Eles não sentem... Será mesmo?

Série Ensaios: Ética Animal

Por Marina Fernanda Mileski
discente em Especialização conservação da Natureza e Educação Ambiental



Calcula-se que os animais desprovidos de coluna vertebral, conhecidos como invertebrados, correspondam a mais de 99% de todas as espécies animais do planeta (Strickberger, 2000). São seres normalmente pequenos, na maioria marinhos, que não convivem com a espécie humana. A maior parte dos invertebrados terrestres são artrópodes, do qual fazem parte os insetos e os aracnídeos.  O filo Chordata, conhecido como vertebrados, corresponde à minoria das espécies de animais descritos, com aproximadamente cinco mil espécies. A ciência moderna trouxe um vasto conhecimento sobre a anatomia, fisiologia e biologia destes animais, o que não alterou a concepção psicológica que fazemos destes animais, os invertebrados ainda são considerados como seres inferiores com relação aos vertebrados. Muitos acreditam que os invertebrados são animais que não possuem consciência, inclusive quando crianças muitos de nós já esmagou uma formiga ou matou outros insetos. Ao acreditarmos que os invertebrados podem não pensar ou sentir, assumimos a nossa conduta de atribuir menos importância a eles.
Este manifesto apresenta um posicionamento inédito sobre a capacidade de outros seres perceberem sua própria existência e o mundo ao seu redor. O manifesto não decreta o fim dos zoológicos ou das churrascarias, nem das pesquisas médicas com animais. Mas, já foi suficiente para provocar reflexão e mudança de comportamento em cientistas. Embora animais vertebrados como camundongos e coelhos, sejam mais estudados, animais com menor visibilidade, como os invertebrados, são igualmente utilizados para fins científicos desde o século XIX. Nos países ocidentais, a legislação de proteção animal visa a proteção de animais vertebrados, considerados sencientes devido a capacidade de sentir dor e sofrimento. A ausência de comprovação da senciência nos animais invertebrados os exclui de proteção.
De acordo com a Lei 9.605/98 são crimes ambientais: contra a fauna, contra a flora, poluição e outros crimes ambientais, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, contra a administração ambiental. Segundo esta Lei, causar experiências dolorosas ou cruéis em animais vivos, quando há métodos alternativos, é considerado crime, normatizando também a coleta e captura de animais para finalidade científica. A Lei 11.794 regulamenta os procedimentos para experimentação animal e restringe o uso como metodologia didática somente no ensino superior, contudo em seu artigo 2º explicita que estes dispositivos de proteção se aplicam somente aos animais vertebrados, apoiadas principalmente na senciência (Regis; Cornelli, 2012).  Com base em uma definição imprecisa de animal, as leis protegem apenas 5% da fauna. Os demais 34 filos reunidos no grupo dos invertebrados não são mencionados, com exceção de algumas poucas espécies.
Ao longo dos anos, o conceito de senciência modificou-se e atualmente muitos estudos consideram que animais são dotados de estados emocionais, capazes de vivenciar experiências positivas e negativas (Dunca, 2006). O mais conhecido argumento defendendo a senciência como base para a consideração moral dos animais foi dado pelo jurista Jeremy Bentham, que em 1789 advertiu: A questão não é podem raciocinar, ou mesmo podem falar, mas antes, podem sofrer? (Bentham, 1984). Para Bentham não há diferença se o animal tem vértebras ou não, ou se tem duas ou muitas pernas; mas apenas a possível capacidade de sentir.  Os argumentos de que os invertebrados não possuem a capacidade de sentir dor são baseados nas informações da ausência de respostas comportamentais semelhantes à dos vertebrados e também na falta de sistema nervoso central complexo. Ambos não são conclusivos e não comprovam a não senciência dos invertebrados, o que indica a necessidade de estudos nestes grupos e não tomem como critérios de comparação apenas respostas de organismos distintos como os vertebrados. “A impossibilidade de acessar estágios emocionais, bem como a de mapear precisamente mecanismos de dor e sofrimento, não deve excluir esses animais da consideração moral em proporcionar-lhes cuidado e bem-estar” (Oliveira e Goldim, 2014)
Eu como bióloga acredito que enquanto considerarmos apenas os vertebrados como seres conscientes -  já que os invertebrados estão tão afastados dos humanos – torna-se cada vez mais difícil lidar com a ética no uso destes animais. Não conhecermos a fundo estes invertebrados, não significa que nestes estudos não se merece respeito. Precisamos acima de tudo pensar na importância dessas espécies em relação a todo o meio ambiente. Nada justifica o sofrimento dos animais, mas sim todos merecem o respeito à vida.  A mudança de comportamento só é possível através da educação ambiental. Interação com a natureza, com os animais, muitas vezes acaba sendo mais por status e exibicionismo do que pela consciência ambiental, e é preciso despertar essa consciência.

O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Ética Animal, tendo como base as obras:

Bentham J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural; 1984. p. 63. (Os Pensadores)
Brusca RC, Brusca G. Invertebrados. Rio de Janeiro: Guanabara; 2007. p. 968                                          
Duncan IJH. The changing concept of animal sentience. Appl Anim Behav Sci. 2006;100(1-2):11-9
OLIVEIRA, E. M.; GOLDIM, J. R. Legislação de proteção animal para fins científico e a não inclusão dos invertebrados – análise bioética. Revista Bioética. V. 22, n. 1, p. 45-56, 2014.
REGIS A. H. P., CORNELLI, G. Experimentação animal: panorama histórico e perspectivas – Revista de Bioética, v.20, n. 2, p. 232-43, 2012.

STRICKBERGER, Monroe W. Evolution, 3rd Edition, Susbury: Jones & Barlett Publishers, 2000.