Série
Ensaios: Bioética Ambiental
Por Maria
Fernanda Turbay Palodeto e Mônica Cristina Sampaio Majewski
Alunas
especiais do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR
O
crescente número de alimentos industrializados e funcionais, produtos fitoterápicos
e homeopáticos,
além da enorme gama de produtos farmacêuticos que vêm sendo pesquisados e
lançados diariamente no mercado mundial, reforça a necessidade de intervenção
do Estado a partir de constituições federais, fiscalização de órgãos como a Vigilância
Sanitária e supervisão do Ministério
da Saúde, a fim de realizar ações capazes de eliminar, diminuir e prevenir
riscos relacionados à segurança da saúde da população (Bem et al, 2009). A necessidade de garantir segurança a um usuário de
produtos destinados à promoção e manutenção da qualidade de vida das pessoas
gera uma obrigação moral e ética aos profissionais ligados a saúde. Além disso,
transforma o princípio
da responsabilidade em precaução,
assegurando a antecipação das medidas para amenizar as consequências (Bem et al., 2009).
Reconhecido
como um profissional da saúde, o farmacêutico possui um currículo extremamente
abrangente que lhe permite atuar em um amplo leque de atividades ligadas às Ciências Farmacêuticas.
Pode-se dizer que o objeto central da profissão farmacêutica é o medicamento,
elemento do qual este profissional possui um conhecimento privativo e peculiar,
diferenciando-o de outros profissionais (Pauferro, 2008). É inerente a esta profissão o exercício da assistência
farmacêutica, isto é, interagir diretamente com o usuário do medicamento
através do desenvolvimento de atitudes, comportamentos, habilidades,
compromissos e co-responsabilidades, com o intuito de prevenir doenças,
promover e recuperar a saúde e auxiliar na obtenção de resultados favoráveis,
voltados para o objetivo de permitir que o uso dos medicamentos e outros
produtos e serviços para a saúde sejam realizados da melhor forma possível,
auxiliando na busca da melhoria da qualidade de vida da população (Bem et al., 2009). Este “agente da saúde” deve,
além de tudo, promover o uso racional de medicamentos, isto é, garantir que um
“paciente receba o medicamento apropriado para sua condição clínica, em doses
adequadas às suas necessidades individuais, por um método adequado e ao menor
custo para si e para a sociedade” (Sousa, 2010). Entretanto, o crescimento da indústria
farmacêutica com a promessa de longevidade e juventude prolongada aguçou o
consumo de produtos farmacêuticos, pois houve uma supervalorização dos seus
benefícios, subestimando suas reações adversas (Lage; Freitas; Acurcio, 2005).
O
hábito de praticar a automedicação
irresponsável, isto é, sem a orientação e supervisão de um profissional
capacitado, faz com que as pessoas coloquem a integridade de sua saúde em
risco. A ideia errônea de que “existe
remédio para tudo”, reflexo da cultura imediatista e consumista da
sociedade atual, induz o uso de múltiplos remédios resultando na substituição
da busca por tratamentos prolongados, capazes de curar ou controlar
efetivamente uma patologia, pelo uso de variados medicamentos, com as mais
diversas intensidades e efeitos, os quais trazem soluções rápidas e muitas
vezes imediatas, mas passageiras e não capazes de contribuir para a cura ou
controle da doença (Milléo, 2014). Baseando-se em fatos históricos, pode-se
afirmar que houve uma distorção da visão das pessoas em relação aos
medicamentos e suas utilidades. Analisando a história da farmácia e a forma com
que o medicamento é utilizado ao longo da história evolutiva do homem, pode-se
constatar que nos primórdios, os homens, assim como os demais seres, procuravam
na natureza a solução para suas patologias, como forma de curá-las ou
preveni-las. Ainda hoje, muitas espécies de animais, inclusive insetos,
buscam por determinados vegetais quando eles ou seus filhotes sofrem algum tipo
de incômodo ou doença (Cunha, 2013).
Atualmente
o medicamento é tratado como um objeto híbrido, considerado tanto um
instrumento terapêutico, quanto um bem de consumo. Sendo visto na sociedade
como uma mercadoria qualquer, livre de perigos ou possíveis danos, em que a
propaganda estimula o consumo, a legislação e fiscalização são frágeis e levam
a automedicação e ao uso indiscriminado (Lage; Freitas; Acurcio, 2005). Críticas
a este modelo através de denúncias de crescentes efeitos indesejados, propagandas
intensivas e omissas ou enganosas, fraudes, comercialização de medicamentos
de uso restrito, convencimento do consumidor no balcão da farmácia (chamado de “empurroterapia”),
pressão dos grandes laboratórios sobre os profissionais prescritores
estimulando a “escolha” do medicamento a ser utilizado pelo paciente através da
oferta de bonificações, síntese e produção de fármacos com finalidades
exclusivamente comerciais, entre outras, começaram, na década de 1980, a atingir diferentes
setores da população fazendo com que o estudo de práticas naturistas,
medicamentos fitoterápicos, culturas médicas orientais começassem a emergir,
tanto no Brasil quanto no exterior (Nascimento, 2005). Foi então, que os medicamentos
farmoquímicos, começaram a conviver com outras modalidades terapêuticas,
recuperando e atualizando terapias já existentes, mas pouco valorizadas e
estudadas, como a homeopatia e ervas medicinais. Tal coexistência alterou as
maneiras de se pensar em saúde, assim como os diferentes grupos sociais também
iniciaram alterações em seus hábitos de vida e a maneira de se relacionar com
os demais seres (Nascimento, 2005). Vários indivíduos iniciaram uma auto
avalição, ou até mesmo uma reavaliação, daquilo que era visto como certo,
imutável e, muitas vezes, inquestionável pela sociedade, alterando uma linha de
pensamento, quase retrógrada, de que apenas os métodos terapêuticos comprovados
cientificamente são válidos.
Dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 80% da população nos países
em desenvolvimento utilizam práticas
tradicionais nos cuidados com a saúde, deste índice, 85% fazem uso de
plantas e preparados (Brandão, 2006). No Brasil, cerca de 300 espécies animais,
chamados recursos zooterápicos, podem ser encontrados como produtos
comercializados por erveiros e curandeiros. Entretanto, estudos sob o ponto de
vista clínico-patológico são escassos e o uso de animais (muitas vezes espécies
raras ou ameaçadas) e plantas de forma irresponsável e errônea pode levar ao
desequilíbrio ambiental de uma determinada região ou espécie, gerando
consequências negativas tanto para a saúde da flora e fauna, quanto para
população humana. Tal informação tornam evidentes as implicações ecológicas,
sociais, culturais e de saúde pública associadas ao uso dos recursos naturais
(Ferreira, 2009). Por essa razão a OMS orienta uma difusão de abrangência
mundial sobre o uso racional de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos
(Brandão, 2006). A procura pelas práticas terapêuticas
não-convencionais revela a ideia de estabelecer um consenso entre a tradição e
a medicina moderna a fim de obter uma melhor qualidade de vida para os
pacientes. As manifestações populares em saúde e a chamada medicina não-convencional
são consideradas práticas voltadas à saúde e ao equilíbrio vital do homem, por
essa razão, diretrizes para implementação e incorporação destas práticas,
inclusive no SUS, foram estabelecidas no
Brasil, a fim de garantir eficácia, eficiência e segurança dos usuários. Em
maio de 2006 entrou em vigor a Portaria n. 971, que
aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)
no sistema único de saúde, tornando legal o uso de plantas medicinais,
fitoterapia, homeopatia, acupuntura, termalismo, entre outras práticas
terapêuticas alternativas (Marques et al.,
2011).
O
aumento na procura por métodos alternativos voltados para tratamentos de saúde
é perceptível, e sabe-se que várias destas práticas são tão antigas quanto o
desenvolvimento da medicina científica moderna. Com isso, o uso destas terapias
passa a não ser mais uma crença, ou tradição passada por gerações, e sim uma
ciência que vem sendo estudada, aperfeiçoada e aplicada (Tomazzoni; Negrelle; Centa,
2006). Atualmente, estudos realizados em países como o Brasil e Estados Unidos,
evidenciam que o contato com animais funciona como terapia aos seres humanos.
Tratamentos com cães e cavalos, por exemplo, proporcionam sensação de alegria
ao paciente, fazendo com que o mesmo libere substâncias, como a endorfina,
capazes de aumentar a sensação de bem-estar, controlar a pressão sanguínea e
melhorar o sono de um indivíduo. Este é um importante exemplo de que,
comprovadamente, as terapias alternativas possuem resultados positivos e
bastante satisfatórios na contribuição da prevenção, controle ou cura de
patologias (Dias, 2011). Entretanto, é inegável que existe uma linha tênue
entre a crença e o efeito real de um medicamento ou tratamento, por isso o
acompanhamento por um profissional capacitado se faz indispensável para
assegurar a manutenção da saúde dos usuários. A ideia de que “tudo que é
natural é bom” pode levar a complicações como intoxicações, interações com
outros medicamentos alopáticos, agravamento da patologia ou surgimento de
patologias secundárias. Além disso, no caso do uso da fitoterapia, orientações
sobre o preparo seguro e eficaz do medicamento tornam-se imprescindíveis, assim
como as informações sobre qual parte da planta deve ser utilizada e a melhor
forma de extrair a substância ativa, são essenciais para se obter sucesso com o
uso do preparado (Tomazzoni; Negrelle; Centa, 2006). Uma
especialidade que também vem sendo bastante difundida e, segundo a Resolução 516/2009 do
Conselho Federal de Farmácia, pode ser exercida pelos farmacêuticos é a acupuntura (Peron et al., 2004). Trata-se de um ramo da
medicina tradicional chinesa que consiste na aplicação de agulhas em pontos definidos do corpo
para obter diferentes efeitos terapêuticos conforme o caso tratado. Há estudos
que revelam a acupuntura como recurso terapêutico coadjuvante em tratamentos de
distúrbios de ansiedade, associada à Atenção Farmacêutica (Pignone;
Martini, 2011).
Frente
ao exposto, nós, ambas farmacêuticas, aspirantes à bioeticistas, as quais atuam
diariamente com pacientes usuários de medicamentos, auxiliando-os na otimização
de suas terapias e orientando-os em relação á real necessidade e o uso correto
de seus medicamentos, acreditamos que a popularização, crescimento e
desenvolvimento dos métodos não-convencionais se deu, em parte, pela atenção de
determinados grupos sociais ao fato de que prevenir doenças através do uso de
substâncias naturais e terapias alternativas traz maiores benefícios a longo
prazo e gera um aumento na qualidade de vida dos indivíduos, além de acarretar
menores problemas relacionados ao uso de medicamentos, intoxicações e
desenvolvimento de patologias devido ao mal uso das medicações. Entretanto,
para chegar a resultados favoráveis através da prevenção e uso racional de
medicamentos é indispensável o acompanhamento de uma equipe
multidisciplinar em saúde, na qual a participação do farmacêutico com seu
conhecimento sobre a fisiopatologia, farmacologia, bioquímica, dentre outras
ciências farmacêuticas, é fundamental para auxiliar na garantia da manutenção
da saúde dos pacientes através do acompanhamento, orientação e contribuições na
detecção de patologias. A proximidade deste profissional com os usuários de
medicamentos é muito grande, o fácil acesso que a população possui ao
farmacêutico no balcão da farmácia torna-o uma peça chave como participante
efetivo e decisivo no uso racional de medicamentos e no auxílio a prevenção de
patologias.
O presente ensaio foi
elaborado para disciplina de Temas de Bioética e Biologia, se baseando nas
obras:
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