Índios e Negros: a sua liberdade é a minha liberdade



Por Marta Luciane Fischer
Docente do Programa de Pós-Graduação em Bioética PUCPR

Parece até um daqueles paradoxos evolutivos que nos fazem senti a espécie mais esquizofrênica da natureza... dia 19 comemoramos o dia do índio e no dia 21 dia de Tiradentes E o que de fato comemoramos?
Índio? Aquele povo que vivia nas terras além mar onde se plantando tudo dá e que nós consideramos como indignos de serem atribuídos status moral por não compartilharem as mesmas crenças, costumes e rituais? Índios que foram expostos em praças públicas europeias tal como os animais hoje são expostos em zoológicos? Forçados a dançarem, brigarem, se moverem para deleite da sociedade que se encantava com o exótico? São os mesmos índios que foram catequizados e dizimados nas tentativas de serem escravizados? O que comemoramos mesmo? O fracasso dos colonizadores ou o fato de tornarmos os poucos descendentes restantes dependentes de nossa proteção?  É... me parece que fantasiar as crianças de índios, contar algumas histórias e quem sabe tocar a clássica canção da Baby do Brasil já não faz sentido. E me diga por favor se alguém entendeu os motivos dos manifestos dos indígenas contra a PEC 125 que tramita na câmara e retira do governo federal a autonomia para demarcar terras indígenas, de quilombolas e zonas de conservação ambiental.


Ok, já que está difícil a identificação com o dia do índio, que tal o dia de Tiradentes? As crianças se vestem de escravos para comemorar o dia de um Martín tão importante para história do nosso país? A questão é que Tiradentes marca toda uma geração que enxergava além do seu tempo. Por não conseguirem escravizar os índios, os colonizadores se deram ao trabalho e gasto extra para trazer os africanos até aqui. Era o que tinha para o momento. Mas nenhum problema de ordem moral, afinal eles também não tinham alma, idolatravam outros deuses e falavam línguas estranhas. Não era considerado imoral tratar os negros como objetos de valor, força-los a trabalhar e condicioná-los à obedecer. Foi assim por muito tempo e o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, o que leva a duvidar da atitude humanitária e apostar na política. Se dependesse da boa intenção dos senhores de terra e da economia local, eles estariam inseridos no sistema escravocrata ainda. Semelhante aos animais de hoje? Os defensores da ética libertacionista animal, não vêm diferenças entre o que aconteceu com os escravos e o está acontecendo com os animais. A intenção, métodos, argumentos e consequências são as mesmas. Será que os animais terão seu Martin? Será que chegará um dia que os animais terão políticas de inserção? Será que terão sua dignidade e direitos trabalhistas preservados? Quem prevalecerá: a ética ou a lei, os valores morais ou econômicos?
E diante dessa reflexão o que me cabe a questionar é se a baixa resistência física e imunológica dos índios, os verdadeiros donos dessa terra, os libertou da escravidão do trabalho, mas os condenou a ser um povo fraco, pouco valorizado e dependente de nossa proteção. E os negros, o povo estrangeiro, pela sua força e resistência foram forma oprimidos a servir os colonizadores. A libertação do seu povo veio carregada de ódio e vingança, transformando-os em um povo utopicamente livre, marginalizado e discriminado, dependente da boa vontade daqueles que não enxergavam seu valor. E o que comemoramos mesmo? um feriado prolongado? A morte de um libertacinista, por motivos incompreensíveis para maioria dos cidadãos brasileiros? E enquanto isso nossa sociedade não percebe que quanto mais se iludem com uma falsa liberdade, mais presos vamos ficando. Nossa alma de colonizados nos fez admirar tudo que era estrangeiro, roupas de frio, peles brancas e idiomas diferentes.  Até hoje reverenciamos o estrangeiro sem questionar a idoneidade de seus atributos. Temos vários problemas éticos assolando nosso país em todas as esferas, mas obviamente que me chamam mais a atenção o que estamos fazendo com a nossa natureza. Em nome de uma inserção social internacional, compramos o que não gostamos e nem precisamos, com dinheiro que não temos e a um custo ambiental e social gigantesco. A ideia de que só seremos felizes quando tivermos esse ou aquele bem, quando pudermos ir para esse ou outro lugar, ou se vestirmos e falarmos dessa ou de outra maneira, tem nos feito tudo menos um povo independente. Não idolatramos e defendemos nossa cultura, não cuidamos de nossos animais e de nossas plantas. Queremos sentirmos inseridos no mundo consumindo....  
Quem é mesmo o liberto dessa história toda?