Uso De Animais No Ensino E O Uso De Métodos Alternativos


Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Gabriela Rodrigues e Juliana Zacarkin dos Santos
Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Bioética - PUCPR
 
O uso de animais para aquisição de conhecimento científico é uma pratica que acontece desde a Grécia antiga. René Descartes, filósofo Frances no século XVII afirmava que os animais não tinham alma e, portanto não sentiam dor, eram máquinas destituídas de sentimento. Aristóteles, embora tenha defendido o princípio gradual, colocou o homem na posição superior da escala dos seres vivos, separando-o dos demais seres animados.  Ideias como essa reforçaram o uso de animais para as tradições posteriores e trazem implicações para a ética. Somente no século XVIII, contrariando a tese de separação entre homem e animal, os utilitaristas Jeremy Benthan, seguido de Peter Singer trazem uma maior preocupação frente ao respeito para com os animais e a ética animal se consolida com o surgimento de proposições no limite do uso de animais. Singer fundamenta o princípio da igualdade entre seres humanos baseado no princípio da igual consideração de interesses e sugere que a capacidade de sofrer ou de desfrutar coisas é a característica que confere a um ser, seja ele humano ou animal, o direito a igual consideração.
Em 1959, Russel e Burch propuseram a teoria dos 3R’s que atendem as necessidades de bem estar animal.  “Replace”, substituição do uso de animais por métodos substitutivos, “Reduction” a redução do número de animais envolvidos e “Refinement” - a adequada condução dos estudos de modo a diminuir o sofrimento dos animais na qual vem fundamentando documentos de experimentação científica. Nela aparece de forma direta o incentivo ao uso de métodos alternativos. Os métodos alternativos são recursos educacionais ou abordagens educativas que substituem o uso de animais ou complementem práticas humanitárias de ensino. As atuais tecnologias vêm criando alternativas de qualidade e que recriam a qualidade dos modelos biológicos vivos, oferecendo com segurança esta opção aos professores. Legislações nacionais como a Lei número 9.605, a Lei de Crimes Ambientais, no artigo 32, também incentiva o uso destes métodos substitutivos.
Os animais passam a ser vistos como seres que necessitam de proteção com um olhar mundial e em 27 de janeiro de 1978 os direitos dos animais ganham reconhecimento e notoriedade mundial, por uma promulgação da UNESCO através da Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Elencando uma série de dispositivos de proteção aos animais, estabelece em seu artigo 8º: a) A experimentação animal, que implica um sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra; b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
Hughes (1976) definiu bem estar como um estado de completa saúde física e mental, em que o animal está em harmonia com o ambiente que o rodeia. O filósofo Bernard Rollin (1981), tem uma visão ampla de bem-estar animal, pois ele inclui a satisfação das necessidades, vontades, desejos e objetivos na categoria de interesses. Defende o respeito à natureza animal, a seu telos, que indica que o animal possui valor intrínseco. Para Regan (1983), é o fato de que os animais são sujeitos de vida que lhes dá valor inerente. Segundo Feijó (2004), a ideia do especismo, em que os seres humanos tendem a defender outros seres humanos pelo fato de serem da mesma espécie também aparece como uma maneira de exigir a definição sobre o animal não humano ter ou não ter status moral forçando a fundamentação para estabelecer a linha divisória entre os seres humanos e os outros animais. A atribuição do status moral é apoiada na senciência, incluindo apenas os vertebrados. Inicialmente deve-se ater ao conceito artificial vertebrados e invertebrados, uma vez que o primeiro é apenas um subfilo do Filo Chorada diferenciado apenas pela presença da coluna vertebral. Por outro lado, a heterogeneidade e diversidade de habitats, hábitos e morfológica de invertebrados não justifica uma legislação (11.794/08) que proteja apenas 5% da fauna. Somente a Suécia inclui os invertebrados na sua normatização e o Reino Unido e o Canadá incluem os cefalópodes (polvos, lulas e sépias). Enquanto argumentos desfavoráveis se apoiam na complexidade do sistema nervoso e presença de processos mentais, os movimentos pró-invertebrados, considera a existência de nociceptores, logo capacidade de sentir estímulos bons e ruins, bem como o valor inerente do ser vivo, independente da sua complexidade Faz-se necessário refletir sobre elementos que subsidiem novas discussões éticas sobre o uso de animais no ensino e pesquisa considerando na nova proposta de status moral, também os animais invertebrados, tendo como base o princípio da precaução, aliado ao da dúvida.
   
             Em 2012 foi criada a partir de uma portaria do Ministério de ciência, Tecnologia e inovação a RENAMA,  Rede Nacional de Métodos Alternativos, com a finalidade de disponibilizar através de uma rede de laboratórios associados, as metodologias recomendadas  pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. A RENAMA é responsável também pela validação de métodos alternativos. Existem vários métodos já reconhecidos internacionalmente e alguns deles são disponíveis online.
O Rato Koken contém ossos cranianos, faringe, laringe, traquéia, estômago e uretra anatomicamente precisos.  Esse modelo oferece respostas imediatas. Possui tubos de drenagem para esvaziar o estômago. The Rat Stack é um atlas interativo que mostra através de fotos e diagramas anatomia funcional do rato, bem como os estágios de dissecação, este programa também disponibiliza testes e permite inserção de perguntas. Há também um programa que simula a dissecação de um sapo.  Dados comparativos de custos econômicos da Sociedade Humanística dos Estados Unidos (HSUS) e Comitê Médico concluíram que a compra de recursos alternativos é, na maioria dos casos, mais em conta do que o manejo. Segundo HSUS as alternativas economizam entre $2,700 e $9,600, fornecendo uma seleção variada de mídias para um ensino mais efetivo.
                Nós como futuras bioeticistas acreditamos que a utilização de métodos alternativos é uma maneira de exercer o princípio responsabilidade, preservando e valorizando a vida, já que os métodos alternativos não prejudicam os resultados de pesquisas e nem mesmo a eficácia didática no ensino, precisamos contribuir para mudar esse paradigma, de que o uso de animais é essencial para o desenvolvimento tecnológico, uma vez que já existem vários estudos e tendências que comprovam que em muitas situações os animais podem ser substituídos por programas de computador, por cultivos celulares e modelos anatômicos, só haverá verdadeiro avanço quando o homem for capaz de zelar não somente pelo seu próprio benefício, mas busque preservar e valorizar toda forma de vida.
 
 
O Presente ensaio foi elaborado para disciplina de Temas de Biologia e Bioética, baseando-se nas obras:

Brasil. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. [acesso 26 Mai 2013]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm
Brasil. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1º do art.  225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de  animais; revoga a Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário  Oficial da União. 9 out 2008;(196):Seção 1; p.1-4.
DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Paulus, 1999.
Feijó AGS. A função dos comitês de ética institucionais ao uso de animais na investigação cientifica e docência. Rev Bioética. 2004;12(2):11-22.
HUGHES, B.O. Behaviour as Index of Welfare. Proceedings Vth  European Poultry. 1976 Conference, Malta, 1005-1018.
INTERNICHE. Disponível em: www.interniche.org. Acesso em: 03 ago. 2014.
REGAM T. The case for animal rights. Berkeley: University of California Press; 1983.
ROLLIN, B. E. Animal rights and human morality.Buffalo: Prometheus Books, 1981.
RUSSEL WMS, Burch L. The principles of humane experimental techniques: special edition.  London: Universities Federation for Animal Welfare; 1992.
SINGER, P. Ética Prática. São Paulo: Martins fontes, 1994.