sexta-feira, 4 de abril de 2014

Saber ou não saber popular?


Série Ensaios: Aplicação da Etologia

Por Lislaine das Neves, Paula Riberio e Phamela Ferreira

Acadêmicas do Curso de Ciências Biológicas


Os termos etnoecologia e etnoetologia são sinônimos cujo prefixo “etno” começou a ser usado com significado de fazer referência a um grupo étnico particular. O significado para etnoecologia se resume em um campo de pesquisa científica transdisciplinar que estuda os pensamentos, sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos daí decorrentes (MARQUES, 2001). Em outras palavras faz referência à interação entre as pessoas e o ambiente. Alguns autores como Berkes (1999) e Berkes et al. (1998) dão ênfase aos conceitos ecossistêmicos nos sistemas de conhecimento de sociedades locais ou tradicionais. Estes conceitos ou noções ecossistêmicas refletem características percebidas localmente, como a unidade natural definida em termos de um limite geográfico e as interações percebidas entre os diversos componentes do sistema. A etnoecologia tem suas raízes na antropologia, apesar de possuir influências de outras áreas (TOLEDO, 1992) e de hoje constituir-se claramente como uma área de confluência entre as ciências biológicas e as ciências humanas. Para Gragson e Blount, (1999), a etnoecologia procura fornecer um entendimento dos sistemas de conhecimento de populações locais sem se restringir a história natural a partir de uma perspectiva antropológica, já para Nazarea (1999) a etnoecologia investiga os sistemas de percepção, cognição e uso do ambiente natural, sem ignorar os aspectos históricos e políticos que influenciam uma dada cultura, bem como as questões relacionadas à distribuição, acesso e poder que dão forma aos sistemas de conhecimento e nas práticas deles resultantes.
A introdução do termo Etnoecologia na literatura científica está situada no ano de 1954, com a dissertação de Harold Conklin sobre a relação entre uma população das Filipinas com as plantas por ela manejadas. O estudo de Conklin enfatiza o reconhecimento dos ambientes na relação entre pessoas e plantas. Este estudo contribuiu para uma mudança no foco investigativo, em direção ao entendimento do ponto de vista nativo ou local (NAZAREA, 1999), indo além de uma perspectiva meramente cognitiva, predominante na época. Na década de 1980 pode-se perceber um maior interesse pelos aspectos abordados na etnoecologia, com contribuições de pesquisadores das ciências humanas e das ciências naturais especialmente do Brasil, como: Etnoecologia contemporânea e interdisciplinaridade: contribuições da antropologia ecológica de Tim Ingold, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Contribuições do Marxismo e da Etnoecologia para o estudo das relações socioambientais, desenvolvido por Cíntia Pereira Berenho e Carlos RS Machado. Etnoecologia e captura acidental de golfinhos (Cetacea: Pontoporidae e Delphinidae) na Baía da Babitonga, Santa Catarina, realizado por Luciana Pinheiro e Marta Cremer.
Um cenário contemporâneo de reflexão e atuação para a etnoecologia revela possibilidades de desprendimento da divisão dicotômica entre as categorias: natureza e cultura. Por ter objetos e assuntos “híbridos” integrando cultura e natureza, a etnoecologia deve envolver um conjunto de relações que não pode ser inicialmente resumido. Neste sentido, novas tendências mostram que é mais adequado considerar a etnoetologia como “campo de cruzamento de saberes” (MARQUES, 2001) do que como “uma disciplina” (TOLEDO, 1992). A etnoecologia pode ser aplicada com inúmeras finalidades, a social, a antropológica e a de pesquisa. No âmbito das pesquisas cientificas a etnobiologia serve como facilitadora da aplicação e desenvolvimento de estudos, pois os pesquisadores voltam-se a comunidade local para coletar as informações que essas pessoas possuem empiricamente. Estudos como para a conservação de áreas naturais protegidas e na descoberta de novos fármacos.O saber popular é muito valioso no âmbito da pesquisa, por possui muita importância na caracterização da área de estudo. Ele auxilia o pesquisador que observa o comportamento animal em campo e necessita realizar um levantamento minucioso de informações sobre a espécie. Como a população local tem um contato maior com esse animal, as características do comportamento animal como: período reprodutivo, o tipo de alimentação, o predador natural, entre outros são obtidas facilmente pelo pesquisador. Outro aspecto positivo a respeito do saber popular se trata do uso de plantas medicinais, e demais finalidades, como cosmética e alimentação. Pesquisadores de outros países vinham buscar e explorar recursos naturais conseguiam informações com as populações locais e desenvolviam produtos comerciais, por exemplo, a partir de uma planta que era muito usada no combate à caspa, o caso mais conhecido de biopirataria no Brasil foi o do cupuaçu, registrado por empresas japonesas em escritórios de marcas do Japão, Estados Unidos e Europa a fim de desenvolver um produto alimentício. Por isso no Brasil foi criado meios de proteção e valorização dos conhecimentos e expressões das culturas populares, como a portaria n.º 37, de 12 de abril de 2012.  A percepção da população que a exploração demasiada está diretamente relacionada com o declínio de espécies na natureza, as fizeram compreender que partilhar os seus conhecimentos adquiridos pela vivência podem ajudar na conservação e proteção de áreas naturais e espécies, o que conhecemos por etnoconservação.
Nós formandas de Biologia acreditamos que com tudo isso a etnobiologia apresenta-se como ferramenta indispensável no pontapé ao inicio de um estudo. As relações e interações que uma comunidade apresenta, essa vivência que é adquirida no contato com o meio ambiente não pode ser desprezada ou descartada, pelo contrário, ela encurta distâncias no cumprimento de objetivos. Essencialmente quando se trata da pesquisa, a coleta de informações da população local que está em contato com o ambiente, planta ou animal estudada facilita o trabalho do pesquisador, que além de ganhar tempo para o desenvolvimento do seu trabalho, ainda economiza recursos que seriam destinados a ficar mais tempo em campo, por exemplo, estudando o comportamento de determinada espécie. Dessa forma a utilização da etnoecologia potencializa o conhecimento do meio ambiente e as relações e interações que nele existem.
Para compreender melhor as relações do homem com a natureza assita também o vídeo



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, basendo-se nas seguintes obras:

ALBUQUERQUE, Ulysses P. de. HANAZAKI, Natália. As pesquisas etnodirigidas na descoberta de novos fármacos de interesse médico e farmacêutico: fragilidades e perspectivas. Rev. bras. farmacogn. vol.16 João Pessoa Dec. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-695X2006000500015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso às 20:47 dia 09/03/2014.
ALMEIDA, Shirley M.; FRANCHIN, Alexandre G.; MARÇAL, Oswaldo J. Estudo Etnoornitológico no Distrito Rural de Florestina, Município de Araguari, Região do Triângulo Mineiro, Minas Gerais. Sitientibus Série Ciências Biológicas 6 (Etnobiologia): 26-36. 2006. Disponível em: Acesso às 21:27 dia 18/03/14.
ALVES, A. G. C.; SOUTO, F. J. B. Etnoecologia ou etnoecologias? Encarando a diversidade conceitual. Recife: Nupeea, 2010, p. 17-39. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/49988231/Etnoecologia-Ou-Etnoecologias-Alves-e-Souto-2010. Acesso às 20:30 dia 09/03/2014.

BARENHO, Cíntia P.; MACHADO, Carlos. Contribuições do Marxismo e da Etnoecologia para o estudo das relações socioambientais. Disponível em: Acesso às 20:15 dia 24/03/14.


BARROS, Flávio B. Biodiversidade, uso de recursos naturais e etnoconservação na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amazônia, Brasil). Tese (doutorado). Universidade de Lisboa. 2011. Portugal.

BASSI, Joana B.; SOUZA, Gabriela C.; KUBO, Rumi R. Etnoecologia contemporânea e interdisciplinaridade: contribuições da antropologia ecológica de Tim Ingold. In: Anais do IV Encontro da Rede de Estudos Rurais: Mundo rural, políticas públicas, instituições e atores em reconhecimento político. Curitiba/PR: UFPR, 2010. Disponível em: http://www.ufrgs.br/pgdr/temas/producao/redes_texto_bassi.pdf. Acesso às 19:50 dia 09/03/14.

BRASIL. Ministério do Meio ambiente. Portaria Nº - 37, De 12 De Abril De 2012- Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, Nº 73, p.16,  segunda-feira, 16 de abril de 2012.

BRASIL. Ministério da cultura. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: Acesso às 20:54 dia 18/03/14.

CHRIS, McDaniel. 2014. Universidade Yale. New Haven. Disponível em: <http://ling.yale.edu/people/harold-conklin> Acesso às 21:35 dia 18/03/14.

FRAZÃO, Dilva G.; CABRAL, Paulo. 2011. Significado de cultura. Disponível em:    Acesso às 21:40 dia 18/03/14.

HANAZAKI, Natalia. Etnoecologia, etnobiologia e as interfaces entre o conhecimento científico e o conhecimento local. In: REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 58., 2006, Florianópolis, SC 2006. Anais... Florianópolis: SBPC, 2006. Disponível em:
Acesso às 20:25 dia 09/03/14.

HAVERROTH, Moacir. O ensino e a pesquisa em etnoecologia e etnobiologia na região norte do Brasil. Boletim da sociedade brasileira de etnobiologia e etnoecologia. Ano XIII, Jan. – Mar. de 2010. Disponível em: < http://www.etnobiologia.org/docs/boletins/Boletim%202%20SBEE_JAN_MAR_2010.pdf> Acesso às 20:05 dia 09/03/14.

[IMAGEM] Aqualie. Disponível em: http://www.aqualie.org.br/2013/wp-content/uploads/2013/08/04-junho-008.jpg> Acesso às 20: 37 dia 24/03/14.

[IMAGEM] Melanésia. Disponível em: http://extra.globo.com/incoming/8597016-9f2-139/w640h360-PROP/melanesia-1.jpg> Acesso às 20: 18 dia 24/03/14.

[IMAGEM] Plantas medicinais. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/noticias/wp-content/uploads/2010/11/fotos_medicinais_kulina_02884.jpg> Acesso às 20: 22 dia 24/03/14.

LINARES, Alexandre. Biopirataria. Disponível em: Acesso às 22:05 dia 18/03/14.

MANZAN, Maíra F. Etnobiologia do boto cinza (Sotalia guianensis, van Bénéden, 1864) por comunidades pesquiras do Rio Grande do Norte, Brasil. Natal. 2012. Dissertação (mestrado). Disponível em: < http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/1/7996/1/MairaFM_DISSERT.pdf>

MEDEIROS, Maria F. T.; FONSECA, Viviane S.; POTSCH, Regina H. A. Plantas medicinais e seus usos pelos sitiantes da Reserva Rio das Pedras, Mangaratiba, RJ, Brasil. Acta bot. bras. 18(2): 391-399. 2004.

NAZAREA, Virginia D. Ethnoecology: situated knowledge/located lives. University of Arizona Press, Tucson. 1999.

PINHEIRO, Luciana; CREMER, Marta. Etnoecologia e captura acidental de golfinhos (Cetacea: Pontoporidae e Delphinidae) na Baía da Babitonga, Santa Catarina. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 8, Editora UFPR. p. 69-75, jul/dez. 2003.

PEDROSO, Junior N. Etnoecologia e conservação em áreas naturais protegidas: incorporando o saber local na manutenção do Parque Nacional de Superagui. São Carlos. UFSCAR. 2003. Dissertação (mestrado). Disponível em:
http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=13. Acesso às 19:45 dia 09/03/14.

PRESS, Norman. GRAGSON, T. L. e BLOUNT, B. G. Ethnoecology: knowledge, resources, and rights. Universidade da imprensa de Georgia (UGA), Atenas. 1999.

REIS, Bruno O.; SILVA, Ivete T.; SILVA, Isa M. O.; ROCHA, Brigida R. P. Produção de briquetes energéticos a partir de caroços de açaí. An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002.

RODRIGUES, Angélica L. F. O boto na verbalização de estudantes ribeirinhos: uma visão etnobiológica. Dissertação (Mestrado). Belém, 2008

SANTOS, Suzimara Evangelista. Valorização cultural para uma proposta de gestão ambiental. Revista Virtual, v. 4, n. 2, p. 70-76, jul – dez 2008. Disponível em: .  Acesso às 20:15 dia 09/03/14.

TOLEDO, V. M. What is ethnoecology? Origins, scope and implications of a rising discipline. Etnoecológica 1 (1): 5-21. P. 13-16. 1992.

[VÍDEO] O Globo Repórter. Produtora essência raiz, São Paulo, 2009. Ciêntistas aprendem com o conhecimento popular. Disponível em: . Acesso às 21:10 dia 18/03/14.

Nenhum comentário:

Postar um comentário