promover o bem-estar aos animais cativos (MENDONÇA-FURTADO, 2006). Suas várias formas - enriquecimento social, enriquecimento físico, enriquecimento sensorial e enriquecimento nutricional (NEVES et al., 2013) tem impacto relevante na saúde e no desenvolvimento do animal (MEDINA, 2011). Em virtude da relevância deste método deve ser considerado um componente essencial no programa de cuidados com os animais, e igualmente importante como a nutrição e os cuidados veterinários (BAUMANS, 2005).

Devido a ampla utilização de animais de laboratório em pesquisas científicas, há uma grande preocupação com questões éticas em torno da criação de animais em cativeiro. Como profissional da área das Ciências Biológicas, e com grande interesse na vida animal, relacionada aos aspectos comportamentais e sua qualidade de vida, com a consciência de que é essencial para o bem-estar destes indivíduos, a oferta de objetos apropriados a espécie para que mesmo vivendo em um ambiente diferente do habitat natural, seja proporcionada condições para que o confinamento possa ser mais interessante, com o uso de dispositivos que os façam desempenhar seus comportamentos naturais, diminuindo o estresse e o ócio desses animais.




O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética, tendo como base as obras:

 BAUMANS, Vera. Enriquecimento Ambiental pra Roedores e Coelhos: Requisitos para Pesquisa de Roedores e Coelhos. Oxford Jornal da Ciência e Jornal da Matemática. v. 46, p. 162-170. 2005.
BOERE, V. Efeitos do estresse psicossocial crônico e do enriquecimento ambiental em saguis (Callithrix penicillata): Um estudo comportamental, fisiológico e farmacológico. São Paulo. 2002.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Concea divulga nota explicativa sobre Resolução que trata de métodos alternativos no uso de animais em atividades de pesquisa. Disponível em:< http://portal.cfmv.gov.br/portal/noticia/index/id/4144>. Acesso em 05 de jun. 2015.
CESARINO, Joice Lopes; GONTIJO, José A R; ZAPPAROLI, Adriana. Ambiente em biotério de experimentação animal e a espécie Rattus novergicus: revisão. Revista Eletrônica de Farmácia. Vol III, 2011.
FAGUNDES, Djalma José; TAHA Murched Omar. Modelo animal de doença: critérios de escolha e espécies de animais de uso corrente. Acta Cirúrgica Brasileira, v.19. 2004.
LAPCHIK, Valderez Valero; MATTARAIA, Vania Gomes de Moura; KO, Gui Mi. Cuidados e Manejo de Animais de Laboratório. São Paulo: Editora Atheneu, 2009.708 p.
MEDINA, Marcelo Pizzio. Efeitos do enriquecimento ambiental no comportamento e bem-estar em animais de laboratório convencionais. Porto Alegre. 2011.
MENDONÇA-FURTADO, Olívia. Uso de ferramentas como enriquecimento ambiental para macacos-prego (Cebus apella) cativos. São Paulo. 2006.
NEVES, Silvânia M. P; ONG, Flávia de Moura Prates; RODRIGUES, Lívia Duarte; SANTOS, Renata Alves; FONTES, Renata Spalutto; SANTANA, Roseni de Oliveira. Manual de cuidados e procedimentos com animais de laboratório do biotério de produção e experimentação da FCF-IQ/USP. São Paulo, 2013. 234 p.
REINHARDT, V; REINHARDT, A. Variações, refinamento e enriquecimento ambiental para roedores e coelhos mantidos em instituições de pesquisa – tornando a vida dos animais em laboratório mais fácil. Instituto de Bem-estar Animal, Washington. 2006.
REGIS, Arthur Henrique de Pontes. Experimentação animal no Brasil: panorama da Lei Federal nº 11.794/2008 (Lei Arouca). Dissertação (Mestrado em Bioética)-Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
SHIMADA, Marcia Kiyoe; ZAMPRONIO, Aleksander Roberto; MAZZAROTTO, Giovanny A. C. A; TORRES, Maria Fernanda Pioli; VILANI, Ricardo G. D. C; LANGE, Rogerio Ribas; ROBES, Rogerio Ribeiro; CHOUERI, Paloma Kachel Gusso; WADA, Marcelo Hideki. Treinamento em manipulação na experimentação animal. Curitiba, PR, 2012. 143 p.
SOUSA, Ricardo Augusto Leoni; SANTOS, Jymmys Lopes; LIMA, Fábio Bessa; MARÇAL, Anderson Carlos. Aspectos éticos em animais de laboratório e os principais modelos utilizados em ensaios científicos. RESBCAL, São Paulo, v.2 n.2, p. 147-154. 2013.

YOUNG, Robert. J. Enriquecimento ambiental para animais cativos. Oxford, 2003. 228 p.
ambiental para animais cativos. Oxford, 2003. 228 p.

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