por Adrielle da Silva, Nathalia Alice de Almeida e Tenoch Yakecan Duanetto de Sousa
Formandos em biologia
Durante os debates políticos para a eleição de 2024 para prefeito da cidade de São Paulo, ocorreu um incidente polêmico: o candidato Datena agride Pablo Marçal com uma cadeira após uma série de provocações. O cenário político da maior cidade do Brasil foi marcado por uma ação que muitos consideraram “primitiva”, fugindo daquilo que se espera de líderes civilizados e bem educados. Ao ceder aos impulsos emocionais, Datena apresentou um comportamento que, à primeira vista, poderia ser associado a uma resposta instintiva de impulsos agressivos que ocorrem na natureza em situações de alto risco de sobrevivência ou perda de território. Tal comportamento agressivo é uma expressão emocional comum em situações de conflito e pode ser interpretado sob diferentes perspectivas biológicas, evolutivas e psicológicas.
A contenção do comportamento agressivo foi essencial para a evolução do comportamento social humano, pois permitiu o desenvolvimento de sociedades cooperativas e complexas. Ao controlar impulsos violentos, os indivíduos puderam colaborar em tarefas essenciais, como caça e defesa, além de estabelecer estruturas sociais organizadas com regras e normas que regulavam a convivência. Isso favoreceu a resolução pacífica de conflitos, promovendo a coesão e a continuidade dos grupos. Além disso, a evolução do córtex pré-frontal e suas funções de controle de impulsos e tomada de decisões racionais possibilitou uma melhor gestão de tensões sociais, reforçando a capacidade de viver em comunidades maiores e mais organizadas.
Para entender esse tipo de comportamento, é interessante traçar paralelos com os mecanismos que levam à agressividade em animais. Em espécies não humanas, a agressão é modulada por uma combinação de fatores biológicos, evolutivos e contextuais. Hormônios como a testosterona e o cortisol desempenham papeis importantes, intensificando reações agressivas. No cérebro, a amígdala, uma estrutura pertencente ao sistema límbico, é responsável por respostas emocionais intensas, como a raiva, enquanto variações genéticas podem predispor certos indivíduos a comportamentos mais agressivos. Evolutivamente, a agressividade atua como uma estratégia para garantir a sobrevivência, relacionada à competição por recursos, defesa territorial e estabelecimento de hierarquias sociais. Em muitos casos, essas hierarquias ajudam a regular interações dentro do grupo, impondo limites claros entre os indivíduos. Psicologicamente, fatores como o condicionamento social e a experiência passada influenciam o comportamento agressivo; por exemplo, em cães, a agressividade pode variar significativamente conforme o ambiente e o contexto social em que o animal se encontra. Cães que se sentem ameaçados ou que percebem uma invasão de território geralmente respondem de forma agressiva, enquanto em ambientes familiares e seguros tendem a demonstrar menos reatividade.
No incidente entre Datena e Marçal, esses princípios podem ter surgido de forma semelhante, embora com nuances próprias da espécie humana. Para ambos, fatores sensoriais foram cruciais: a visão para identificar o objeto (a cadeira) e o alvo (o oponente), e o som da ação alertou as pessoas ao redor, criando uma atmosfera de perigo e provocando tentativas de intervenção. A cinestesia — ou a percepção dos movimentos corporais — também foi essencial para a execução do ato agressivo, assim como os padrões modais herdados da evolução, como o instinto de defesa quando o status no grupo é ameaçado.
No entanto, o comportamento humano é mais complexo, pois inclui uma série de fatores adicionais. Além da testosterona e do cortisol, a serotonina desempenha um papel inibitório, regulando impulsos agressivos. O córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões racionais, modera a resposta da amígdala, ajudando a inibir reações impulsivas ao permitir uma avaliação das consequências. Ainda assim, predisposições genéticas podem influenciar a agressividade, e fatores psicológicos, como a socialização, desempenham um papel fundamental. A maneira como o indivíduo foi criado, suas experiências de infância e a cultura em que está inserido podem moldar a expressão de comportamentos agressivos.
No caso de Datena, pode-se argumentar que a agressão física foi um mecanismo para estabelecer uma hierarquia social
momentânea dentro do contexto do debate. Ao sentir-se desafiado verbalmente por Marçal, sua resposta agressiva pode ser interpretada como uma tentativa de reafirmar seu status dentro daquela interação. Da mesma forma, a resposta de Marçal — tanto em palavras provocativas quanto em gestos defensivos — demonstra a prontidão de um indivíduo para lidar com uma situação de confronto iminente. Esse comportamento possui um paralelo com a dinâmica social dos chimpanzés, que também recorrem à agressão física e a gestos de intimidação para estabelecer ou defender posições hierárquicas em seu grupo. Em situações de disputa territorial ou de poder, os chimpanzés exibem uma série de ações agressivas e defensivas para reafirmar sua posição e afastar ameaças, destacando como, em ambos os casos, o comportamento se ajusta a uma lógica de dominância e autopreservação, mesmo entre indivíduos em uma sociedade complexa. Inclusive na exibição de poder, os chimpanzés batem galhos no chão enquanto gritam para intensificar a intimidação e garantir a liderança, sendo que na maioria das vezes vence o mais habilidoso, que necessariamente não é o mais forte.
Do ponto de vista moral e ético, a agressão foge das expectativas de um debate político civilizado, onde se espera que os candidatos mantenham decoro e respeito mútuo. Moral, neste caso, refere-se aos princípios ou regras sociais que definem o que é considerado certo ou errado em uma sociedade, sendo a agressão vista como inadequada e contrária ao ideal de civilidade. Já a ética se relaciona aos padrões de comportamento ideais que devem guiar as ações em determinados contextos; aqui, implica que os candidatos, como figuras públicas, têm a responsabilidade de agir com decoro e respeito, conforme as normas estabelecidas para o debate político. No entanto, a dinâmica de poder, os instintos herdados e as pressões do ambiente competitivo podem empurrar os indivíduos para além das normas sociais, revelando o quanto o comportamento humano ainda é influenciado por impulsos primitivos em contextos de alta tensão. Esse incidente nos leva a refletir: como humanos, somos realmente diferentes dos animais quando confrontados com ameaças ao nosso status social? E será que todo animal responde da mesma forma?
Do ponto de vista de futuros biólogos, o incidente entre Datena e Marçal suscita reflexões importantes sobre a natureza humana e as interseções entre comportamento instintivo e civilização. Embora, como sociedade, esperemos que figuras públicas ajam de maneira racional e controlada, o episódio revela que os impulsos biológicos, muitas vezes, continuam a influenciar nossas ações em situações de estresse e conflito. A compreensão da agressividade como um comportamento evolutivamente preservado, mas modulado por fatores sociais e culturais, nos ajuda a reconhecer que, por mais que a biologia nos forneça uma base comportamental, a educação e o ambiente podem moldar profundamente a forma como reagimos. O caso serve como um lembrete de que, apesar de nossa capacidade de racionalizar, somos seres biológicos com raízes evolutivas, e estudar esses comportamentos pode nos ajudar a desenvolver formas mais eficazes de preveni-los em contextos sociais complexos.
Esse ensaio foi elaborado para disciplina Biologia e Evolução do comportamento animal
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