Por Gabrielli Marchiolli e Melissa Erika Ichi
Na cidade de Belém–PA, que se prepara para sediar a COP30, os desafios relacionados à água e ao saneamento são evidentes. No igarapé Piraíba, afluente do rio Maguari, comunidades ribeirinhas precisaram abandonar suas casas devido à poluição industrial e à ausência de tratamento de dejetos, situação que se arrasta há quase duas décadas. Situação semelhante ocorre na Ilha do Combu, onde a falta de saneamento básico e de acesso à água potável ainda compromete a qualidade de vida local. Com a aproximação da conferência e o aumento do turismo, cresce a preocupação de que as ações priorizem a aparência da cidade em detrimento da sustentabilidade e do bem-estar das comunidades.
Essa contradição expõe um paradoxo ético: enquanto líderes globais discutem a sustentabilidade, o rio que corta a cidade símbolo do evento agoniza em silêncio. O caso dos rios e igarapés de Belém revelam um problema de caráter ético, social e ambiental complexo, que ultrapassa os limites da ecologia e nos obriga a repensar a relação entre humanidade e natureza. Ambientalmente, o rio sofre com o despejo de resíduos e esgoto sem tratamento, o desmatamento das margens e a perda de biodiversidade. Socialmente, as comunidades ribeirinhas vivem em condições precárias, sem acesso à água limpa, saneamento ou políticas públicas efetivas. Economicamente, a degradação reduz o potencial turístico e eleva os custos com saúde pública. Na dimensão da saúde, aumentam os casos de doenças causadas pelo contato com águas contaminadas, enquanto no campo espiritual e cultural, o rio, símbolo de vida e ancestralidade, é silenciado pelo abandono. Essa visão dialoga diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, adotada em 2015 na sede das Nações Unidas, que busca promover a erradicação da pobreza, à proteção do meio ambiente e à promoção da prosperidade para todos. Entre esses objetivos, o ODS 6, que propõe assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos, é particularmente relevante. Contudo, esse objetivo continua longe de ser alcançado em muitas regiões do planeta — e o Brasil é um exemplo expressivo dessa distância entre discurso e realidade. A degradação ambiental dos rios e igarapés de Belém evidencia um cenário complexo, marcado por interesses e valores conflitantes. Entre os agentes morais estão o poder público, responsável por formular e aplicar políticas de saneamento e fiscalização ambiental; as empresas e indústrias locais, cujas atividades contribuem para a poluição; e o setor do turismo e serviços, interessado na infraestrutura e na imagem da cidade. Já entre os pacientes morais encontram-se as comunidades ribeirinhas, que enfrentam diariamente a escassez de água potável e as doenças decorrentes da poluição; os animais e organismos aquáticos, afetados pela degradação dos ecossistemas; o próprio rio, enquanto sujeito ecológico cuja integridade está ameaçada.
Nós como futuras bioeticistas acreditamos que ao combinar essas medidas, a abordagem integra os interesses de todos. Assim, as comunidades ribeirinhas têm acesso à água potável e menor risco à saúde; os rios e ecossistemas aquáticos têm seus valores intrínsecos protegidos; e os setores econômicos podem organizar suas atividades de forma sustentável. A implementação requer diálogo contínuo entre governo, empresas e sociedade, promovendo um equilíbrio entre necessidades econômicas, sociais e ecológicas, de modo que todas as decisões considerem os interesses de todos os seres afetados. O Rio Belém, hoje silenciado pela poluição, pode se tornar um símbolo de renovação ética e ecológica. Dar-lhe voz é reconhecer o valor da água, da terra e da vida em todas as suas formas. É compreender que o futuro da humanidade depende da capacidade de ouvir o rio — e de agir com responsabilidade diante do seu clamor. Afinal, cuidar do rio é cuidar de nós mesmos.
Esse ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental, PPGB, tendo como base as obras:
BATTESTIN, Cláudia. GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de Hans Jonas: um princípio ético para os novos tempos. Thaumázein – Revista Online de Filosofia, v. 3, n. 6, p. 164, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/thaumazein/article/view/164/pdf. Acesso em: 11 nov. 2025.
BITTENCOURT, Vivian; FLORIT, Luciano Félix. Os rios como sujeitos de direito: uma nova jurisprudência para modelos de desenvolvimento não predatórios. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 16, n. 1, e288, 2025. DOI: 10.7213/rev.dir.econ.soc.v16i1.31094. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/direitoeconomico/article/view/31094/27161. Acesso em: 11 nov. 2025.
BOLLMANN, Harry, Alberto.; EDWIGES, Thiago. Avaliação da qualidade das águas do Rio Belém, Curitiba-PR, com o emprego de indicadores quantitativos e perceptivos. Engenharia Sanitaria e Ambiental, v. 13, n. 4, p. 443–452, out. 2008.
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OLIVEIRA, Anselmo Carvalho de. O princípio de igual consideração de interesses semelhantes na ética prática de Peter Singer. Barbaroi, Santa Cruz do Sul , n. 34, p. 210-225, jun. 2011.
SCHERWITZ, Débora Perilo. As visões antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica do direito dos animais no Direito Ambiental. Revista Interfaces: Ensino, Pesquisa e Extensão, v. 14, n. 9, set. 2022. Disponível em: https://www.uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20220915125623.pdf. Acesso em: 11 nov. 2025.
SINGER, Peter, Ética Prática. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2018.
Para ilustrar este ensaio, foi necessária a utilização de imagens geradas por ferramentas de Inteligência Artificial, que permitiram criar representações visuais dos rios mencionados, dos impactos ambientais e dos conceitos discutidos, enriquecendo a compreensão do leitor.
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