segunda-feira, 7 de abril de 2014

A etologia desvendando o papel de morcegos frugívoros na conservação



Série Ensaios: Aplicação da Etologia

Por Isabelle Christine Strachulski

Acadêmica do curso de Biologia


A etologia tem muito a contribuir para a conservação de espécies (Brusius et al., 2005), pois identificando os ambientes em que ela ocorre, sua distribuição atual e abundância, interações bióticas, morfologia e fisiologia, aspectos demográficos, comportamentais e estudos genéticos (Cassano, 2006), se tem a chave para a conservação dessa espécie. O termo etologia apareceu por volta da metade do século XVIII em publicações da Academia Francesa de Ciências, sendo utilizado para a descrição de estilos de vida, o que hoje corresponde à ecologia (Del-Claro, 2004). No Brasil o pioneiro no surgimento da ética conservacionista foi André Rebouças, defendendo a necessidade de se criar parques nacionais (Rylands & Brandon, 2005 apout Jorge Pádua, 2004). Os programas para a conservação da biodiversidade têm se preocupado principalmente com levantamentos de diversidade de espécies, com o funcionamento dos ecossistemas e com a preservação da variação genética dentro das populações. Entretanto, estas prioridades têm se modificado recentemente e tomado um novo rumo. Esta nova direção segue no sentido do estabelecimento de uma visão mais ampla e integrada da biodiversidade. Trata-se de olhar a biodiversidade não apenas como frequências e abundâncias relativas de espécies, mas como conjuntos de interações. A solução dos novos problemas que se apresentam, passa pelo redescobrimento do estudo do comportamento animal e história natural, utilizados agora como ferramentas básicas para a compreensão de interações e biodiversidade, com aplicação direta em programas de conservação (Del-Claro, 2007). Em 2004, Brusius et al desenvolveram um projeto de pesquisa sobre o comportamento de oito antas Tapirus terrestris (Linnaeus, 1758), no Centro de Visitantes do Parque Estadual Serra do Tabuleiro (PEST). Os conhecimentos gerados sobre o comportamento dessa espécie foram utilizados posteriormente em um projeto de educação ambiental, pois T. terrestris apresenta grande importância na região como predadores e propagadores de espécies vegetais, além de estar listada como ameaçada de extinção. Na década de 1980 esse mesmo parque foi palco de um projeto de reintrodução de fauna desaparecida da Baixada do Maciambu, onde várias espécies, como capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris Linnaeus 1766) e emas (Rhea americana Linnaeus 1758) já estão a mais de duas décadas vivendo em cativeiro.

Eu, formanda em Biologia, estou estudando comportamento de morcegos, que por serem animais noturnos e voadores, possuem sua biologia e ecologia pouco conhecida, devido a dificuldades em estudá-los. Porém a etologia está mudando esse quadro, tornando possível o entendimento do comportamento dessas espécies para sua posterior conservação. Meus animais de estudo são três espécies de filostomídeos frugívoros: Artibeus lituratus (Olfers, 1818), Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) e Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810), presentes no morcegário do Criadouro Científico do Museu de História Natural do Capão da Imbuia (MHNCI). Nesse mesmo local essas espécies já foram sujeitos de uma série de estudos sobre a relação morcego planta, principalmente sobre a escolha relativa a frutos e/ou seus óleos essenciais (Parolin et al. no prelo). Os morcegos frugívoros, ao utilizarem plantas em sua dieta, agem como dispersores de sementes, contribuindo para o estabelecimento de muitas espécies de plantas e influenciando o processo de regeneração e sucessão secundária na formação de florestas (Vieira & Cardoso, 2007 apout Passos et al., 2003), por isso é muito importante conhecer os mecanismos presentes na interação planta morcego que permitem a análise e estabelecimento de projetos de reflorestamento, manejo de morcegos e a geração de programas de conservação (Vieira & Cardoso, 2007). Vieira & Cardoso (2007) estudaram o consumo de frutos por filostomídeos na Floresta Nacional de Lorena, que representa um fragmento de Mata Atlântica em processo de regeneração. Foram capturados exemplares representantes de cinco espécies: A. lituratus, C. perspicillata, Glossophaga soricina (Pallas, 1766), Phyllostomus hastatus (Pallas, 1767) e S. lilium. Amostras fecais foram obtidas em sacos de algodão, onde os morcegos permaneciam após captura, e analisadas em estereoscópio óptico. Os recursos mais utilizados por essas espécies foram piperáceas, solanáceas e cecropiáceas, fato que os autores aproveitaram para reforçar a importância destes animais no processo de regeneração em Mata Atlântica.

Mas para que continuem desempenhando seu papel no ambiente, esses frugívoros também precisam ser conservados. Nesse ponto a etologia tem contribuído significativamente, através de estudos sobre relações intra e interespecificas dessas espécies. Miranda & Bernardi (2006) realizaram um trabalho na Escarpa Devoniana, esclarecendo aspectos da história natural de Mimon Bennetti (Gray, 1838), espécie ameaçada de extinção e que se encontra na categoria vulnerável para o Estado do Paraná (Miranda & Bernardi, 2006 apout Margarido & Braga 2004). Em algumas oportunidades M. Bennetti foi vista utilizando como abrigo diurno uma caverna calcária chamada Toca da Onça, onde os agrupamentos de indivíduos observados foram respectivamente sete, quatro, três, quatro, dois, um e um indivíduos, sem contato corporal. Além da espécie alvo, foram capturados saindo da caverna um exemplar de Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) e um de S. lilium, porém não foram avistados agrupamentos destas espécies. Os resultados obtidos corroboram com estudos anteriores, citados pelos autores no trabalho. Trajano (1984) observou M. Bennetti coabitando com C. perspicillata, D. rotundus, Diphylla ecaudata (Spix, 1823) e Myotis nigricans (Schinz, 1821). O tamanho dos agrupamentos é parecido com os observados por Arita (1993) que descreveu colônias pequenas com menos de dez indivíduos. Ainda, os autores ressaltam a importância do registro de novos pontos de ocorrência de M. Bennetti no quadro de conservação de morcegos, principalmente no Paraná.





O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, baseando-se nas obras:

Brusius, L., Oliveira, L., & Filho Machado, L. (2005). Difusão dos conhecimentos sobre comportamento da fauna silvestre como instrumento de conservação. Revista Eletrônica de Extensão 2(3).
Cassano, C. (2006). Ecologia e conservação da preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus Illiger, 1811) no sul da Bahia. Programa de Pós-graduação em Zoologia.

Del-Claro, K. (2007). Comportamento animal, interações ecológicas e conservação. Sociedade de Ecologia do Brasil.

Del-Claro, K. (2004). Comportamento Animal - Uma introdução à ecologia comportamental. Jundiaí: Livraria Conceito.

Miranda, J. M. D., & Bernardi, I. P. (2006). Aspectos da história natural de Mimon bennettii (Gray) na Escarpa Devoniana, Estado do Paraná, Brasil (Chiroptera, Phyllostomidae). Revista Brasileira de Zoologia, 23(4), 1258-1260.
Rylands, A., & Brandon, K. (2005). Unidades de conservação brasileiras. Megadiversidade 1(1), 27-35.

Vieira, M.R.M., & Cardoso, M. (2007). Frugivoria por morcegos filostomídeos (Chiroptera: Phyllostomidae) em área de regeneração, no Município de Lorena, Estado de São Paulo. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil.
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Um comentário:

  1. Olá Isabelle, sou Jéssica também bióloga e fiquei curiosa com a foto dos morcegos brancos em cima da folha de bananeira. Gostaria de saber se a foto é de sua autoria e se essa coloração é característica de filhotes ou seria algo relacionado com albinismo.
    Obrigada.

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